ASSEMBLEIA DIOCESANA DO CLERO DA DIOCESE DE COIMBRA SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS SALÃO PAROQUIAL DE SOURE - EM TUDO A CARIDADE

INTRODUÇÃO

 

A Jornada de Santificação do Clero, que celebramos na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, dá-nos a oportunidade de nos reunirmos para refletir sobre a nossa vida e ministério, para celebrarmos juntos a Eucaristia e fazermos crescer a comunhão fraterna.

Proponho, este ano, uma reflexão centrada na caridade como pleno cumprimento da Lei (cf Rm 13, 10), como atitude fundamental do cristão e do sacerdote, que tem a sua origem e a sua expressão maior na Eucaristia e numa vida eucarística.

A configuração do sacerdote com Cristo, Bom Pastor, que conduz o Povo de Deus, é sempre configuração com o Cristo Eucarístico, que dá a vida pelas suas ovelhas, tanto na celebração como na vivência do Sacramento da Caridade, segundo a expressão de S. Tomás de Aquino, recentemente retomada pelo Papa Bento XVI.

A fonte onde havemos de beber o nosso modo de ser sacerdotes é precisamente a Eucaristia, que está no centro do ministério e nos santifica, porque nos torna participantes da caridade de Cristo e nos convida a dar a vida pelos irmãos como Ele a deu por todos nós.

A este propósito, é bem claro o Decreto Conciliar Presbyterorum ordinis, 13, quando diz: “é sobretudo no sacrifício da missa que os presbíteros dum modo especial fazem as vezes de Cristo, que se entregou como vítima para a santificação dos homens (...) enquanto que os presbíteros se unem com a própria ação de Cristo sacerdote, oferecem-se todos os dias totalmente a Deus, e, alimentando-se do Corpo do Senhor, participam amorosamente na caridade d'Aquele que se dá como alimento aos fiéis”.

 

 

1. MINISTÉRIO, CAMINHO DE SANTIDADE

 

“Os presbíteros atingirão a santidade pelo próprio exercício do seu ministério, realizado sincera e infatigavelmente no espírito de Cristo” (PO 13).

Hoje, temos uma maior consciência de que é no exercício do ministério sacerdotal que progredimos ou paramos no caminho da santidade cristã. Não separamos o trabalho pastoral, que inclui a celebração litúrgica, a oração, a evangelização e a catequese, daquilo que é a nossa vida espiritual e do nosso caminho de encontro com Deus.

Naquilo que fazemos e nas motivações interiores pelas quais o fazemos está a possibilidade de encontro com o Deus que nos santifica; é a caridade ou o amor que pomos nas ações, sejam elas quais forem, que unifica tudo em nós: o interior com o exterior, o trabalho com as motivações, a contemplação com a ação, a oração pessoal e silenciosa com a celebração comunitária.

Este modo de entender, se, por um lado nos leva a procurar uma santidade real, que está intrinsecamente ligada à nossa vida, tem, por outro lado, alguns perigos. O ativismo é um dos grandes problemas que os sacerdotes hoje vivem, originado pelo excesso de trabalho, pela incapacidade de fazer opções e programar a vida com realismo e pela ânsia humana de corresponderem ao que se espera deles. O ativismo pode resultar também da convicção, mais ou menos assumida, de que é no exercício do ministério, enquanto realização de ações que o padre se santifica. Juntamente com a convicção de que tudo depende de nós, podemos ficar submergidos pela espiral do tempo e, com a ânsia de tudo fazer, não ter tempo para ser.

Nessa altura, é importante parar para pensar que não é pela quantidade de coisas que se podem fazer num só dia que nos santificamos, nem pelo número de lugares onde conseguimos ir ou pela quantidade de celebrações a que conseguimos presidir.

A santidade constrói-se mais na profundidade do exercício do ministério do que na quantidade de ações realizadas; tem mais a ver com o significado real das coisas do que com a ação propriamente dita; tem mais a ver com a relação que cria, alimenta e exprime do que com o fadigar-se na rotina quotidiana; tem mais a ver com a motivação do que com a obrigação; e, acima de tudo, é um dom da graça de Deus, que nos faz chegar à comunhão com Ele.

O ativismo no exercício do ministério é um falso caminho de santidade, porque descentra de Deus para o qual deixa de haver tempo, e descentra dos irmãos, apesar de parecer ter neles a sua razão de ser. Sem tempo para Deus e tempo para os irmãos, que é uma exigência do amor a Deus e aos irmãos, não se progride no caminho da santidade. Por vezes é fruto de uma insatisfação pessoal muito grande, que procura abafar-se, devido à incapacidade de a aceitar; outras vezes é fruto de uma elevada presunção, de quem pensa tudo depender de si e contar pouco com os outros e com Deus.

Não raro, se encontram também sacerdotes que reduzem ao mínimo a sua ação e, em primeiro lugar põem a sua pessoa, os seus objetivos e até os seus interesses. O Povo de Deus tem muita dificuldade de aceitar um padre quando vê nele mais empenho pelas suas coisas do que pelo rebanho que lhe foi confiado. Sob o pretexto de que o padre é o homem de Deus, precisa de tempo para a vida espiritual, só deve ocupar-se com o que diz diretamente respeito ao ministério, há quem fique paralisado em casa, ocupando-se apenas do mínimo. Ninguém se santifica fora do exercício do ministério, marcado pelo equilíbrio, pela alegria e pelo sentido sobrenatural.

Se, por vezes, se critica a atitude daqueles que dividiam a sua vida em trabalho pastoral, por um lado, e ações de santificação pessoal, por outro, como se constituíssem dois momentos distintos da sua vida, havemos de criticar igualmente aqueles que, tomados pelo ativismo exterior ficam vazios por dentro, pois não correm tomados pelo amor de Deus nem pela caridade para com o próximo, mas correm por correr ou correm para chegar a outras metas.

Dizer que o exercício do ministério é caminho de santidade para o padre tem redundado, em alguns casos, no abandono dos meios de cultivo da vida interior de carácter individual, como a oração pessoal e a leitura e meditação da Palavra de Deus, tem levado alguns a limitar-se àquilo que é suposto fazer na comunidade e cujo destinatário são os outros.

O Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros sintetiza bem esta questão, quando diz: “o presbítero deve evitar toda a espécie de dualismo entre a espiritualidade e a ministerialidade” (71); “a vida espiritual do sacerdote e o seu ministério pastoral estão unidos ao contínuo trabalho de perfeição pessoal de modo a aprofundar e reunir em síntese harmoniosa quer a formação espiritual, quer a humana, intelectual e pastoral” (70).

Além do ativismo, o funcionalismo constitui o outro grande obstáculo para que o exercício do ministério seja lugar de santificação do sacerdote. Reduzir o sacerdócio ministerial aos aspetos funcionais como “realizar alguns serviços”, “garantir algumas prestações de trabalho” (DMVP 44), mesmo que formalmente e de forma irrepreensível ou no respeito por todos os cânones e prescrições legais, não é caminho de santificação pessoal, mas “corre o risco de lançar a vida deste no vazio, que muitas vezes é preenchido por formas de vida que não estão de acordo com o seu ministério” (DMVP 44).

Ativismo como funcionalismo só podem ser ultrapassados numa atitude semelhante à de Cristo que se retirava frequentemente para lugares ermos, a fim de estar com o Pai. Quando pretendeu maior eficácia na ação, retirou-se para o deserto; quando os discípulos sentiram a tentação de mudar tudo em pouco tempo, chamou-os e reuniu-os à sua volta “para que antes de mais ‘estivessem com Ele’ (Mc 3, 14)” (DMVP 40).

Em Jesus, toda a vida quotidiana derivava da oração, todo o ministério nascia da oração. “A exemplo de Cristo, o sacerdote deve saber manter a vivência e a abundância dos momentos de silêncio e de oração, para mediante eles cultivar e aprofundar uma relação existencial com a Pessoa viva do Senhor Jesus” (DMVP 40).

 

 

2. EUCARISTIA, SACRAMENTO DA CARIDADE SACERDOTAL

 

“É sobretudo no sacrifício da missa que os presbíteros dum modo especial fazem as vezes de Cristo, que se entregou como vítima para a santificação dos homens” (PO 13).

O padre está intimamente ligado à Eucaristia que celebra e que exprime o fundamental da sua atitude de vida, isto é a caridade. Nela, o padre configura-se mais perfeitamente com Cristo, que dá a sua vida em favor dos irmãos. Sente-se convidado a oferecer-se da mesma maneira ao Pai, com Cristo, a unir o seu amor ao amor de Cristo, tanto no momento da celebração como na totalidade da sua vida dedicada ao serviço do Povo que Deus ama e quer salvar.

Na Eucaristia somos sinal visível da caridade de Deus, pois por meio de nós se realiza essa contínua atualização da presença de Cristo, que ama cada pessoa e se oferece por cada pessoa.

A nossa caridade sacerdotal tem uma origem e uma fonte: a caridade de Cristo Sacerdote; tem destinatários: os irmãos e irmãs por quem Cristo deu a vida, morreu e ressuscitou; gera um estilo de vida: o daqueles que estão disponíveis para morrer com Cristo, sendo essa a definitiva forma de configuração com Ele – o Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas.

“Enquanto que os presbíteros se unem com a própria ação de Cristo sacerdote, oferecem-se todos os dias totalmente a Deus, e, alimentando-se do Corpo do Senhor, participam amorosamente na caridade d'Aquele que se dá como alimento aos fiéis” (PO 13).

Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal, Sacramento da Caridade, o Papa Bento XVI diz: “A forma eucarística da existência cristã manifesta-se, sem dúvida, de modo particular no estado de vida sacerdotal. A espiritualidade sacerdotal é intrinsecamente eucarística; a semente desta espiritualidade encontra-se já nas palavras que o Bispo pronuncia na liturgia da ordenação: «Recebe a oferenda do povo santo para a apresentares a Deus. Toma consciência do que vais fazer; imita o que virás a realizar e conforma a tua vida com o mistério da cruz do Senhor» (80).

O Sacerdote é aquele que diariamente se perde na contemplação da Eucaristia enquanto epifania da surpresa do amor. Com a Igreja e com Maria, sua mais perfeita Imagem, descobre sempre mais o Deus amor, que se reparte em Palavra e em Pão por todos os homens, cumprindo o desígnio de chegar a todos, dar vida a todos, mesmo que para isso seja preciso morrer um pouco cada dia.

 

 

            3. CARIDADE NA RELAÇÃO COM DEUS

 

A vocação do padre só pode entender-se no contexto da relação com Deus, Santíssima Trindade.

Como disse o Papa João Paulo II, “não se pode definir a natureza e a missão do sacerdócio ministerial, senão nesta múltipla e rica trama de relações, que brotam da Trindade Santíssima e se prolongam na comunhão da Igreja como sinal e instrumento, em Cristo, da união com Deus e da unidade de todo o género humano” (DMVP, 20, citando a Pastores dabo vobis, 12).

Esta relação de caridade com Deus recebida pela ordenação sacramental, “estabelece laços especiais com o Papa, com o corpo episcopal, com o Bispo próprio, com os outros presbíteros, com os fiéis leigos” (DMVP 21).

Precisamos de voltar continuamente à consciência dessa relação misteriosa com Deus para que entendamos o que somos e o que fazemos. Aí se situa toda a origem e fim do sacerdócio que gratuitamente recebemos e que não nos pertence.

Quando perdemos a fé no sacerdócio, ficamos reduzidos a funcionários de uma instituição, tornamo-nos executores de tarefas e pouco ou nada nos distingue de todos os que, movidos por ideais nobres, procuram agir em favor dos outros e cumprir uma missão humana.

O padre, escolhido entre os homens, é alguém que nasce do coração de Deus, está no coração de Deus e reúne a humanidade no coração de Deus; o padre vive na caridade de Deus e é o mediador da caridade de Deus para o mundo.

O Papa Francisco recebeu o dom de nos fazer ver esta realidade da caridade de Deus, expressa no amor que tem a cada pessoa; nós, aprenderemos com ele a ir ao encontro de cada pessoa com o único objetivo de lhe permitir conhecer essa mesma caridade de Deus.

Podemos continuar a fazer tudo o que já fazemos, mas havemos de purificar as nossas motivações, purificando a consciência daquilo que somos: vasos de barro, portadores do maior tesouro, que é Deus e o seu amor infinito.

 

4. CARIDADE FRATERNA NO PRESBITÉRIO

 

“Em virtude da comum sagrada ordenação e missão, todos os presbíteros estão entre si ligados em íntima fraternidade, que espontânea e livremente se deve manifestar no auxílio mútuo, tanto espiritual como material, pastoral ou pessoal, em reuniões e na comunhão de vida, de trabalho e de caridade” (LG 28).

O presbitério é uma realidade constitutiva da Igreja Local e, ao mesmo tempo, um dos seus rostos mais visíveis: bispo e presbíteros unidos num “verdadeira família na qual os laços não vêm da carne nem do sangue mas da graça da Ordem” (DMVP 25).

Não se entende um presbitério no sentido total e pleno que não enraizado na caridade de Deus, Santíssima Trindade, e que não sinta o desafio à construção da caridade fraterna, nas relações entre os seus membros, nos objetivos a alcançar, na partilha de vida, na entreajuda e na construção da comunhão eclesial.

A caridade fraterna de um presbitério é a chave do testemunho e o selo da autenticidade da vocação do sacerdote diocesano. É, ao mesmo tempo, condição de credibilidade da Igreja diante do mundo, que espera ver “como eles se amam” e expressão da fidelidade a Jesus, quando nos diz: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35).

Tal como todos os outros grupos humanos, também o presbitério sofre da tentação do individualismo. Neste caso, a gravidade é maior, por afetar a estrutura da Igreja, que assenta na comunhão de todos aqueles que foram constituídos pastores na união com o único Pastor, Jesus Cristo.

Frequentemente pensamos a relação de comunhão no presbitério a partir dos mínimos ou mesmo numa perspetiva negativa. Será que basta não estarmos em ruptura uns com os outros para que haja comunhão? Não será antes que a comunhão no presbitério é uma realidade que se constrói constantemente e que nunca está feita? Serão suficientes as relações institucionais, secas e frias entre os membros da família sacerdotal ou bastará uma cooperação nas questões oficiais?

Quando o Concílio fala numa “íntima fraternidade”, quer, com certeza, dizer muito mais do que uma relação institucional, quer dizer uma relação espiritual, pessoal e pastoral, assente nos vínculos da caridade.

No que respeita à relação espiritual há um mundo muito vasto de aspetos em que devemos estar em comunhão e em que nos podemos ajudar uns aos outros: o cultivo da fé pessoal, o progresso no amor a Deus e ao próximo, a oração pessoal, a entreajuda nas tarefas pastorais e a proximidade em todos os momentos de entusiasmo ou de desânimo, de fraqueza e de pecado.

A relação pessoal de confiança e amizade é a condição para que nos ajudemos uns aos outros e aceitemos humildemente ser ajudados. Esta relação pessoal assente em laços profundos de fé e no Espírito Santo que nos une precisa de ser cultivada com muita sinceridade, por meio dos encontros regulares, do convívio, da programação de atividades, da reunião da equipa sacerdotal do arciprestado, da participação nas ações propostas a nível local, regional ou diocesano.

Quem se fecha no seu pequeno mundo, no seu trabalho e na sua perspetiva e não colabora com os outros nem aceita a sua colaboração perde a dimensão da comunhão presbiteral, integrante essencial da condição do sacerdote diocesano; pode mesmo perder o sentido de Igreja, que tem sempre esta realização Diocesana ou Local.

As relações institucionais levam-nos a respeitarmos a Igreja, comunidade espiritual, carismática, mas também comunidade humana e Instituição, que todos servimos, conduzem-nos a aceitar as suas determinações e princípios; e levam-nos a respeitar os outros como pessoas iguais a nós em dignidade e chamados à mesma vocação numa perspetiva de comunhão.

As relações pastorais são aquelas que mais caracterizam a fraternidade sacerdotal, porque todos estamos envolvidos na mesma missão pastoral da Igreja. Apesar da maneira de ser de cada um, das suas capacidades e dons, até dos pontos de vista distintos e das sensibilidades pessoais, havemos de manter viva a unidade na ação pastoral, pois somos todos servos do único Senhor, a quem pertence a Igreja à qual somos enviados.

Todas as opções e ações que constituam clara ruptura com as pessoas ou com as perspetivas eclesiais, são golpes que afetam a Igreja, a sua unidade e o testemunho que deve dar para ser fiel ao desejo de Jesus, que pediu insistentemente ao Pai: “Que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em Ti; para que assim eles estejam em nós e o mundo creia que Tu me enviaste” (Jo 17, 21).

A Igreja do Concílio Vaticano II deu-nos um conjunto importante de instrumentos de corresponsabilidade, cooperação e comunhão que nos permitem, à luz do Evangelho, da doutrina perene da Tradição, no respeito pelos cânones do Direito, traçar as linhas comuns do nosso agir pastoral.

Entre nós, o Secretariado da Coordenação Pastoral, o Conselho Pastoral Diocesano, o Conselho Presbiteral, a Assembleia dos Arciprestes, são instâncias de reflexão, consenso e decisão, que devemos usar criteriosamente para que todos nos sintamos parte na construção de um projeto comum, para sermos igualmente parte na sua execução.

 

 

5. CARIDADE NA RELAÇÃO COM OS FIÉIS

 

O Decreto Conciliar Presbyterorum ordinis é um dos lugares onde melhor se define aquilo a que chamamos caridade pastoral, concretização da caridade dos sacerdotes na relação com os fiéis: “Conduzindo e apascentando o Povo de Deus, são incitados pela caridade do Bom Pastor a dar a sua vida pelas ovelhas, prontos para o supremo sacrifício, seguindo o exemplo daqueles sacerdotes que mesmo em nossos dias não recusaram entregar a sua vida. Sendo educadores na fé e tendo eles mesmos «firme confiança de entrar no santuário mediante o sangue de Cristo» (Hb 10, 19), aproximam-se de Deus «com coração sincero, na plenitude da fé» (Hb 10, 22); dão mostras duma esperança firme perante os fiéis, a fim de poderem consolar aqueles que se encontram na angústia, com aquela exortação com que eles são exortados por Deus; chefes da comunidade, cultivam a ascese própria dos pastores de almas, renunciando às próprias comodidades, buscando não aquilo que lhes é útil a si, mas a muitos, para que se salvem, aperfeiçoando-se sempre cada vez mais no desempenho do seu múnus pastoral, dispostos a tentar novas vias, onde for necessário, guiados pelo Espírito de amor, que sopra onde quer” (PO 13).

A caridade pastoral é a mais bela tarefa que alguém pode assumir e a mais perfeita meta a que podemos aspirar no exercício do ministério, pois consiste em manifestar ao mundo “a caridade de Cristo de maneira a torná-la forma da própria vida”, “até à doação total de si mesmo em benefício do rebanho que lhe foi confiado” (DMVP 43).

Significa isto que o único modelo que temos é o de Cristo, o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. O nosso estilo de vida e os compromissos que assumimos na ordenação sacerdotal nascem desta vocação a uma identificação perfeita com Cristo. De um modo particular o celibato por amor do Reino dos Céus, a obediência à vontade do Pai concretizada na obediência à Igreja, o espírito de pobreza na relação com os bens materiais, a disponibilidade total para servir a comunidade cristã, o anúncio fiel da palavra, a celebração da Eucaristia, constituem expressões dessa configuração com Cristo nas suas características fundamentais.

A caridade pastoral constitui o nosso modo específico de realizar a vontade do Pai. Se, como disse o Concílio referindo-se ao apostolado dos leigos, “toda a atividade apostólica deve fluir e receber força da caridade” (Apostolicam Actuositatem 8), com muito mais autenticidade se pode dizer em relação aos sacerdotes, que receberam a vocação de se configurarem com Cristo, Cabeça e Pastor da Igreja, mas sempre servo de Deus e dos homens, a ponto de lavar os pés aos seus discípulos e a todos os homens.

Segundo a conhecida máxima de Santo Agostinho, o ministério sacerdotal é um amoris officium (In Iohannis Evangelium Tractatus, 123,5), é um serviço de amor, é o ofício do Bom Pastor, que oferece a sua vida pelas ovelhas (cf Jo 10,14-15). Aplicada em primeiro lugar ao exercício da autoridade na Igreja, esta expressão caracteriza o específico do sacerdócio cristão que não pode ser outra coisa senão serviço desinteressado e serviço de amor.

 

 

CONCLUSÃO

 

Como já vos exprimi outras vezes, estamos num tempo crucial da vida da Igreja Diocesana em que só temos um caminho, o da conversão à caridade. São duas as frentes nas quais se joga o presente e o futuro: a conversão da nossa vida, do nosso sacerdócio e das nossas comunidades ao amor de Deus e ao amor da Igreja; e a conversão das estruturas eclesiais à caridade de Deus e ao serviço dos homens.

A novidade que a Igreja tem para a presenta ao mundo é a da sua conversão ao amor, que renova e transforma todas as coisas. Se o não fizermos, o rebanho continua a dispersar-se e a perder-se, não só devido a fatores externos, que bem conhecemos, mas também a fatores internos, a que não é alheio o modo como vivemos o dom que recebemos enquanto ministros ordenados.

Juntamente com a conversão pessoal e das comunidades, é fundamental uma conversão a que podemos chamar pastoral. A grande mudança tem de ir no sentido de privilegiar o trabalho de anúncio, evangelização e vivência em comunidades, maiores ou menores, que vivam em comunhão com Deus, se sintam Igreja, caminhem no aprofundamento contínuo da fé, e sejam fermento no meio da massa.

A nossa conversão pastoral implica a disponibilidade para trabalhar com os outros padres, bem como com os diáconos, religiosos e leigos; implica assumirmos a corresponsabilidade aos diversos níveis e aceitar as mudanças que se impõem num momento de grande escassez de vocações, em que se torna impossível o trabalho pastoral nos moldes tradicionais.

A nossa conversão pastoral passa também pela capacidade de renunciar a uma pastoral de manutenção, em favor de uma pastoral da proposta, da intensificação da vida espiritual, da catequese e da formação de grupos de aprofundamento e vivência responsável da fé.

Finalmente, a caridade exige-nos uma atitude de acolhimento humano, que marque todos os que nos procuram com as mais variadas motivações, sejam elas as mais esclarecidas e sérias, sejam as mais disparatadas e sem sentido. A caridade leva-nos a sentir que o mais importante é a pessoa que Deus quer salvar e que a Igreja tem o dever de acolher em seu nome.

“Se não tiver caridade, nada sou” (1 Cor 13, 2).

Fica a palavra do Apóstolo, que fala por si e bem pode constituir o lema da vida quotidiana de cada um de nós, no exercício do ministério sacerdotal.

 

 

Coimbra, 07 de junho de 2013

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

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