A Diocese de Coimbra apresenta o plano de formaç&atil...

Calendario CPM 2025-2026  

OS MINISTÉRIOS LAICAIS INSTITUÍDOSNA DIOCESE D...

Oral

Genç

Milf

Masaj

Film

xhamster

Notícias em Destaque


ABERTURA SOLENE DO ANO PASTORAL 2025-2026DOMINGO XXVI Caríssimos catequistas! Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo! Acolhemos de forma renovada o apelo dirigido por Paulo a Timóteo: “Combate o bom combate da fé”. Sim, também hoje, e de modo especial, hoje, a vida cristã é um percurso belo e feliz, mas exigente, de modo que, como no passado, o Apóstolo a equipara a um combate. A sociedade em que vivemos oferece muitas resistências à fé cristã e o mundo não está, de facto, sintonizado com ela. Há, em muitos casos, um clima de indiferença religiosa, e noutros, a proliferação de formas de vida contrárias ao Evangelho ou mesmo de luta contra a presença do testemunho cristão. As comunidades cristãs são, agora, mais pequenas em quantidade e em profundidade. A Igreja encontra muitas dificuldades na sua ação evangelizadora e catequética com as quais nos confrontamos diariamente e que os catequistas vivem em primeiro lugar, quando, generosamente, trabalham com as crianças, os adolescentes, os jovens e as famílias. Nem sempre a “a suave e reconfortante alegria de evangelizar” (EG 9) se encontra com o desejo de ser evangelizado e, frequentemente, a proposta do encontro com Jesus e a proposta da fé que conduz à vida eterna embate contra a procura de uma simples religiosidade de caráter cultural. Nessa altura, como referiu o Papa Francisco, não se pode desanimar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas” (EG 9 – Evangelii nuntiandi, Paulo VI, 75). Por outro lado, o vazio sentido por muitas pessoas, a saturação da sua procura em realidades transitórias e os dramas humanos reclamam a oferta clara e transparente do encontro com Deus, a fonte do amor que preenche todos os anseios humanos. Se a Igreja não realiza adequadamente a missão que lhe foi confiada por Jesus, a fonte da vida, a humanidade continua a procurar em si mesma ou nas suas pretensas possibilidades de superação. “Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e sobre a qual fizeste tão bela profissão de fé perante numerosas testemunhas”, exorta Paulo. Todos nós que professámos a fé no batismo, na confirmação e na eucaristia, todos nós que professamos a fé nos ritos centrais do percurso eclesial e no encontro vivo com Cristo quando celebramos os sacramentos, somos impelidos a professá-la na totalidade da vida e a testemunhá-la com entusiasmo, com alegria e com amor por meio das palavras e dos gestos evangelizadores e catequéticos. No início do novo ano pastoral e tendo nas mãos um novo Plano Pastoral, sentimos o apelo à desinstalação em que podemos encontrar-nos tanto pessoal como comunitariamente. Sentimos o apelo a uma saudável e santa inquietação espiritual. A fé que recebemos no batismo é princípio de vida eterna. O que celebrámos no sacramento, precisa de ser acolhido e vivido no percurso que fazemos sobre a terra que pisamos. Deus dá, nós acolhemos e manifestamos por meio da profissão da fé – palavras, gestos e amor – a nossa gratidão tornada vida e testemunho. A profecia de Amós, dirigida ao Povo de Deus que nos precedeu, alertou-o para o perigo de viver comodamente e de se sentir tranquilo pensando encontrar a salvação nas suas escolhas mundanas e sedutoras. Além de cavar a sua ruína pela falta de amor ao próximo, manifestava o seu afastamento de Deus e a confiança em si mesmo, que o conduziu à perda de tudo, simbolizada na conquista da sua terra e na deportação a que foi sujeito. Salvas as devidas diferenças, estas palavras sugerem-nos um paralelismo com as dificuldades que enfrentamos na atualidade enquanto sociedade e enquanto Igreja. O nosso comodismo, a nossa tranquilidade e a nossa mundanidade causam graves prejuízos à humanidade e à Igreja porque nos levam a pôr a confiança no que não tem poder para nos libertar e salvar. A Igreja está no mundo para levantar a bandeira da esperança que não engana, para mostrar presente entre nós a grandeza do amor de Deus que salva, para ajudar a percorrer o caminho da vida eterna, para manifestar a sabedoria do Espírito de Deus que renova todas as coisas, para ser sal da terra, fermento na massa e luz dos povos. Temos a especial responsabilidade, alegremente assumida, de oferecer ao mundo as portas de esperança do Evangelho por meio de uma vida que seja sinal de eternidade já acolhida no batismo e agora tornada realidade pelo percurso que fazemos. Está em causa a edificação de nós mesmos e da Igreja, que seja testemunho da vida eterna já presente sobre a terra que pisamos e permita vislumbrar a eternidade que nos é dada pelo batismo no qual fomos sepultados com Cristo na Sua morte a fim de ressuscitarmos com Ele para a vida nova. O Plano Pastoral da Diocese de Coimbra, que apresentámos para os próximos três anos pretende ser uma ajuda para o aprofundamento real da vida cristã que nos foi dada, para a vivermos com mais profundidade, pessoalmente, na comunidade eclesial, e para darmos o testemunho efetivo da Vida Nova dos batizados. Temos por lema: “No Espírito de Cristo está toda a nossa vida”. Temos como objetivo: “Viver a espiritualidade cristã: na comunidade, como casa; na Palavra, como revelação, na Eucaristia, como alimento e no mundo, como missão”. Trata-se, por isso, de nos centrarmos no fundamento da fé cristã, em ordem à revitalização da nossa condição de cristãos por meio do enraizamento no Espírito de Cristo e de realizarmos já a nossa vocação de participantes na Vida Eterna. Trata-se ainda de manifestarmos ao mundo que a Igreja, Corpo de Cristo, é a nossa casa e o sacramento da salvação do mundo. Trata-se de acolhermos a Palavra da Escritura como Cristo que nos fala ao coração e de acorrermos com amor à Eucaristia como o alimento que nos fortalece na peregrinação que fazemos. Temos consciência de que não poderemos ser sal, fermento e luz neste mundo, não poderemos ser sinal de vida nova, se não nos deixamos conduzir pelo Espírito de Cristo, na experiência quotidiana da espiritualidade cristã. Propomos, por isso, aos cristãos, às famílias, às comunidades, que cuidem da sua espiritualidade, que vivam da fé no Filho de Deus, que cresçam no Espírito, para poderem oferecer ao mundo a força do seu amor, que salva. Caríssimos irmãos e irmãs! Mais do que numa época de mudanças, estamos numa mudança de época, marcada por muitos sinais negativos em muitos aspetos, mas também no que diz respeito ao lugar que Deus tem nas nossas vidas. Esta é também a época das oportunidades para o enraizamento na fé cristã, para darmos lugar à força de amor do Espírito de Cristo em nós, para a edificação da Igreja como casa de comunhão e para oferecermos à humanidade o fundamento sólido que arduamente procura. Em concreto, o nosso Plano Pastoral propõe-nos que intensifiquemos a Vida no Espírito, por meio da comunhão com Cristo na Igreja, por meio da escuta orante da Palavra de Deus, por meio da Eucaristia mais celebrada, amada e vivida, por meio da oração mais ardente, por meio da fraternidade fundada na condição de filhos de Deus. Acima de tudo, somos chamados a um amor mais puro ao Deus que nos amou primeiro, e a um amor mais autêntico aos irmãos, sobretudo aos mais pobres, simbolizados na figura de Lázaro, como nos recordava o Evangelho de hoje. Pedimos a intercessão da Virgem Maria. Aquela que é Mãe de Jesus e Templo do Espírito Santo, nos ampare no caminho de peregrinos da esperança na Vida Eterna. Virgílio do Nascimento AntunesBispo de Coimbra
VIRGÍLIO DO NASCIMENTO ANTUNESBISPO DE COIMBRA DECRETO SECRETARIADO DIOCESANO DA PASTORAL DA MOBILIDADE HUMANA Considerando que «a Igreja caminha juntamente com toda a humanidade» (Gaudium et spes 40) e que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (Gaudium et spes 1), entre os quais se situam os migrantes e refugiados; Considerando que os fluxos migratórios são «um fenómeno impressionante pela quantidade de pessoas envolvidas, pelas problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e religiosas que levanta, pelos desafios dramáticos que coloca à comunidade nacional e internacional» (Caritas in veritate, 62); Considerando que faz parte da missão da Igreja “acolher, proteger, promover e integrar os migrantes e os refugiados”, (Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2018); Havemos por bem Nomear membros do Secretariado Diocesano da Pastoral da Mobilidade Humana: . Ricardo António Bernardo Dias (diretor); . Padre Francisco de Morais Silva (assistente); . Diácono José João Neves Dias; . Edilma Mota dos Santos; . Frei Fabrizio Bordin; . Marianella Nunes dos Santos; . Marta Andrea Amaral Jerónimo; . Pedro Leonardo Rodrigues Lucena.   Coimbra e Casa Episcopal, 24 de setembro de 2025.Virgílio do Nascimento AntunesBispo de Coimbra
VIRGÍLIO DO NASCIMENTO ANTUNESBISPO DE COIMBRA DECRETO SECRETARIADO DIOCESANO DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS Dada a importância das comunicações sociais na vida da Igreja, torna-se oportuno e necessário revitalizar na nossa Diocese o Secretariado Diocesano das Comunicações Sociais. Terá como objetivos: - Acompanhar os meios de comunicação social na Diocese de Coimbra; - Realizar ações de formação em ordem a uma melhor comunicação nas comunidades; - Promover a pastoral da comunicação em todos os sectores da Igreja. Com o encargo de nos apresentar uma equipa que constitua o referido Secretariado Diocesano; Havemos por bem: Nomear a Dr.ª Sónia Raquel da Cunha Neves (atual diretora do Semanário Diocesano “Correio de Coimbra”) como Diretora do Secretariado Diocesano das Comunicações Sociais da Diocese de Coimbra.   Coimbra e Casa Episcopal, 24 de setembro de 2025Virgílio do Nascimento AntunesBispo de Coimbra
A diocese de Coimbra divulga o logotipo selecionado para o Plano Pastoral 2025-2028, intitulado "No Espírito de Cristo está a nossa vida". A imagem é da autoria de Alexandre Veiga, de Bragança.   Agradecem-se todas as propostas enviadas.
PDF para download Plano Pastoral da Diocese de CoimbraTriénio 2025-2028 No Espírito de Cristo está toda a nossa vida   Nota introdutória Todo o plano pastoral é constituído por um conjunto de opções que, a cada momento, são consideradas pela comunidade cristã como as mais adequadas à missão que lhe foi confiada. Não é um instrumento que limita ou condiciona a criatividade e o dinamismo pastoral, mas que apresenta linhas de ação comum, define prioridades, mobiliza recursos e potencia os melhores resultados, aqueles que são esperados e desejados pela mesma comunidade. Um plano pastoral para uma Diocese constitui-se, assim, um meio privilegiado de construção da Igreja local, conduzida pelo seu bispo, mas que não prescinde da participação de todos, numa comunhão que nasce do batismo e nos torna comprometidos com a missão. Como instrumento sistemático de planeamento não se reduz à dimensão técnica, embora esta ajude à eficácia, mas será sempre uma expressão do Espírito que mobiliza a comunidade no discernimento dos caminhos a percorrer. Enraizados em Cristo e fortalecidos pelo Espírito, cada discípulo e cada comunidade cristã assume a tarefa de edificar o Reino dos Céus, no nosso tempo, visivelmente presente na Igreja diocesana. Viver segundo o Espírito de Deus é o desafio do tempo atual, caracterizado pelo imediatismo virtual e descomprometido, pela superficialidade que esconde inquietações profundas, por sincretismos espirituais que alienam da realidade da pessoa e do mundo; mas que também manifesta uma verdadeira abertura e disponibilidade para o transcendente e para propostas que revelem autenticidade e credibilidade. O Evangelho de Jesus Cristo é a proposta, só credível se testemunhada a partir da fé e do seu acolhimento interior, tanto pelos discípulos como pela comunidade que assumem a prioridade da missão. Inspirados pelo destaque dado à dimensão sinodal da Igreja, construímos o plano pastoral da Diocese para o triénio 2025-2028, promovendo diversos encontros de reflexão e partilha, que se traduziram em valiosos contributos para o resultado que agora se apresenta. Em concreto, resulta da participação efetiva dos secretariados e serviços diocesanos, do conselho pastoral diocesano, de 14 unidades pastorais, através dos seus conselhos pastorais ou das equipas de animação pastoral, e do secretariado diocesano da coordenação pastoral que, ao longo do ano pastoral 2024-2025, em vários momentos fizeram a sua reflexão e deram os seus contributos.[1] Depois da compilação das muitas sugestões, um grupo de trabalho foi refletindo e discernindo os caminhos a propor, tendo os padres João Paulo Fernandes, Nuno Fileno, Nuno Santos, Pedro Santos e Rodolfo Leite redigido cada um dos textos que fundamentam o plano pastoral. Espiritualidade incarnada  O Plano Pastoral da nossa diocese assume a importância e a centralidade da espiritualidade cristã. O que somos e o que vivemos, em Igreja, tem essa origem na ação do Espírito Santo que determina os nossos gestos e as nossas palavras. “Quando chegou o dia de Pentecostes… ressoou, vindo do Céu, um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde eles se encontravam. Viram então aparecer umas línguas, à maneira de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo” (At 2,1-4). Esta experiência profunda da ação do Espírito Santo funda a Igreja como lugar de discípulos missionários, onde fé e vida se conjugam plenamente. Não são dois momentos separados, mas um ‘estilo de vida’ que faz da fé a inspiração para cada momento da existência humana. Daí que cada discípulo seja, ao mesmo tempo, um missionário pela graça do Espírito Santo recebido no batismo. Isto mesmo nos recorda o Papa Francisco quando dizia que “cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos «discípulos» e «missionários», mas sempre que somos «discípulos missionários» (Evangelii gaudium, 120). Ser discípulo missionário no mundo é sempre um desafio de incarnação que não pode ignorar as mutações sociais, económicas, políticas e espirituais de cada tempo e de cada lugar. Vivemos num tempo complexo que não se compadece com respostas fáceis nem globais. Hoje tudo parece mais fragmentado, provisório, incerto. Este é o tempo onde a internet se transformou no espaço em que nos movemos, a Inteligência Artificial tornou-se o algoritmo que nos conduz, as redes sociais são os lugares de ‘conversa’ e onde passamos grande parte do tempo. Estamos num tempo sociopolítico em que os sistemas de aliança estão a dar lugar aos sistemas de potências, onde vence o que tem mais poder, o que fala mais alto, o que tem mais seguidores. Como podemos viver uma espiritualidade incarnada neste mundo que nos é dado, no tempo e no espaço que habitamos? Como podemos ser discípulos missionários dando sentido maior à existência quotidiana? Como podem as nossas comunidades cristãs ser sinal de esperança para os homens e mulheres de hoje? Que caminho devemos seguir e que ações concretas precisamos de ter para que a experiência de Deus transfigure a nossa vida? Caso contrário, a fé fica desligada da vida e acabaria por ser “um facto privado, uma conceção individualista, uma opinião subjetiva” (Lumen fidei, 22). Conforme dizia o Papa Francisco, «o desafio que hoje se nos apresenta é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro. Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os cure, liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória a Deus» (Evangelii gaudium, 89). A dimensão espiritual não desapareceu no mundo, a fé não acabou nos seres humanos nem nas nossas comunidades. “Na nossa sociedade falar do desaparecimento do sagrado é erróneo; falar do regresso evoca uma certa nostalgia. Claude Geffré falava das metamorfoses do sagrado porque sempre houve uma permanência do sagrado no mundo”[2]. O sagrado continua a dizer-nos e a reclamar espaço no mais íntimo de cada um de nós e na nossa sociedade, mas hoje expressa-se de muitas maneiras e de muitos modos, com muitas sensibilidades e muitas conotações. Eis-nos diante do maior desafio – responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas e, sobretudo, despertar essa sede de sentido e de absoluto naqueles que ainda não a têm. Nessa procura de resposta adequadas à sede de Deus “não podemos descurar os terrenos que estão em pousio, sejam eles constituídos por buscadores desesperados, ateus amargurados, crentes desiludidos ou indiferentes resignados. (...) Já não passeamos descontraídos por terrenos de cristandade, mesmo que haja gente que parece ainda planar sobre tais quiméricos ideais”[3]. De facto, “muitos setores eclesiais, a começar em muitos cristãos das ‘hierarquias’, estão ainda em negação em relação à crescente irrelevância social e cultural da Igreja. É um lugar novo que temos de começar a habitar de maneira esperançosa e feliz. Afinal, as moções da história encarregam-se fielmente de nos situar no lugar do sal e do fermento que nos compete”[4]. Daí que a realidade nos exija mais atenção e cuidado, mais criatividade e inspiração, mais sabedoria e organização, mais relação e cumplicidade, para que a vida ganhe plenitude e se deixe tocar pela Salvação que Jesus nos dá. A Incarnação tem em si mesmo o carácter de acontecimento único e irrepetível que exprime na história o sentido único do último; é o começo do fim; é, sobretudo, a plenitude da vida. De facto, a Boa Nova da salvação tem um nome e um rosto: Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador. «No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus caritas est, 1).   Hoje precisamos de valorizar a categoria da Incarnação e o encontro pessoal com Cristo como fundamento de uma espiritualidade que se comprometa com o outro e habite o mundo; precisamos de uma espiritualidade que nos convoque para uma ‘comunhão solidária’ e para uma fecundidade missionária’; precisamos de uma espiritualidade que cure e repare, que anime e entusiasme, que dê sentido maior à vida e horizonte de esperança à existência; precisamos de uma espiritualidade que faça da comunidade (um)a casa, da eucaristia o alimento, da Palavra de Deus o lugar da revelação e do mundo a missão. Caso contrário, a espiritualidade será uma proposta alienante, sem Jesus Cristo, sem compromisso, correndo “o risco de ser uma espécie de deriva emocional, a procura de uma zona de conforto que dá tudo e verdadeiramente não pede nada, uma diluição da consciência numa qualquer experiência fusional, tanto mais grata quanto menos responsabilizadora do sujeito”[5]. Na verdade, “a fé não é só uma opção individual que se realiza na interiori­dade do crente, não é uma relação isolada entre o «eu» do fiel e o «Tu» divino, entre o sujeito autó­nomo e Deus; mas, por sua natureza, abre-se ao «nós»” (Lumen fidei, 39) No presente Plano Pastoral, a espiritualidade quer reafirmar que a iniciativa primordial é de Deus Trindade - “Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados” (1Jo 4,9-10). Um Deus que nos dá vida plena, que nos ama profundamente e nos perdoa totalmente. Cada batizado é incorporado neste amor trinitário – Pai, Filho e Espírito Santo – que nos desafia a viver em comunhão e em relação. Uma comunidade trinitária que é casa e acolhimento, lugar de escuta e de perdão, de cura e de cuidado. Como seria evangélico se cada unidade pastoral e cada família fosse essa casa de amor! Como seria profético que cada discípulo missionário fosse protagonista de um amor assim, apesar da fragilidade, da imperfeição e do pecado. Uma espiritualidade incarnada valoriza a tradição e recusa um tradicionalismo situado e descontextualizado porque a fé é ação do Espírito no tempo e no espaço. Uma tradição parte dos Apóstolos – “ora, o que foi transmitido pelos Apóstolos, abrange tudo quanto contribui para a vida santa do Povo de Deus e para o aumento da sua fé; e assim a Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é e tudo quanto acredita” (Dei verbum, 8).A Tradição e a Escritura são as duas fontes da revelação, numa tensão e num equilíbrio que não prescinde da comunhão e do discernimento do Magistério, num espírito sinodal que começa na escuta do Espírito Santo.     Uma espiritualidade incarnada vive da graça e vê a vida como uma bênção. Uma graça que ganha sentido mais profundo em cada sacramento. Por isso, precisamos de fomentar a vivência e a participação na liturgia de modo que esta se torne vital e existencial, compreendida e capaz de nos colocar em relação com o mistério e o sagrado. Toda a vida escuta da boca de Deus, como Moisés, “tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra sagrada” (Ex. 3,4). Falar de uma espiritualidade incarnada significa “falar a partir do coração, agir com o coração, amadurecer e curar o coração” (Dilexit nos, 11). Uma espiritualidade capaz de compaixão e de cuidado, que não vive da indiferença nem do egoísmo, que se comove e se alegra, que vive a vida com emoção sem cair no sentimentalismo e na superficialidade do olhar altivo e julgador. Precisamos de um coração que cuide dos mais frágeis e dos mais pobres, que se aproxime do outro como o Bom Samaritano e o olhe como irmão. Na verdade, “esta cultura unifica o mundo, mas divide as pessoas e as nações, porque «a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos»” (Fratelli tutti, 12). Uma espiritualidade incarnada não pode ignorar o cuidado da Casa Comum que assume a categoria da Ecologia Integral como referência e fundamento, onde pessoas e natureza se implicam. Cuidar da natureza é também cuidar da humanidade e permitir que cada pessoa possa usufruir da natureza e viver de forma mais equilibrada. O cristão não “relega a sua própria missão para a esfera do privado. Pelo contrário, não pode nem deve ficar à margem da construção de um mundo melhor nem deixar de «despertar as forças espirituais» que possam fecundar toda a vida social” (Fratelli tutti, 276). Trata-se de assumir o mundo como lugar de salvação e procurar estabelecer constantemente pontes entre a fé e a política, entre a fé e a cultura contemporânea. Caso contrário, corremos o risco de “ficarmos a operar conceitos e idealizações dentro de uma mística desencarnada ou nos enclausurarmos na zona de conforto de uma religiosidade exculturada”[6]. Acontecemos no mundo e é nesse mundo que nos temos de pensar e questionar existencialmente e teologicamente. Também a problematização da experiência eclesial como lugar de salvação e espiritualidade precisa de referências contextuais para não ser uma reflexão ex-culturada e des-incarnada.   De facto, “todos somos chamados a dar aos outros o testemunho explícito do amor salvífico do Senhor, que, sem olhar às nossas imperfeições, nos oferece a sua proximidade, a sua Palavra, a sua força, e dá sentido à nossa vida. O teu coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Ele; pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves comunicar aos outros. A nossa imperfeição não deve ser desculpa; pelo contrário, a missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade, mas continuarmos a crescer” (Evangelii gaudium, 121). 1. Espiritualidade cristã na atualidade Habitamos um mundo em mudança, como recordava o Papa Francisco: “não vivemos uma época de mudança, mas uma mudança de época.”[7] Estarmos conscientes deste processo é fundamental para considerarmos qualquer ação pastoral. Em mudanças de época, como aconteceu no passado, a insegurança do presente e as incertezas do futuro, convocam seguranças passadas, que facilmente nos roubam o realismo necessário para não cairmos em ideologias. O tema da espiritualidade cristã nem sempre foi poupado a leituras ideológicas. Vivemos num mundo plural, também no sentido religioso. A sociedade plural recuperou, por um lado o recurso ao espiritual, fruto de um cansaço próprio da pós-modernidade, mas por outro, apresenta-o com o grande risco de pensá-lo como uma simples evasão do mundo e dos seus problemas. Sintoma disso são as “propostas alienantes”[8] que se multiplicam atualmente no campo das espiritualidades. O cristianismo viveu ancorado por muito tempo a uma filosofia platónica, que supõe o primado da unidade sobre a pluralidade, do espírito sobre a carne, da vontade e da ascese sobre as emoções, do aspeto hierárquico sobre o democrático, da eternidade sobre o temporal. Até ao século passado o cristianismo propôs a sua espiritualidade assente neste modelo. “Hoje vivemos em primados opostos: das emoções sobre o intelecto, da alegria de vida sobre a ascese, do temporal sobre o eterno, da pluralidade sobre a unidade, da transgressão sobre a transcendência.”[9] A inversão de perspetiva é um apelo a pensar e a propor a espiritualidade cristã sem separar linguagem e corpo. Não existe espiritual sem uma corporeidade associada. Do ponto de vista cristão, Deus assume um corpo em Jesus. É Ele, Jesus, a forma de Ser de Deus no mundo. A espiritualidade cristã consiste, por isso, em assumir o espírito de Jesus para viver como Ele, certos de que isto acontece sempre a partir de mediações culturais. Jesus viveu e habitou a cultura do seu tempo, procurando transformá-la através de um modo de viver que colocasse o amor no centro, como critério para instituir relações novas, e, assim, atualizar a Lei, sempre no caminho da autêntica liberdade. Caminhar na sequela de Jesus, significa tomar a realidade como lugar da epifania de Deus, certos de que depois da incarnação, Deus não se encontra além da imanência, mas habita em tudo o que é bom e humano, santificando a sua obra por meio do Seu Espírito que age na História – dando um sentido de esperança a tudo o que é frágil. Pensar a espiritualidade com a chave de leitura clássica que distingue o sagrado do profano não é conforme com a dinâmica da incarnação. Esta, ao invés, leva-nos a ver a presença de Deus no mundo sempre em chave sacramental: Cristo, que tem um corpo e nos salva no corpo, toma em cada dia a parcialidade do mundo para fazer dela sinal da totalidade do seu Ser, e assim, abraçar com a sua salvação tudo, para tudo santificar e assim nos mostrar que o seu Reino está já no meio de nós. (Cf. Lc 17, 21) Com a sua kenosis convida-nos a fazer o movimento contrário a Ele: alargar a nossa realidade por meio da fé e do amor, enraizados n’Ele, para fazê-la entrar no Reino, até que sejamos todos n´Ele. Assim, toda a realidade simbólica da espiritualidade cristã deve traduzir esta necessária obra sacramental de Cristo na História. Tudo isto tem consequências nas práticas, não somente na liturgia, que deve ter mais a marca do real que do sagrado, isto é, do parcial que atravessado por Cristo remete para o eterno, mais que o real disfarçado de sagrado que se torna estéril. Temos vindo a tomar consciência de que a forma eclesial que torna presente o estilo de Jesus no mundo é a sinodalidade, já que traduz a dinâmica da incarnação e coloca em prática a transformação radical que Jesus trouxe ao mundo: é o amor que nos faz avançar, juntos. Como afirma o Documento Final do último Sínodo da Igreja: “Ninguém pode percorrer sozinho um caminho de espiritualidade autêntica.”[10] Por isso, pensar na espiritualidade cristã, hoje, sem a enquadrar na experiência de um povo comporta o grande risco de voltar a modelos que surgiram como resposta à Idade Moderna, onde a salvação deixou de ser entendida como experiência comunitária e passou a ser individualizada, expressa na noção de “salvação da alma”. Daí o surgimento e a difusão de tantas devoções privadas. O Documento Final da última Assembleia Sinodal da Igreja enfatiza a intrínseca relação entre a experiência espiritual pessoal e a prática do mandamento novo do amor recíproco que é sempre lugar e forma de encontro com Deus. Por isso, ao propor uma espiritualidade sinodal o Documento final aponta as seguintes características: “uma oração aberta à participação, um discernimento vivido juntos, uma energia missionária que nasce da partilha e se irradia como serviço.”[11] A piedade popular pode ser hoje um lugar teológico a explorar, pelo seu carácter livre, sem estar definido por leis universais, mas que procura fazer este processo de encontrar o simbólico-cultural através a experiência espiritual de um povo. O sensus fidei fidelium é aí exercitado, uma vez que é já o assumir do carácter sacramental da presença de Deus no meio do seu povo: Deus que santifica os seus leva-os à verdade através um consensus que transforma já a parcialidade de cada um em sinal sacramental para a comunidade. 2. Espiritualidade bíblica A primeira e fundamental afirmação bíblica poderia ser formulada da seguinte forma: a experiência espiritual não é, antes de mais, uma experiência sobre Deus, mas uma experiência de Deus. Há um a priori absoluto de Deus, porque antes mesmo que o homem se interesse por Deus, é Deus que vem ao seu encontro e cuida dele (cf. Is 40, 27; 49, 14-16). Ele tem a primazia. Sempre. Logo no primeiro livro da Bíblia, no Génesis, é Ele que rompe o silêncio do nada com a sua palavra criadora, tal como no último livro, no Apocalipse, é Ele que “está à porta e bate” (cf. Ap 3, 20). A verdadeira espiritualidade não consiste, antes de mais, em conhecer e amar a Deus, mas em ser conhecido e amado por Ele (cf. Gl 4,9).[12] Em primeiro lugar não está, de facto, o esforço ascético; na verdade, a vida espiritual cresce, progride e consolida-se num profundo amadurecimento pessoal e comunitário, nos acontecimentos e nas circunstâncias da vida, pela graça divina, comunicada pelo Espírito. Deus revela-se na criação e na história, tornando-a história da salvação, como atesta o próprio Credo de Israel (cf. Dt 26,6-9; Js 24,1-13; Sl 136). “Em virtude desta revelação, Deus invisível (cf. Col 1,15; 1 Tim 1,17), na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos (cf. Ex 33,11; Jo 15,14-15) e convive com eles (cfr. Bar 3,38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele” (Concílio Vaticano II, Dei verbum, 2). Este convite à comunhão íntima com Ele encontra-se já presente na relação com os nossos primeiros pais, Adão e Eva. Após a sua queda, a revelação não é interrompida e, a seguir ao dilúvio, o Senhor estabelece com Noé uma aliança. Mais tarde, “Deus escolhe Abrão chamando-o a deixar a sua terra para fazer dele ‘o pai duma multidão de povos’ (Gn 17,5), e promete abençoar nele ‘todas as nações da terra’ (Gn 12,3). Os descendentes de Abraão serão o povo eleito, os depositários das promessas divinas feitas aos patriarcas. Deus forma Israel como seu povo salvando-o da escravidão do Egipto; conclui com ele a Aliança do Sinai, e dá-lhe a sua Lei, por meio de Moisés. Os profetas anunciam uma redenção radical do povo e uma salvação que incluirá todas as nações numa Aliança nova e eterna, que será gravada nos corações. Do povo de Israel, da descendência do rei David, nascerá o Messias: Jesus” (Catecismo da Igreja Católica – Compêndio, 8). Assim, na plenitude dos tempos, Deus enviou o seu próprio filho (cf. Gl 4,4), dizendo tudo o que nos tinha para dizer (cf. Hb 1,2). Na verdade, como afirma S. João da Cruz: “A partir do momento em que nos deu o Seu Filho, que é a Sua única e definitiva Palavra, Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e duma só vez, e nada mais tem a acrescentar”.É o mistério da Encarnação, que vê na “carne” de Cristo a presença perfeita de Deus (cf. Jo 1,14; 2,19-22; 1Cor 6,19). Ele, o Filho unigénito revelou o Deus que “ninguém jamais viu” (Jo1,18). O evangelista João, no seu evangelho, contempla o Verbo desde o seu estar junto de Deus passando pelo fazer-Se carne, até ao regresso ao seio do Pai, levando consigo a nossa própria humanidade (cf. Jo 13,3; 16,28; 17,8.10). Jesus Cristo é esta Palavra definitiva e eficaz que realizou perfeitamente a vontade do Pai no mundo (cf. Papa Bento XVI, Verbum domini, 90). O plano amoroso de Deus alcança o seu pleno cumprimento em Jesus: n’Ele ocorre a “nova e eterna aliança”, pela qual o nosso pecado é perdoado e tornamo-nos definitivamente filhos de Deus (cf. 1 Jo 3,1). De facto, em toda a história da salvação, vemos o quanto apraz ao nosso Deus o estar e dialogar com o homem e a mulher, criados, à sua imagem, segundo a sua semelhança, por amor e para o amor. Deus não os abandona nas horas más, tornando-se presente para salvar. Deus afirma-se, perante Moisés, como Aquele que está atento à miséria do seu povo, cuidando dos últimos e dos oprimidos (cf. Ex3,7; 22,20-26). Este ensinamento que, marca o Pentateuco, é retomado e atualizado pela boca dos profetas, como Amós que repreende duramente a opressão do pobre, a quem é negado o reconhecimento da sua fundamental dignidade humana (cf. Am 2, 6-7; 4,1; 5,11-12). A mesma lição aparece na literatura sapiencial, sem esquecer os Salmos (cf. Sl 82,3-4). Deus prepara, desta forma, o caminho ao Evangelho. Jesus, pelas suas palavras e gestos, afirma o quanto Deus Pai nos ama, de modo particular a quantos são tidos como “descartáveis” ou àqueles considerados às margens da sociedade (cf. Lc 7,36; 11,37; 14,1; 18,9-14). O homem e a mulher, criados à imagem e semelhança de Deus, são recriados, redimidos no Filho feito homem, crucificado e ressuscitado, chamados a participar na vida divina, a serem filhos no Filho, sob a ação do Espírito Santo. Já em contexto da primeira aliança, uma das metáforas que exprimia a relação entre Deus e o seu povo era a da filiação: Israel é de facto chamado “filho” ou “primogénito”. A natureza filial realiza-se concretamente quando Israel imita Deus, como mais tarde o Apóstolo Paulo o afirmará à comunidade de Éfeso: “Sede imitadores de Deus, como filhos amados” (Ef 5,1). Nesta linha, Jesus propõe aos seus discípulos a realização plena do ser humano, tomando como modelo o próprio Deus na sua capacidade de amar: “sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36), e oferecendo-se como figura a imitar, “como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34; 15,12). A pessoa humana é capaz de ouvir a voz do seu Criador que fala no íntimo da consciência (cf. Rm 2,14-15), demonstrando desta forma a sua natureza de ser inteligente e livre, chamado a uma relação amorosa com Deus, a estabelecer aliança com Ele,bem como a viver na fraternidade com o seu semelhante, mas também cuidando das suas relações com a natureza (Papa Francisco, Laudato si, 66-70). A vinda do Deus connosco, na nossa história, requer um diálogo livre. Ao bater à porta, Cristo espera de nós que abramos a porta do nosso coração e que escutemos a sua voz. Vários são os lugares em que Deus nos fala: em primeiro lugar na liturgia, pois “ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura” (Concílio Vaticano II, Sacrosanctum concilium, 7), é o próprio Cristo que nos fala. “Deus fala através da Tradição viva da Igreja, do seu magistério, da meditação pessoal e comunitária das Escrituras e das práticas da piedade popular. Deus continua a manifestar-se através do grito dos pobres e dos acontecimentos da história da humanidade” (XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão. Documento final, Documento Final, 83). “A Palavra de Deus está na base de toda a espiritualidade cristã autêntica” (Verbum domini, 86); não pode haver cristão sem uma verdadeira vida interior, animada pelo Espírito Santo. Nesta mesma Exortação Apostólica, Verbum domini, o Papa Bento XVI relembra a importância capital, para a vida espiritual de cada fiel, da leitura orante da Escritura, mormente através da lectio divina que “é verdadeiramente capaz não só de desvendar ao fiel o tesouro da Palavra de Deus, mas também de criar o encontro com Cristo, Palavra divina viva” (Papa Bento XVI, Verbum domini, 87; cf. n. 86). Esta mesma dimensão da lectio divina foi aprofundada pelo Papa Francisco, numa Audiência Geral (27.1.2021), sobre “A oração com as Sagradas Escrituras”. Dizia então: “As palavras das Sagradas Escrituras não foram escritas para permanecer presas nos papiros, nos pergaminhos ou no papel, mas para serem recebidas por uma pessoa que reza, fazendo-as brotar no próprio coração. A palavra de Deus chega ao coração”. E citando o Catecismo da Igreja Católica, acentuou: “A leitura das Sagradas Escrituras deve ser acompanhada de oração, para que seja possível o diálogo entre Deus e o homem” (n. 2653). Depois de uma breve apresentação sobre os vários passos que constituem a Lectio, o Papa Bento XVI, na dita Exortação, afirma que estes podem ser encontrados “sintetizados e resumidos, de forma sublime, na figura da Mãe de Deus. Modelo para todo o fiel de acolhimento dócil da Palavra divina, Ela ‘conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração’ (L c2,19; cf. 2,51), e sabia encontrar o nexo profundo que une os acontecimentos, os atos e as realidades, aparentemente desconexos, no grande desígnio divino” (Papa Bento XVI, Verbum domini, 87). Iluminados pelas Escrituras, os nossos dias não são simplesmente um somar, um dia depois do outro, mas são uma história habitada por Deus, uma história salvífica. Como diz Santo Ambrósio, quando lemos, com fé, as Sagradas Escrituras, voltamos “a passear com Deus no paraíso” (cf. Papa Bento XVI, Verbum domini, 87). Enraizados nas Escrituras, permanecemos em Deus e em Cristo. Permanecer, categoria exaltada sobretudo por João, como podemos verificar no decorrer dos discursos da Última Ceia (cf. Jo 13,17) ou na Primeira Carta de João (cf. 1,7; 3,16; 4,7.11.16.20-21). Basta recordar a comunhão que se realiza através da fé e da eucaristia, proposta pelo discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6), ou ainda a sugestiva imagem da videira desenvolvida em Jo 15,1-15, onde está presente o apelo a “permanecer” em Cristo, como o ramo deve permanecer ligado à videira para viver e dar fruto: “Permanecei em mim e eu em vós [...]. Aquele que permanece em mim e eu nele dá muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,4-5). Ao primado da graça deve corresponder a fé, ao amor concedido pelo Salvador deve corresponder o nosso amor. “Não fomos nós que amámos Deus, mas foi Ele que nos amou (...) e nos amou primeiro” (1 Jo 4,10.19; cf. Ef 2, 4; Jo 4,8.16). Marcados por este amor, entra-se num dinamismo que nos abre em duas direções radicais do ser, a vertical e a horizontal, como ensina Cristo. No amor a Deus e ao próximo, encontramos a súmula de toda a Escritura (cf. Mt 22,37; cf. Dt 6,5). “O Senhor pede [...] que o ameis” (Dt 10,12). E Jesus exorta que ‘vos ameis uns aos outros como Eu vos amei’ (Jo 15,12). Na verdade, lembra o Papa Francisco, “[...] todos fomos criados para aquilo que o Evangelho nos propõe: a amizade com Jesus e o amor fraterno” (Evangelii gaudium, 265). É na vivência do amor que um dia seremos julgados. Assim o assegura São João da Cruz: “No entardecer da vida seremos julgados pelo amor”. Eis a medida da autêntica experiência espiritual (cf. Mt 25; 1 Cor 13), no caminho da santidade a que todos somos chamados, como afirma o Apóstolo dos gentios: “esta é a vontade de Deus, a vossa santificação” (1 Ts 4,3; cf. Ef 1,4). Quão importante é assim o cultivo da vida espiritual, na vida e missão de cada crente, como discípulo missionário: “Sem momentos prolongados de adoração – afirma o Papa Francisco –, de encontro orante com a Palavra, de diálogo sincero com o Senhor, as tarefas facilmente se esvaziam de significado, quebrantamo-nos com o cansaço e as dificuldades, e o ardor apaga-se” (Evangelii gaudium, 262). Observamos, por fim, ainda um outro aspeto da espiritualidade bíblica. Pensamos também na eternidade, que marca a vida mística porque essa participa da mesma qualidade de Deus. O cristão que participou na paixão de Cristo (cf. Gl 6,17) partilha a glória pascal e “assim estaremos sempre com o Senhor” (1 Ts 4,17). O Mistério Pascal é a matriz de cada experiência espiritual, a sua fonte e o seu ápice, a sua raiz e a sua plenitude. O crente que teve a experiência espiritual íntima de comunhão com o divino durante a sua existência terrena (cf. Sl 63,2-9) sabe que nada o poderá separar do amor de Deus (cf. Rm 8,35-39), porque a sua herança é o Senhor (cf. Sl 73,26). Cristo é o modelo a imitar, é o companheiro na peregrinação da fé, da esperança e da caridade. A presença do Espírito Santo no nosso coração assegura o sucesso da meta a alcançar. O Espírito vem ao encontro da nossa fraqueza (cf. Rm 8,2.9.15; Gl 5,18; 2 Cor 2,17), procurando libertar-nos de tudo aquilo que nos impede de realizar plenamente o projeto de Deus em nós (cf. 2 Cor 3,17; Gl 5,1): a união de amor com Ele. 3. Espiritualidade litúrgica 3.1. A liturgia como fonte da espiritualidade cristã A vida espiritual, do ponto de vista da fé cristã, consiste em assumir o espírito de Jesus. Trata-se de uma identificação a Cristo que não é meramente moral ou ideológica, mas existencial, implicando a totalidade da vida do crente, transfigurada a partir do coração. Essa configuração toca todas e cada uma das dimensões da pessoa (inteligência, afeto, vontade e corporeidade), recriada por um encontro com um «acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo»[13]. Bento XVI, põe no âmago do ser cristão e, por isso, da sua espiritualidade o encontro com o mistério da nossa salvação, cujo centro é a Páscoa de Cristo, a sua paixão, morte e ressurreição, pela qual se dá a «obra da redenção dos homens e da glorificação perfeita de Deus» (Sacrosanctum concilium, 5). A espiritualidade cristã, aquela que a Igreja é chamada a fomentar entre os seus filhos, alimenta-se do encontro com este mistério, fazendo-os participantes da vida divina. Participar no mistério da Páscoa de Jesus, momento síntese da história da salvação, que leva à plenitude o anúncio profético do Antigo Testamento e antecipa a sua consumação no final dos tempos, só é possível através da mediação simbólica da ação litúrgica, na qual Cristo exerce o seu sacerdócio, associando a Si a Igreja sua Esposa. Pela liturgia da Igreja, na riqueza dos seus sinais e na força do Espírito Santo que a habita, é atualizado, em cada hoje da história, o único e irrepetível acontecimento que se deu de uma vez por todas, na humanidade de Cristo, a Palavra Eterna do Pai, incarnada na nossa história e glorificada no mistério da sua Páscoa. Na ação celebrativa da Igreja, de modo especial nos sacramentos, a Sagrada Escritura encontra a sua eficácia mais profunda, porque a palavra deixa de ser letra morta, para se tornar palavra viva e eficaz. Pela liturgia batismal, os fiéis são incorporados a Cristo, sendo com Ele sepultados nas águas do batismo e com Ele renascendo para a vida eterna[14]; pela celebração do sacramento da confirmação, os fiéis são marcados com o selo do Espírito Santo, sendo mais perfeitamente configurados a Cristo[15]; pelo sacramento da eucaristia, participam semanalmente do mistério da Páscoa e são nutridos da Palavra que é proclamada e do Corpo e do Sangue do Senhor que é dado em alimento[16]; pelo sacramento da reconciliação, recebem a misericórdia do Senhor e renovam, nos caminhos da vida, a graça batismal obscurecida pelo pecado[17]; pelo sacramento da unção dos enfermos, a Igreja é fortalecida na sua fé e encontra a força do Senhor para enfrentar a fragilidade humana[18]; pelo sacramento da ordem, é concedido à Igreja o dom de novos ministros que possam servir o Povo de Deus, nutrindo-o com os meios da salvação[19]; pelo sacramento do matrimónio, são abençoadas as novas famílias, para que possam ser igrejas domésticas, berço de novos cristãos[20]. Também os diferentes sacramentais, procuram ser sinal da bênção de Deus e da sua graça para os diferentes momentos da vida cristã. Além dos sacramentos e sacramentais, a Liturgia das Horas é uma forma de santificação do dia a dia, procurando responder ao apelo de Cristo de orar sempre sem desfalecer (cf. Lc 11, 5-13; 1 Ts 5, 16-18)[21]. Por este motivo, o Concílio Vaticano II, mesmo reconhecendo que a Liturgia não esgota toda a vida da Igreja, porque lhe antecede o anúncio do Evangelho e lhe sucede a vida em Cristo, marcada pela caridade fraterna, afirma que ela é «simultaneamente a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força» (Sacrosanctum concilium, 10). A ação litúrgica tem na vida da Igreja uma centralidade e uma importância, cuja eficácia não é igualável a nenhuma outra ação que ela possa realizar. A liturgia da Igreja é, por este motivo, conjuntamente com a Palavra de Deus, o primeiro e principal alimento da vida dos fiéis, fazendo da ação celebrativa, a fonte da espiritualidade da Igreja por excelência. O Papa Paulo VI, no encerramento da segunda sessão do Concílio Vaticano II, depois da aprovação da Sacrosanctum Concilium afirmou: vemos que se respeitou nele a escala dos valores e dos deveres: Deus, em primeiro lugar; a oração, a nossa primeira obrigação; a Liturgia, fonte primeira da vida divina que nos é comunicada, primeira escola da nossa vida espiritual, primeiro dom que podemos oferecer ao povo cristão que junto a nós crê e ora, e primeiro convite dirigido ao mundo para que solte a sua língua muda em oração feliz e autêntica e sinta a inefável força regeneradora, ao cantar connosco os divinos louvores e as esperanças humanas, por Cristo Nosso Senhor e no Espírito Santo[22]. 3.2. A problemática litúrgica na atualidade Sabemos que a liturgia enfrenta vários desafios no mundo contemporâneo. Depois do entusiasmo suscitado pela reforma litúrgica, no pós Concílio Vaticano II, assistiu-se a duas derivas no âmbito da liturgia: por um lado, uma lógica experimentalista, muitas vezes desafiando a autoridade, que, procurando fazer da liturgia uma realidade mais incarnada e próxima da comunidade humana, acabou por cancelar muitos dos elementos simbólicos que eram património da liturgia da Igreja e que a ligavam a toda a Tradição que a precedia; por outro lado, como reação à mudança e, muitas vezes, a derivas libertárias e experimentalistas, uma lógica conservadora e tradicionalista, afirmando a imutabilidade da liturgia, como realidade intocável, propondo para os dias de hoje um modelo de liturgia anacrónico, desfasado, situado num tempo, que não o nosso, e respondendo a problemas e desafios que não os da atualidade, não poucas vezes associada a lógicas e ideologias de poder. Estas duas derivas, presentes em muitas comunidades na atualidade e também na nossa Diocese, tornaram a liturgia da Igreja, não um elemento de comunhão e de vida espiritual, mas um campo de batalha, que fere o Corpo de Cristo. Diante desta realidade, o Papa Francisco, na Desiderio desideravi, afirmou a liturgia saída da reforma litúrgica como aquela que responde ao nosso tempo, desejada pelos padres conciliares e que é dever da Igreja promover na Igreja Católica de Rito Romano, num processo sem retorno que deve ser assumido por toda a comunidade (cf. Desiderio desideravi, 16-61. A liturgia, como diz Paulo VI, é a primeira escola de vida espiritual. Quando dedicamos na nossa Diocese um plano pastoral à espiritualidade cristã, temos diante de nós vários desafios, que precisamos de enfrentar, para que ela continue a ser a fonte da espiritualidade do povo de Deus e, acima de tudo, para que seja significativa na vida dos que nela participam. 4. A espiritualidade como transformação do mundo Vivemos em tempos de um ativismo pastoral, ou então, de um desencanto na missão, até mesmo de apatia, que não são mais do que sinais de uma certa esterilidade espiritual, em muitos dos que formam as comunidades cristãs. Aliás, a origem dos nossos cansaços poderá ser, não pelo muito que fazemos, mas pelo que deixamos de fazer, ou melhor, o que deixamos de ser: homens e mulheres cheios do Espírito de Deus. Certamente, no presente, teremos diante de nós, como Igreja Diocesana, o desafio de reconstituir a espiritualidade pastoral, como ponto de partida. Afinal, o que é isto de espiritualidade pastoral? Pode ser assim definida: o conjunto de convicções de fé (o que se crê), opções (o que se quer), atitudes (o que se vive) e valores que animam todo o agente de pastoral no desempenho da sua missão e o capacitam a vivê-la como experiência de Deus e a realizá-la no Espírito de Jesus, o Bom Pastor. É claro, em certa medida, que a falta de espiritualidade está relacionada com a ausência de paixão, de encanto, de esperança, de encontro com o mistério de Deus, vivo e incarnado. Em suma, tem a ver com uma crise de identidade do próprio ser, ou da esquizofrenia espiritual-pastoral, consequência de um viver «bipolar» entre a fé e a vida. Recuperando a expressão «conversão pastoral», sabemos que ela implica a mudança de comportamento, de atitude, de maneira de ser e de viver, como Igreja, também no coração do mundo. Sendo assim, dito teologicamente, significa assumir um estilo de vida de acordo com a vontade de Deus Pai, que não é mais do que configurar o que somos e vivemos, segundo Jesus Cristo. Quais são as consequências práticas? Destaquem-se duas. Uma está no seguimento de Jesus, ser discípulo, o que exige estar disposto a vibrar com a «glória» e arcar com o peso da «cruz» pastoral. Porque no “vem e segue-me” de todos os tempos, estão incluídas todas as exigências do discipulado, inclusive a perseguição e até o martírio, mas está também o convite para superação das tristezas, dos cansaços e dos sofrimentos. Ficar de fora deste espírito de vida “pode levar os cristãos a refugiarem-se nalguma falsa espiritualidade” (Evangelii gaudium, 262). Outra consequência implica compreender a conversão como mudança teológica. Não é um dar voltas em si mesmo, ou para qualquer direção. Consiste em abandonar o lugar próprio, embora fosse bom, e encontrar Deus «ali», onde Ele quer ser encontrado. Para descobrir isto é necessário tomar totalmente a sério a experiência original que Jesus tem de Deus, Seu Pai. Porque a questão não está em se alguém procura ou não a Deus, mas em se O procura onde Ele próprio disse que estava. Onde é que Deus quer ser encontrado no mundo de hoje? Este lugar, ou lugares, pode estar em assimetria com aquele onde andamos a procurá-Lo (cf. Mt 25, 31-44). No fundo, trata-se de viver, transversalmente a todas as ações pastorais, a dinâmica, constante e intensa, da incarnação. É bom recordar que a Evangelii gaudium explicitou as consequências desta conversão: “A reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige, só se pode entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de «saída» e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a Sua amizade” (EG, 27). Aliás, é necessário afirmar ainda que todas as mudanças devem acontecer «a partir do coração do Evangelho» (cf. Evangelii gaudium, 178) que é «a beleza do amor salvífico de Deus, manifestado em Jesus Cristo, morto e ressuscitado» (cf. Evangelii gaudium, 26) em direção ao «coração do mundo». Se a evangelização não for motivada a partir daqui, «a mensagem correrá o risco de perder a sua frescura e já não ter o perfume do Evangelho» (cf. Evangelii gaudium, 39). Em suma, exalar este aroma evangélico para todos os povos é a missão dos cristãos (cf. Mt. 28, 19). O agir pastoral precisa, ainda, de olhar atentamente para a configuração das relações entre os humanos, a visão de um mundo em transformação, a busca de sentido das pessoas, os valores que alimentam a sua existência e as consequências e impactos que tal implica nas experiências religiosas de todos. Entre os muitos desafios que impactam a pastoral, um dos mais agudos continua a ser o da transmissão da fé. O problema central da pastoral atual – não o único –, mas o que exige maior e mais urgente atenção, é o da transmissão da fé.A experiência cristã comporta sempre a dimensão missionária. Não se pode ser cristão sem ser missionário, porque a comunidade cristã não vive de forma isolada em relação ao contexto do mundo, mas encarna na realidade para a tornar salvífica. Ser Igreja não se trata de um grupo que satisfaz apenas a dimensão religiosa, mas integra toda a experiência pessoal, comunitária e social, a partir da sua fé em Jesus Cristo. Significa que a fé não é um facto privado, uma conceção individualista, uma opinião subjetiva, mas nasce de uma escuta e destina-se a ser pronunciada e a tornar-se anúncio. É urgente enfatizar a «cultura do encontro» (cf. Evangelii gaudium, 220), como propõe o Papa Francisco, para criar proximidade com aqueles que estão afastados, procurando evangelizar as periferias existenciais e sociais que se tornaram indiferentes à mensagem evangélica. 4.1. Uma espiritualidade cristã de comunhão A espiritualidade cristã é viver segundo o Espírito. Viver conforme o Espírito é estar orientado segundo os critérios e as perspetivas de Deus, tal como ficaram encarnadas para sempre na vida e no ensinamento de Jesus. N’Ele encontramos inseparável o amor a Deus e o amor ao próximo (cf. Mt 22, 34-40). Esta fusão de amores leva a que a espiritualidade do Evangelho consista exatamente no facto de que a causa de Deus se funde e se confunde com a causa da vida humana. A consequência é, por um lado, que tudo o que nos afasta da vida concreta nos distancia de Deus e, por outro, que a comunhão dos filhos se reflete na comunhão de Deus Trindade. Um novo ardor missionário não virá dos sofisticados métodos, nem das muitas ações, nem dos planos técnicos, mas de uma vida espiritual dos agentes. Na carta apostólica Novo millennio ineunte, o Papa São João Paulo II, ao falar de uma necessária espiritualidade de comunhão, centrada no mistério da Trindade, adverte: “Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que vias para a sua expressão e crescimento.” (Novo millennio ineunte, 43) A fé cristã configura uma espiritualidade da comunhão, porque da Trindade transborda o amor que se manifesta na missão do Filho e do Espírito Santo, enviados do Pai (cf. Jo 3, 16). Os discípulos de Jesus são chamados a viver em comunhão com o Pai (cf. 1Jo 1, 3) e com o Seu Filho, morto e ressuscitado, na comunhão no Espírito Santo (cf. 1Cor 13, 13). Como dizia L. Boff: «no princípio está a comunhão dos Três, não a solidão do Um». Por sermos a imagem da Trindade que é comunhão, carregamos este impulso para a comunhão com os outros e com Deus. Comunhão que impulsiona o ser humano à superação das mazelas existenciais e sociais. Diante dos inúmeros desafios colocados à fé cristã no mundo atual, destacam-se algumas características. a) Diante de tantas crises de sentido da vida, Jesus revela-nos a vida íntima de Deus no Seu mistério mais elevado, a comunhão trinitária. b) Diante do desespero de um mundo que vê na morte o final definitivo da existência, Jesus oferece-nos a ressurreição e a vida eterna, na qual Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15, 28). c) Diante dos apegos idolátricos dos bens terrenos, Jesus apresenta a vida em Deus como valor supremo (cf. Mc 8, 36). d) Diante do subjetivismo, do hedonismo e do desejo consumista, Jesus propõe entregar a vida para ganhá-la (cf. Jo 12, 25). e) Diante do individualismo exacerbado, de uma cultura da violência e da indiferença, Jesus convoca a viver, caminhar e fazer comunhão (cf. Mt 18, 20). f) Diante de um sistema económico que exclui, descarta e assassina os mais pobres, Jesus defende os direitos dos frágeis e a vida digna de todo ser humano (cf. Jo 10, 10). g) Diante de uma sociedade com tanta produtividade e milhões de pessoas a morrerem à fome, Jesus convida ao banquete eucarístico (cf. Mc 6, 34-44). Eis algumas das implicações de assumirmos a comunhão como núcleo da espiritualidade cristã, não obstante inúmeros cristãos insistirem em querer viver a fé sem Igreja, ou mergulhados nas novas realidades espirituais individualistas, sem compromisso social, intrínseco à fé cristã (cf. Evangelii gaudium, 178). Pode-se, certamente, questionar o perfil das comunidades cristãs, quanto à sua organização, forma de acolhimento, mística celebrativa, falta de comunhão, clericalismo, ritualismos, mas decisivo é o seu «poder transformador», seja ele existencial seja social na vida das pessoas. No fundo, seja qual for o motivo, nada justifica viver fora da comunidade, porque ela é uma realidade salvífica para os cristãos: “aprouve a Deus santificar e salvar os homens não singularmente, sem nenhuma conexão uns com os outros, mas constituí-los num Povo” (Lumen gentium, 9). 4.2. Uma evangelização querigmática e mistagógica Hoje, importa superar uma compreensão desfocada do que é «querigma» e «mistagogia», vistas, tantas vezes, como dimensões separadas e como apenas etapas do processo de evangelização. Mistagogia, antes de ser a última etapa do processo da iniciação à vida cristã de inspiração catecumenal, é a sua característica maior, do mesmo modo que o querigma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que culmina na maturidade do discipulado de Jesus Cristo. Mistagogia refere-se ao ato de conduzir alguém ao mistério revelado em Jesus Cristo. Refere-se a tudo aquilo que conduz ao encontro com Cristo, que gera experiência de fé, conversão, discipulado, missão. Todas estas dimensões são canais de encontro e de experiência. Querigma é a proclamação da Pessoa de Jesus Cristo, do Seu amor salvífico que não pode ser feita descuidadamente e de qualquer modo, sob o risco de não ser ouvida nem experienciada. Por isso, a proclamação do querigma traz consigo a exigência da mistagogia, o que prova a relação inseparável entre ambas, comparável à relação entre palavra e som. Concomitantemente, querigma e mistagogia referem-se ao encontro da pessoa humana, iluminada por Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, decifrando o seu mistério e o seu drama (cf. Gaudium et spes, 22). Anunciando a sua altíssima dignidade (cf. Sal. 8), a Igreja é chamada, na sua missão, a colaborar na busca da resposta que cada ser humano faz: «quem sou eu?». O caráter mistagógico significa a introdução aos mistérios divinos, a iniciação às coisas sagradas, o discipulado evangélico. Através da mistagogia, a Igreja ajuda as pessoas a entrar no caminho de Jesus, a ouvir a Sua palavra, a experimentar a beleza e compromisso dos sacramentos cristãos, a vivenciar a riqueza da Eucaristia, a deixar-se possuir pelo Espírito divino, a praticar e propagar a condição batismal, a surpreender-se com a sua dignidade como criatura e descobrir a sua altíssima vocação. Esta vivência mistagógica conduz consequentemente a um processo de conversão permanente na vida, em Cristo, que abarca a integralidade da pessoa e da vida cristã. O querigma possui também um conteúdo inevitavelmente social (cf. Evangeliigaudium,177). O compromisso com os outros não constitui, portanto, uma decorrência externa da fé, mas nasce de dentro da própria fé cristã. Por essa razão, «confissão de fé» e «compromisso social» (cf. Evangeliigaudium,178) são dois lados da mesma vivência da fé. Aliás, como exemplo, somente saberemos que Cristo está onde estão os mais pobres, e que a capacidade de abraçar a Deus na Sua alteridade absoluta cresce na proximidade com os outros, a partir da verdadeira confissão de fé. 4.3. Resgatar o sentido do domingo cristão Hoje, praticar realmente o domingo e as festas que a fé propõe é ser profanador da sacralidade do mercado, da economia tornada «bezerro de ouro», da sacralidade do ócio e do consumismo. No entanto, o domingo, enquanto categoria teológica, atua como sinal profético no seio desta realidade social. A fé na ressurreição de Jesus abre espaço para viver a liberdade de quem caminha, canta, vive em comunidade, entra na dimensão eucarística, do dom, dos gestos gratuitos, sem pretender produzir ou ganhar nada. Marcado pela beleza do tempo sagrado, viver o domingo é experienciar o encontro onde todos se saúdam como «irmãs e irmãos», sonham com a fraternidade, vivem integralmente a comunhão com Deus, e contemplam a realidade do Reino de Deus, através dos sinais que o antecipam. Estes são alguns elementos que configuram o sentido cristão e que impulsionam a celebrar o domingo para além do calendário semanal, hoje praticamente extinto dentro da lógica vigente. Ao resgatar o sentido do domingo, a Igreja age na história com teor profético que atualiza na força do mistério pascal celebrado; assume que celebrar o domingo passa por «libertar os oprimidos» das suas opressões, de virar as «pedras» dos «túmulos» dos inocentes, para que a «vida» seja celebrada e dignificada. Desta forma, revela-se que o amor é mais forte do que a morte e que os «verdugos» não triunfam sobre as vítimas. No domingo, portanto, resplandece a verdadeira experiência cristã, conforme a expressa São Tiago: “A religião pura e sem mancha diante do Deus e Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas nas suas dificuldades, e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1, 27; cf. Gaudete et exsultate, 104). Diremos que se trata de uma utopia, mas verdadeira, porque tem origem em Jesus crucificado e ressuscitado que passou pelo mundo fazendo o bem (cf. At 10, 38). Por isso, atualizando as palavras do profeta, resgatar o domingo cristão poderá também significar: «praticar a justiça, amar a fidelidade e andar humildemente com Deus» (cf. Mq 6, 8). «Vinho novo em odres novos», propõe Jesus aos seus discípulos. Tanto ontem como hoje, a novidade exige sempre a capacidade de arriscar na firme convicção de que Jesus nunca nos dececiona. A fé cristã é sempre um caminhar rumo ao melhor que está por vir. A «terra prometida», o novo céu, a Jerusalém celeste, a pesca abundante, o Reino de Deus..., tudo isto está na frente, como promessa que compromete os cristãos a viverem na história o que esperam (cf. Hb 11, 1; Gaudete et exsultate, 135). O objetivo proposto neste texto é recordar a necessidade da insistência da «conversão pastoral» e, sobretudo, que esta ocorra fundamentalmente a partir de dentro para chegar à «Igreja em saída». É imperativo retomar-se o caminho aberto por Jesus – perfume da evangelização –, um Evangelho que conduz a uma espiritualidade de comunhão; o chamamento inadiável para que os batizados sejam permanentemente configurados a Cristo, por meio do anúncio do querigma e na experiência mistagógica; o resgate do domingo a marcar a importância da comunidade cristã como sinal profético de denúncia, no seio de um mundo sem ‘domingo’, sem gratuidade, sem Páscoa, conscientes dos apelos de Deus na história, perceber os ‘sinais dos tempos’ e responder aos desafios do mundo e das pessoas. Se viremos, assim, a degustar o “vinho novo em odres novos”, como propôs Jesus é, na verdade, uma pergunta sem resposta. No entanto, a esperança não engana (cf. Rom 5, 5). Objetivo do Plano Pastoral Viver a espiritualidade cristã: - na comunidade, como casa - na Palavra, como revelação - na Eucaristia, como alimento - no mundo, como missão Dinamismos - Valorizar a dimensão comunitária da espiritualidade cristã; - Enraizar a família na espiritualidade cristã; - Enquadrar a espiritualidade cristã no dinamismo sinodal; - Valorizar e robustecer os órgãos de comunhão e de participação; - Conhecer a Sagrada Escritura; - Rezar com a Sagrada Escritura: escuta, intimidade, diálogo, silêncio…; - Configurar a vida a partir da Sagrada Escritura; - Aprofundar a espiritualidade cristã a partir dos sacramentos; - Fomentar a vivência e a participação litúrgica; - Aumentar o conhecimento da liturgia, suas dinâmicas e linguagens; - Desenvolver a espiritualidade do coração no cuidar da fragilidade e da pobreza; - Desenvolver a espiritualidade cristã como fermento da fraternidade humana universal; - Viver a espiritualidade cristã como cuidado da “casa comum” ao serviço da ecologia integral; - Proporcionar o encontro entre a espiritualidade cristã e a cultura contemporânea; - Valorizar e integrar nas comunidades a vivência espiritual dos imigrantes; - Sublinhar a dimensão missionária da espiritualidade cristã; - Criar novas oportunidades para a primeira evangelização; - Cuidar as linguagens para que aproximem as pessoas e não sejam obstáculo. Algumas propostas - Elaborar um itinerário espiritual diocesano anual, que agrupe sob mesma temática as diferentes propostas de vivência da fé, ao nível bíblico, catequético, litúrgico e caritativo. - Desenvolver um percurso de aprofundamento da espiritualidade cristã; - Propor ações de formação destinadas a agentes de acompanhamento espiritual (sacerdotes, diáconos e leigos); - Valorizar a dimensão da escuta espiritual nas comunidades (acompanhamento e direção espiritual, sacramento da reconciliação…); - Realizar iniciativas que estabeleçam a relação entre a espiritualidade e a arte; - Elaborar itinerários que introduzam no significado simbólico-ritual dos sacramentos e do espaço litúrgico, em perspetiva mistagógica; - Dar ao Domingo a centralidade da vida cristã; - Propor ações de acolhimento e de encontro que reforcem o sentido de pertença à comunidade, na vivência do Domingo; - Aprofundar e potenciar a dimensão espiritual do compromisso social e caritativo; - Valorizar a piedade popular a partir da fundamentação bíblica e litúrgica; - Valorizar a oração do rosário; - Cultivar o compromisso de oração diária; - Dinamizar a lectio divina; - Preparar adequadamente a liturgia dominical, no âmbito pessoal, familiar e comunitário; - Valorizar a oração comunitária semanal nas igrejas e capelas (rosário, lectio divina, via sacra, liturgia das horas…; - Valorizar a visita ao Santíssimo e promover a adoração eucarística pessoal e comunitária; - Valorizar a arte de celebrar (ars celebrandi), cuidando dos diferentes elementos que compõem a ação litúrgica; - Promover retiros espirituais, tanto a nível diocesano como local (catequese, crisma, jovens, casais…); - Promover encontros de vivência espiritual (vigílias, peregrinações…); - Elaborar percursos sistemáticos de formação bíblica e de formação litúrgica; - Reforçar a importância da vivência da fé em grupo no crescimento espiritual dos seus membros e da comunidade cristã; - Propor experiências de meditação, silêncio e contemplação, especialmente nos contextos escolares e catequéticos; - Desenvolver nas famílias cristãs momentos, percursos, espaços e símbolos que favoreçam a espiritualidade da igreja doméstica; - Valorizar e divulgar diferentes propostas de oração e reflexão cristã existentes no espaço virtual; - Valorizar o diálogo ecuménico e inter-religioso para fortalecer a importância da espiritualidade na vida humana.     [1] Para a elaboração do plano pastoral, seguiu-se a seguinte calendarização: - Reuniões do secretariado da coordenação pastoral: setembro 2024-junho 2025; - Reuniões de unidade pastoral (conselhos pastorais e/ou equipas de animação pastoral): novembro 2024-fevereiro 2025; - Reunião dos secretariados e serviços diocesanos: janeiro 2025; - Reuniões do conselho pastoral diocesano: dezembro 2024 e maio 2025; - Reuniões do grupo de trabalho constituído para redação: março-maio 2025; - Reunião do conselho presbiteral: maio 2025. [2]François-Xavier Bustillo, A vocação do padre perante as crises. A fidelidade criativa. SNL, Fátima 2022, 122. [3] Adelino Ascenso, A mística do arado. Busca de um Deus possível, Prior Velho 2021, 56-57. [4]  Rui Santiago, “Apontamentos e desafios para as Igrejas. Em forma de diário”, in Brotéria, 198-1 (2024) 82. [5] Tolentino Mendonça, Uma beleza que nos pertence, Lisboa 2019, 71. [6] Cf. Adelino Ascenso, A mística do arado. Busca de um Deus possível, Prior Velho 2021, 7 [introdução de Tolentino Mendonça]. [7] Francisco, Discurso no encontro com os participantes do V Congresso da Igreja italiana, 10 de novembro de 2015. [8] O Papa Francisco advertia para este risco atual: «Mais do que o ateísmo, o desafio que hoje se nos apresenta é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro. Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os cure, liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória a Deus.» Francisco, Evangelii gaudium, 89. [9] Elmar Salmann, Presenza di spirito. Il cristianesmo come gesto e pensiero, Padova 2000, 474 [10] Francisco / XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Documento final, 43. [11] Idem, 44. [12] Gianfranco Ravasi, “Prefazione”, in Guglielmo Cazzulani – Giuseppe Como – Sandro Dalle Fratte – Luciano Luppi (edd.), Lo spirito, le brecce e la danza. Introduzione alla spiritualità cristiana, Il Pozzo di Giacobbe, Trapani 2021. [13] Bento XVI, Deus caritas est, 1. [14] Cf. Preliminares do Ritual Romano, celebração do Batismo das Crianças, 1-2; [15] Cf. Preliminares do Pontifical Romano, celebração da Confirmação, 1-2; [16] Cf. Instrução Geral do Missal Romano, 16-28; [17] Cf. Preliminares do Ritual Romano, Celebração da Penitência, 1-2; [18] Cf. Preliminares do Ritual Romano, Unção Pastoral dos Doentes, 1-4; [19] Cf. Preliminares do Pontifical Romano, Ordenação dos Bispos, Presbíteros e Diáconos, 1-6; [20] Cf. Preliminares do Ritual Romano, Celebração do Matrimónio, 1-11; [21] Cf. Instrução Geral Sobre a Liturgia das Horas, 1-11; [22] Paulo VI, Discurso de encerramento da segunda sessão conciliar, in https://www.vatican.va/ content/paul-vi/pt/speeches/1963/documents/hf_p-vi_spe_19631204_chiusura-concilio.html [consultado a 26/03/2025].