- JESUS ORA PARA CUMPRIR A VONTADE DO PAI
A oração de Jesus no Getsémani e no alto da cruz manifestam a sua disponibilidade total para cumprir a vontade do Pai. Esse desejo de realizar a vontade do Pai já se expressa em toda a oração que faz a caminho de Jerusalém, mas atinge ali o seu cume.
O evangelista Lucas é aquele que exprime melhor a oração de Jesus, começando por referir que Ele orou logo no momento do baptismo (Lc 3, 21), quando se fazia ouvir a voz do Pai: “Tu és o meu Filho muito amado; em ti pus o meu encanto” (Lc 3, 22). Significa isso que Jesus aceita o seu ministério e inicia-o numa atitude de submissão ao Pai e na debilidade de um homem que precisa de orar para entender a sua missão e ser confirmado nela, por Aquele de quem a recebeu.
O baptismo é o sinal de tudo o que Jesus quer aceitar das mãos do Pai; a sua oração naquele momento antecipa certamente a oração do Getsémani e exprime toda a oração de Jesus que caminha resolutamente para a cruz.
Diversas vezes Jesus anuncia aos discípulos que “o Filho do Homem tem de sofrer muito e ser rejeitado” (Mc 8, 31), e está consciente de que essa é a vontade de Deus que tem de cumprir-se e que Ele mesmo quer cumprir, pois também disse: “O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e consumar a Sua obra” (Jo 4, 34). A pouco e pouco, os evangelhos apresentam-nos Jesus a aproximar-se da hora suprema em que estará a sós com o Pai, na oração em que encontrará as forças para se ajustar à Sua vontade.
- JESUS RETIRA-SE PARA ORAR
A oração foi atitude constante na vida de Jesus, tal como nos sugere o evangelho ao apresentar os discípulos a pedir-lhe que os ensine a orar. Depois de verem que Ele ora, no templo, na solidão, na montanha, querem aprender a orar como Ele: “Mestre, ensina-nos a orar!” (Lc 11, 1).
Os discípulos tinham reparado que a vida de Jesus se repartia entre dois pólos, a contínua atenção às necessidades das multidões que acorriam a Ele, e a contínua comunhão com o Pai. Dedicava-se constantemente à realização da sua obra entre os homens e procurava constantemente a relação com o Pai, que lhe tinha dado essas obras a realizar e lhas inspirava lá do alto.
Não sabemos como era a oração de Jesus, pois os evangelhos não nos fazem penetrar nessa intimidade. Apenas sabemos que Ele pedia que em tudo se fizesse a vontade do Pai (Mt 6, 10; Lc 11, 2), pois os seus desejos estavam circunscritos aos desejos do Pai, a quem prestava a máxima atenção: “Em verdade, em verdade vos digo: o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pai, pois aquilo que este faz também o faz igualmente o Filho… Por mim mesmo Eu não posso fazer nada; conforme ouço, assim é que julgo; e o meu julgamento é justo, porque não busco a minha vontade, mas a d’Aquele que Me enviou” (Jo 5, 19.30).
- A ORAÇÃO DO GETSÉMANI
Toda a oração de Jesus converge para o Getsémani, onde se torna mais intensa e mais profundamente humana. Ali Ele sente-se abandonado por todos, restando-lhe a consolação da oração: “Adiantando-se um pouco, caiu por terra e orou, para que, se possível, passasse dele aquela hora” (Mc 14, 35), que significa certamente o cumprimento do plano de Deus.
Os evangelistas apresentam Jesus angustiado, extremamente necessitado da companhia dos seus discípulos, de tal modo que volta três vezes junto deles, depois de se ter afastado para orar (Mt 26, 44). A versão de Lucas oferece um tom extremamente dramático e visualiza o sofrimento fazendo referência ao seu suor de sangue (Lc 22, 44).
Naquele momento, Jesus está triste, como estaria triste qualquer outro homem; Jesus tem medo, como qualquer ser humano, Jesus sente angústia como qualquer um diante da morte. No entanto, Ele confia no Pai, cujo poder conhece e que pode inclusivamente tratar por Abbá. É essa sua confiança ilimitada que dá sentido à sua súplica: “Se queres, afasta de mim este cálice”. Naquele momento, Jesus encontra-se diante do baptismo pelo qual tinha ansiado (o baptismo de sangue – Mc 10, 38), mas isso não O livra da tristeza e da angústia da morte.
No Getsémani Jesus reza como homem e como Filho, pois também vive e morre como homem e como Filho. Ali, Jesus vive antecipadamente os mesmos sentimentos que manifestará no momento da morte.”Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?” (Mc 15, 34). Essas são as palavras do salmista e as palavras de todo o homem no momento da mais crua solidão, daquele que não tem mais por quem gritar, senão por Deus.
No Getsémani manifesta-se o desejo humano de Jesus de se ver livre da morte e o Seu desejo ainda maior de ver realizada a vontade do Pai: “não como Eu quero, mas como Tu queres; não a Minha vontade, mas a Tua”.
O evangelho de João mostra-nos a rigorosa determinação de Jesus, que, apesar da tristeza e da dor daquela hora, quer somente o que quer o Pai: “Agora a minha alma está perturbada. E que hei-de eu dizer? Pai, livra-me desta hora? Mas precisamente para esta hora é que eu vim! Pai, manifesta a tua glória” (Jo 12, 27).
Apesar de ser o Filho, Jesus aprendeu sofrendo o que é obedecer (Hb 5, 8).
A oração de Jesus é sincera, quando pede ao Pai que afaste d’Ele aquele cálice, mas também é sincera quando manifesta a disponibilidade para cumprir a Sua vontade até ao fim. A Sua oração inclui a luta entre dois sentimentos distintos: não quer outra coisa senão fazer a vontade do Pai e para isso tem de aceitar a morte, que lhe repugna ao ponto de O fazer suar sangue. Só lhe resta a oração.
Jesus foi escutado. Sendo Filho de Deus, Ele poderia actuar com poder, mas aceitou sê-lo na carne humana e na obediência: “Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu” (Hb 5, 8); “Ele que é de condição divina não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo. Tornando-se semelhante aos homens e sendo, ao manifestar-se, identificado como homem, rebaixou-se a Si mesmo, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” Fl 2, 6-8).
Jesus sente ter sido enviado ao mundo como a grande manifestação do amor do Pai, que quer salvar todos os homens e expiar todos os pecados. E aceita essa vontade salvífica, dizendo: “não se faça a Minha vontade, mas a Tua” (Lc 22, 42).
Por amor, o Pai, que escuta a sua oração, tem de permitir-lhe morrer; e, por amor, o Filho aceita a morte. Um e outro manifestam daquela forma a realidade do mistério da incarnação e do mistério da redenção como mistério de amor.
A oração de Jesus é escutada pelo Pai e a ressurreição constitui a Sua resposta definitiva.
Os discípulos representam junto a Jesus todos os cristãos, que precisam de entender a necessidade de velar e orar para não cair na prova: “Vigiai e orai para não cederdes à tentação; o espírito está cheio de ardor, mas acarne é débil” (Mc 14, 38). Também os discípulos terão muitos momentos de prova e solidão, em que somente a oração e o grito por Deus lhes podem valer.
Jesus tentado, que encontra força somente na oração, não dá outro conselho aos seus, que o de vigiar e orar, levantar-se e ir ao encontro da sua própria cruz. Se o espírito, como orientação para o bem que Deus pôs neles, está decidido, a carne, como submissão ao pecado, é sempre muito frágil.
Jesus reza como todo o discípulo diante da missão que vê pela frente e quer cumprir.
O Getsémani leva-nos à contemplação do sofrimento de Jesus que quer cumprir a vontade do Pai, mas leva-nos também a aprender a viver como discípulos. Contemplamos o seu abandono total à vontade do Pai e aprendemos a velar e orar para não cair na tentação.
- A VONTADE DO PAI NA NOSSA VIDA DE SACERDOTES
Qual é para nós a vontade do Pai? É a pergunta que temos de fazer diariamente e a pergunta fundamental da nossa vida.
Em primeiro lugar, a vontade do Pai é que sejamos homens, e isso exige de nós um processo doloroso. É a tarefa de nos construirmos na relação com Deus e na relação com os outros. Ou aceitamos essa dor de nos trabalharmos e construirmos como uma tarefa importante e progredimos, ou ficamos diminuídos na nossa humanidade e nunca seremos imagem de Jesus Cristo, verdadeiro Homem.
A maior parte das pessoas falha precisamente nisto, que é o substracto para se poder construir qualquer outra realidade, seja ela, profissional ou vocacional.
Estamos habituados a ver as pessoas fazer caricaturas dos outros e concretamente dos padres. A sociedade, a literatura, os meios de comunicação social apresentam de nós imagens, que exageram um ou outro traço, normalmente ligados à falta de humanidade.
Por vezes falta, de facto, pessoa humana formada, adulta, livre; por vezes falta cultura, actualização, linguagem adequada, capacidade de diálogo.
Dizemos que há coisas que nascem com a pessoa, mas sabemos que podem ser educadas, desenvolvidas – trata-se daquilo que é objecto da formação humana, fundamento de toda a formação cristã e sacerdotal – a que os documentos oficiais da Igreja dão tanta importância.
Formação humana e formação cristã são duas dimensões inseparáveis da formação da pessoa. Facto é que quanto mais a pessoa se desenvolver e amadurecer em todos os aspectos da sua humanidade, mais condições apresenta para desenvolver em si a dinâmica espiritual e vocacional, a própria dinâmica do ministério sacerdotal.
O padre, que somos é chamado a ser imagem visível de Cristo, na Igreja; é chamado a reflectir em si e na sua vida a humanidade de Jesus, o Filho de Deus feito Homem. A formação humana do padre é exigida não somente pela meta de perfeição pessoal que quer atingir, mas também pela missão que o faz ser para os outros, enviado aos outros.
Podemos dizer que está em causa inclusivamente a credibilidade da mensagem e a realidade do padre, ponte entre Deus e os homens.
A vontade do Pai é que nos construamos como cristãos, aceitando a graça que nos concede e a iluminação da fé que pôs nos nossos corações. O processo de desenvolvimento da fé e de crescimento espiritual corresponde certamente à vontade do Pai e pode igualmente ter a sua parte dolorosa: assaltam-nos as dúvidas e as hesitações; vem-nos a vontade de desistir, nos momentos difíceis; chegam-nos as tentações de outros estilos de vida, que parecem mais agradáveis, realizar mais as pessoas.
Além disso, vêm os fracassos na realização de algumas acções, os fracassos na vivência da fé, a própria consciência do pecado e da infidelidade, o medo de não ser capaz de testemunhar a fé com autenticidade…
A vontade do Pai é também que aceitemos com alegria a vocação à qual fomos chamados. E isso torna-se muitas vezes causa de grande sofrimento interior.
Sabemos que responder afirmativamente a uma vocação sacerdotal tem duas facetas: por um lado é motivo de alegria, por nos sentirmos a responder ao Deus que conhecemos e que amamos; é motivo de alegria por realizarmos a nossa ânsia de serviço aos outros e de doação à Igreja. Por outro lado, tem uma dimensão de peso, pois exige um conjunto de renúncias: o celibato, a pobreza, a obediência, um estilo de vida, que não são aquilo que o espírito do mundo nos propõe.
A realização da vontade do Pai não é algo que esteja reservado para os momentos definitivos da vida, para quando nos pedirem que demos a vida de uma vez ou num momento determinado. A realização da vontade do Pai é algo de todos os dias e de todas as ocasiões, é algo da vida de hoje.
Se Jesus Cristo não estivesse disposto a oferecer a sua vida a Deus desde o primeiro momento, nunca a teria dado no alto da cruz. A sua vida foi marcada por uma contínua oração: Pai, faça-se a Tua vontade e não a Minha; faça-se agora e faça-se em tudo.
Eis a nossa oração sacerdotal neste tempo de Quaresma.