Assisti, há pouco tempo, a uma das muitas sessões
sobre a “despenalização da interrupção voluntária da gravidez”, promovida por um
partido político, mas contando com a participação de (quase) todos
os partidos com assento parlamentar.
O que ouvi de alguns quadrantes
deixou-me triste, quiçá, envergonhado.
Apesar deste estado de
espírito, valeu a pena assistir a esta sessão (iniciada quase uma
hora depois do previsto) para me aperceber de alguns argumentos e de
muitas contradições.
Se não vejamos:
Apercebi-me de que toda a
gente é contra o aborto, mesmo aqueles que, para defender um "direito"
da mulher que engravidou e não quer ser mãe, defendem o
aborto.
Apercebi-me de que há mais católicos do que eu pensava
que se gabam de ser católicos e, simultaneamente, consideram que é
menos mau pôr termo à vida de um ser (que não pediu para nascer) do
que traumatizar psicologicamente uma mulher que, inadvertidamente,
engravidou ou que engravidou deliberadamente mas, entretanto, se
arrependeu.
Apercebi-me de que se tenta projectar esta questão
para os níveis político e religioso, quando, afinal de contas, ela
reside no campo dos princípios básicos do humanismo e da moral: o
direito à vida.
Apercebi-me de que, para alguns, aquilo que está
dentro do seio materno não passa de um “amontoado de células”, sem
direito ao Direito, nem sequer o Constitucional! Mas, se porventura,
"essa coisa" nascer com seis ou sete meses, então já passará a estar
sob a alçada da lei…
Apercebi-me de que a actual lei –
portadora de imensas “liberdades” – já não serve (e, por isso, toda
esta agitação); porém, a proposta de despenalização até às doze
semanas não passa da uma etapa intermédia para se atingir a
despenalização sem qualquer limite temporal.
Por último,
apercebi-me de que nesta matéria não estamos a acompanhar os países
“desenvolvidos”: para sermos mais “civilizados”, precisaremos de
descriminar o aborto e despenalizar, pura e simplesmente, quem o
pratica, directa ou indirectamente.
Fiquei triste e
revoltado.
Não, meus senhores, eu fui muito mais do que um somatório
de células; eu sou muito mais do que um ser biológico.
Também valho
muito mais do que a Constituição da República Portuguesa e estou
para além das leis.
Custe o que custar, nós – homens e mulheres
civilizados – temos a gravíssima obrigação de defender a vida,
mormente daqueles que não têm possibilidade de defesa.
Mas, por
favor, não fiquemos por aqui, pela tristeza e revolta e pelas (boas)
intenções.
Façamos tudo – e os cristãos têm uma responsabilidade
acrescida – para evitar estas (dramáticas) situações.
E o início de
tudo reside, quanto a mim (e a muita gente), na família, na educação
dos filhos para o amor responsável, no acompanhamento discreto que
lhes fazemos ao longo da sua adolescência e juventude, no tempo útil
que lhes damos, no exemplo de amor e fidelidade que lhes
transmitimos.
Mas se pudermos fazer mais qualquer coisa, façamos.
Aquelas mulheres que caiem nesta situação e, sobretudo, aqueles
pequenos seres inocentes e indefesos, agradecem. Se não, quando uma
destas mulheres for condenada, também eu estou a ser condenado. E
quando um destes seres (ainda “inconstitucionais”) morrer, também,
em parte, fui eu que o matei.
Jorge Cotovio Responsável do
Secretariado da Pastoral da Família
da Diocese de Coimbra
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N.B.
Para fundamentarmos as
nossas opiniões sobre o valor da vida humana, recomendo a leitura da
Carta Encíclica “O Evangelho da Vida”,
de João Paulo II e a
recentíssima Nota Pastoral dos nossos Bispos
“Meditação sobre a
Vida”. |