INTRODUÇÃO
A Igreja ao serviço da família
1. A FAMÍLIA nos tempos de hoje, tanto e
talvez mais que outras instituições, tem sido posta em questão
pelas amplas, profundas e rápidas transformações da sociedade
e da cultura. Muitas famílias vivem esta situação na
fidelidade àqueles valores que constituem o fundamento do
instituto familiar. Outras tornaram-se incertas e perdidas
frente a seus deveres, ou ainda mais, duvidosas e quase
esquecidas do significado último e da verdade da vida conjugal
e familiar. Outras, por fim, estão impedidas por variadas
situações de injustiça de realizarem os seus direitos
fundamenta.
Consciente de que o matrimónio e a
família constituem um dos bens mais preciosos da humanidade, a
Igreja quer fazer chegar a sua voz e oferecer a sua ajuda a
quem, conhecendo já o valor do matrimónio e da família,
procura vivê-lo fielmente, a quem, incerto e ansioso, anda à
procura da verdade e a quem está impedido de viver livremente
o próprio projecto familiar. Sustentando os primeiros,
iluminando os segundos e ajudando os outros, a Igreja oferece
o seu serviço a cada homem interessado nos caminhos do
matrimónio e da família.
Dirige-se particularmente aos jovens, que
estão para encetar o seu caminho para o matrimónio e para a
família, abrindo-lhes novos horizontes, ajudando-os a
descobrir a beleza e a grandeza da vocação ao amor e ao
serviço da vida.
O Sínodo de 1980 na continuidade dos
Sínodos precedentes
2. Um sinal deste profundo interesse da
Igreja pela família foi o último Sínodo dos Bispos celebrado
em Roma de 26 de Setembro a 25 de Outubro de 1980. Este foi
uma continuação natural dos dois precedentes: a família
cristã, de facto, é a primeira comunidade chamada a anunciar o
Evangelho à pessoa humana em crescimento e a levá-la, através
de uma catequese e educação progressiva, à plenitude da
maturidade humana e cristã.
Mas não só. O recente Sínodo liga-se
também idealmente de alguma forma com os anteriores sobre o
Sacerdócio ministerial e sobre a justiça no mundo
contemporâneo. Na verdade, enquanto comunidade educativa, a
família deve ajudar o homem a discernir a própria vocação e a
assumir o empenho necessário para uma maior justiça,
formando-o desde o início, para relações interpessoais, ricas
de justiça e de amor.
Os Padres Sinodais, como conclusão da
última Assembleia, apresentaram-me um amplo elenco de
propostas, que recolhem os frutos das reflexões desenvolvidas
no curso de jornadas de intenso trabalho, e pediram-me com
voto unânime fazer-me intérprete diante da humanidade da viva
solicitude da Igreja pela família, e de oferecer indicações
para um renovado empenhamento pastoral neste sector
fundamental da vida humana e eclesial.
Ao cumprir tal tarefa com a presente
Exortação, como uma actuação peculiar do ministério apostólico
que me foi confiado, desejo exprimir a minha gratidão a todos
os participantes no Sínodo pelo contributo precioso de
doutrina e de experiência, que puseram à minha disposição
mediante as «Propositiones», cujo texto confio ao Conselho
Pontifício para a Família, dispondo que aprofunde o estudo a
fim de valorizar cada aspecto das riquezas que contém.
O bem precioso do matrimónio e da família
3. A Igreja, iluminada pela fé, que lhe
faz conhecer toda a verdade sobre o precioso bem do matrimónio
e da família e sobre os seus significados mais profundos,
sente mais uma vez a urgência de anunciar o Evangelho, isto é,
a «Boa Nova» a todos indistintamente, em particular a todos
aqueles que são chamados ao matrimónio e para ele se preparam,
a todos os esposos e pais do mundo.
Ela está profundamente convencida de que
só com o acolhimento do Evangelho encontra realização plena
toda a esperança que o homem põe legitimamente no matrimónio e
na família.
Queridos por Deus com a própria criação,
o matrimónio e a família estão interiormente ordenados a
complementarem-se em Cristo e têm necessidade da sua graça para
serem curados das feridas do pecado e conduzidos ao seu
«princípio», isto é, ao conhecimento pleno e à realização
integral do desígnio de Deus.
Num momento histórico em que a família é
alvo de numerosas forças que a procuram destruir ou de
qualquer modo deformar, a Igreja, sabedora de que o bem da
sociedade e de si mesma está profundamente ligado ao bem da
família, sente de modo mais vivo e veemente a sua missão de
proclamar a todos o desígnio de Deus sobre o matrimónio e
sobre a família, para lhes assegurar a plena vitalidade e
promoção humana e cristã, contribuindo assim para a renovação
da sociedade e do próprio Povo de Deus.
PRIMEIRA PARTE
LUZES E SOMBRAS DA FAMÍLIA DE HOJE
Necessidade de conhecer a situação
4. Uma vez que o desígnio de Deus sobre o
matrimónio e sobre a família visa o homem e a mulher no
concreto da sua existência quotidiana, em determinadas
situações sociais e culturais, a Igreja, para cumprir a sua
missão, deve esforçar-se por conhecer as situações em que o
matrimónio e a família se encontram hoje.
Este conhecimento é, portanto, uma
exigência imprescindível para a obra de evangelização. É na
verdade, às famílias do nosso tempo que a Igreja deve levar o
imutável e sempre novo Evangelho de Jesus Cristo, na forma em
que as famílias se encontram envolvidas nas presentes
condições do mundo, chamadas a acolher e a viver o projecto de
Deus que lhes diz respeito. Não só, mas os pedidos e os apelos
do Espírito ressoam também nos acontecimentos da história, e,
portanto, a Igreja pode ser guiada para uma intelecção mais
profunda do inexaurível mistério do matrimónio e da família a
partir das situações, perguntas, ansiedades e esperanças dos
jovens, dos esposos e dos pais de hoje.
Deve ainda juntar-se a isto uma reflexão
ulterior de particular importância no tempo presente. Não
raramente ao homem e à mulher de hoje, em sincera e profunda
procura de uma resposta aos graves e diários problemas da sua
vida matrimonial e familiar, são oferecidas visões e propostas
mesmo sedutoras, mas que comprometem em medida diversa a
verdade e a dignidade da pessoa humana. É uma oferta
frequentemente sustentada pela potente e capilar organização
dos meios de comunicação social, que põem subtilmente em
perigo a liberdade e a capacidade de julgar com objectividade.
Muitos, já cientes deste perigo em que se
encontra a pessoa humana, empenham-se pela verdade. A Igreja,
com o seu discernimento evangélico, une-se a esses,
oferecendo-lhes o seu serviço em prol da verdade, da liberdade
e da dignidade de cada homem e de cada mulher.
O discernimento evangélico
5. O discernimento realizado pela Igreja
torna-se oferta para orientação que salvaguarde e realize a
inteira verdade e a plena dignidade do matrimónio e da
família.
Este discernimento atinge-se pelo sentido
da fé, dom que o Espírito Santo concede a todos os fiéis, e é,
portanto, obra de toda a Igreja, segundo a diversidade dos
vários dons e carismas que, ao mesmo tempo e segundo a
responsabilidade própria de cada um, cooperam para uma mais
profunda compreensão e actuação da Palavra de Deus. A Igreja,
portanto, não realiza o discernimento evangélico próprio só
por meio dos pastores, os quais ensinam em nome e com o poder
de Cristo, mas também por meio dos leigos: Cristo
«constituiu-os testemunhas, e concedeu-lhes o sentido da fé e
o dom da palavra (cfr. Act. 2, 17-18; Apoc. 19, 10) a fim de
que a força do Evangelho resplandeça na vida quotidiana,
familiar e social». Os leigos, em razão da sua vocação
particular, têm o dever específico de interpretar à luz de
Cristo a história deste mundo, enquanto são chamados a
iluminar e dirigir as realidades temporais segundo o desígnio
de Deus Criador e Redentor.
O «sentido sobrenatural da fé» não
consiste, porém, somente ou necessariamente no consenso dos
fiéis. A Igreja, seguindo a Cristo, procura a verdade, que nem
sempre coincide com a opinião da maioria. Escuta a consciência
e não o poder e nisto defende os pobres e desprezados. A
Igreja pode apreciar também a investigação sociológica e
estatística quando se revelar útil para a compreensão do
contexto histórico no qual a acção pastoral deve desenrolar-se
e para conhecer melhor a verdade; tal investigação, porém, não
pode ser julgada por si só como expressão do sentido da fé.
Porque é dever do ministério apostólico
assegurar a permanência da Igreja na verdade de Cristo e
introduzi-la sempre mais profundamente, os Pastores devem
promover o sentido da fé em todos os fiéis, avaliar e julgar
com autoridade a genuinidade das suas expressões, educar os
crentes para um discernimento evangélico sempre mais
amadurecido.
Para a elaboração de um autêntico
discernimento evangélico nas várias situações e culturas em
que o homem e a mulher vivem o seu matrimónio e a sua vida
familiar, os esposos e os pais cristãos podem e devem oferecer
um seu próprio e insubstituível contributo. A esta tarefa
habilita-os o carisma ou dom próprio, o dom do sacramento do
matrimónio.
A situação da família no mundo de hoje
6. A situação em que se encontra a
família apresenta aspectos positivos e aspectos negativos:
sinal, naqueles, da salvação de Cristo operante no mundo;
sinal, nestes, da recusa que o homem faz ao amor de Deus.
Por um lado, de facto, existe uma
consciência mais viva da liberdade pessoal e uma maior atenção
à qualidade das relações interpessoais no matrimónio, à
promoção da dignidade da mulher, à procriação responsável, à
educação dos filhos; há, além disso, a consciência da
necessidade de que se desenvolvam relações entre as famílias
por uma ajuda recíproca espiritual e material, a descoberta de
novo da missão eclesial própria da família e da sua
responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa.
Por outro lado, contudo, não faltam sinais de degradação
preocupante de alguns valores fundamentais: uma errada
concepção teórica e prática da independência dos cônjuges
entre si; as graves ambiguidades acerca da relação de
autoridade entre pais e filhos; as dificuldades concretas, que
a família muitas vezes experimenta na transmissão dos valores;
o número crescente dos divórcios; a praga do aborto; o recurso
cada vez mais frequente à esterilização; a instauração de uma
verdadeira e própria mentalidade contraceptiva.
Na raiz destes fenómenos negativos está
muitas vezes uma corrupção da ideia e da experiência de
liberdade concebida não como capacidade de realizar a verdade
do projecto de Deus sobre o matrimónio e a família, mas como
força autónoma de afirmação, não raramente contra os outros,
para o próprio bem-estar egoístico.
Merece também a nossa atenção o facto de
que, nos países do assim chamado Terceiro Mundo, faltem muitas
vezes às famílias quer os meios fundamentais para a
sobrevivência, como o alimento, o trabalho, a habitação, os
medicamentos, quer as mais elementares liberdades. Nos países
mais ricos, pelo contrário, o bem-estar excessivo e a
mentalidade consumística, paradoxalmente unida a uma certa
angústia e incerteza sobre o futuro, roubam aos esposos a
generosidade e a coragem de suscitarem novas vidas humanas:
assim a vida é muitas vezes entendida não como uma bênção, mas
como um perigo de que é preciso defender-se.
A situação histórica em que vive a
família apresenta-se, portanto, como um conjunto de luzes e
sombras.
Isto revela que a história não é
simplesmente um progresso necessário para o melhor, mas antes
um acontecimento de liberdade, e ainda um combate entre
liberdades que se opõem entre si; segundo a conhecida
expressão de Santo Agostinho, um conflito entre dois amores: o
amor de Deus impelido até ao desprezo de si, e o amor de si
impelido até ao desprezo de Deus.
Segue-se que só a educação para o amor,
radicada na fé, pode levar a adquirir a capacidade de
interpretar «os sinais dos tempos», que são a expressão
histórica deste duplo amor.
O influxo da situação na consciência dos
fiéis
7. Vivendo em tal mundo, sob pressões
derivadas sobretudo dos mass-media, nem sempre os fiéis
souberam e sabem manter-se imunes diante do obscurecimento dos
valores fundamentais e por-se como consciência crítica desta
cultura familiar e como sujeitos activos da construção de um
humanismo familiar autêntico.
Entre os sinais mais preocupantes deste
fenómeno, os Padres Sinodais sublinharam, em particular, o
difundir-se do divórcio e do recurso a uma nova união por
parte dos mesmos fiéis; a aceitação do matrimónio meramente
civil, em contradição com a vocação dos baptizados «a
casarem-se no Senhor»; a celebração do sacramento do
matrimónio sem uma fé viva, mas por outros motivos; a recusa
das normas morais que guiam e promovem o exercício humano e
cristão da sexualidade no matrimónio.
A nossa época tem necessidade de
sabedoria
8. Põe-se assim a toda a Igreja o dever
de uma reflexão e de um empenho bastante profundo, para que a
nova cultura emergente seja intimamente evangelizada, sejam
reconhecidos os verdadeiros valores, sejam defendidos os
direitos do homem e da mulher e seja promovida a justiça
também nas estruturas da sociedade. Em tal modo o «novo
humanismo» não afastará os homens da sua relação com Deus, mas
conduzi-los-á para Ele mais plenamente.
Na construção de tal humanismo, a ciência
e as suas aplicações técnicas oferecem novas e imensas
possibilidades. Todavia, a ciência, em consequência de
posições políticas que decidem a direcção de investigações e
aplicações, é muitas vezes usada contra o seu significado
originário, a promoção da pessoa humana.
Torna-se, portanto, necessário recuperar
por par te de todos a consciência do primado dos valores
morais, que são os valores da pessoa humana como tal. A nova
compreensão do sentido último da vida e dos seus valores
fundamentais é a grande tarefa que se impõe hoje para a
renovação da sociedade. Só a consciência do primado destes
valores consente um uso das imensas possibilidades colocadas
nas mãos do homem pela ciência, que vise verdadeiramente a
promoção da pessoa humana na sua verdade integral, na sua
liberdade e dignidade. A ciência é chamada a juntar-se à
sabedoria.
Podem aplicar-se aos problemas da família
as palavras do Concílio Vaticano II: «Mais do que os séculos
passados, o nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que
se humanizem as novas descobertas dos homens. Está ameaçado,
com efeito, o destino do mundo, se não surgirem homens cheios
de sabedoria».
A educação da consciência moral, que faz
o homem capaz de julgar e discernir os modos aptos para a sua
realização segundo a verdade originária, torna-se assim uma
exigência prioritária e irrenunciável.
É a aliança com a sabedoria divina que
deve ser mais profundamente reconstituída na cultura moderna.
De tal Sabedoria cada homem foi feito participante pelo mesmo
gesto criador de Deus. E é só na fidelidade a esta aliança que
as famílias de hoje estarão em grau de influenciar
positivamente na construção de um mundo mais justo e fraterno.
Gradualidade e conversão
9. Todos devemos opor-nos com uma
conversão da mente e do coração, seguindo a Cristo
Crucificado, no dizer não ao próprio egoísmo, à injustiça
originada pelo pecado - profundamente penetrado também nas
estruturas do mundo de hoje - e que muitas vezes obsta a
família na plena realização de si mesma e dos seus direitos
fundamentais. Uma semelhante conversão não poderá deixar de
ter influência benéfica e renovadora mesmo sobre as estruturas
da sociedade.
É pedida uma conversão contínua,
permanente, que, embora exigindo o afastamento interior de
todo o mal e a adesão ao bem na sua plenitude, se actua
concretamente em passos que conduzem sempre para além dela.
Desenvolve-se assim um processo dinâmico, que avança
gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus e
das exigências do seu amor definitivo e absoluto em toda a
vida pessoal e social do homem. É, por isso, necessário um
caminho pedagógico de crescimento, a fim de que os fiéis, as
famílias e os povos, antes, a própria civilização, daquilo que
já receberam do Mistério de Cristo, possam ser conduzidos
pacientemente mais além, atingindo um conhecimento mais rico e
uma integração mais plena deste mistério na sua vida.
«Inculturação»
10. É de facto conforme à tradição
constante da Igreja recolher das culturas dos povos tudo
aquilo que é em grau de exprimir melhor as inexauríveis
riquezas de Cristo. Só com o concurso de todas as culturas,
tais riquezas poderão manifestar-se sempre mais claramente e a
Igreja poderá caminhar para um conhecimento cada dia mais
completo e aprofundado da verdade, que já lhe foi inteiramente
oferecida pelo seu Senhor.
Tendo firme o duplo princípio da
compatibilidade das várias culturas a assumir com o Evangelho
e da comunhão com a Igreja universal, deverá prosseguir-se no
estudo - particularmente por parte das Conferências episcopais
e dos Dicastérios competentes da Cúria Romana - e no
empenhamento pastoral para que esta «inculturação» da fé
cristã se realize sempre mais amplamente também no âmbito do
matrimónio e da família.
É mediante a «inculturação» que se
caminha para a reconstituição plena da aliança com a Sabedoria
de Deus, que é o próprio Cristo. A Igreja inteira será
enriquecida também por aquelas culturas que, embora carentes
de tecnologia, são ricas em sabedoria humana e vivificadas por
profundos valores morais.
Para que seja clara a meta deste caminho
e, por conseguinte, seguramente indicada a estrada, o Sínodo,
em primeiro lugar e em profundidade considerou justamente o
projecto originário de Deus acerca do matrimónio e da família:
quis «retornar ao princípio» em obséquio ao ensinamento de
Cristo.
SEGUNDA PARTE
O DESÍGNIO DE DEUS SOBRE O MATRIMÓNIO
E SOBRE A FAMÍLIA
O homem imagem de Deus Amor
11. Deus criou o homem à sua imagem e
semelhança: chamando-o à existência por amor, chamou-o ao
mesmo tempo ao amor.
Deus é amor e vive em si mesmo um
mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e
conservando-a continuamente no ser, Deus inscreve na
humanidade do homem e da mulher a vocação, e, assim, a
capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão. O amor
é, portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano.
Enquanto espírito encarnado, isto é, alma
que se exprime no corpo informado por um espírito imortal, o
homem é chamado ao amor nesta sua totalidade unificada. O amor
abraça também o corpo humano e o corpo torna-se participante
do amor espiritual.
A Revelação cristã conhece dois modos
específicos de realizar a vocação da pessoa humana na sua
totalidade ao amor: o Matrimónio e a Virgindade. Quer um quer
outro, na sua respectiva forma própria, são uma concretização
da verdade mais profunda do homem, do seu «ser à imagem de
Deus».
Por consequência a sexualidade, mediante
a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com os actos
próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo
puramente biológico, mas diz respeito ao núcleo íntimo da
pessoa humana como tal. Esta realiza-se de maneira
verdadeiramente humana, somente se é parte integral do amor
com o qual homem e mulher se empenham totalmente um para com o
outro até à morte. A doação física total seria falsa se não
fosse sinal e fruto da doação pessoal total, na qual toda a
pessoa, mesmo na sua dimensão temporal, está presente: se a
pessoa se reservasse alguma coisa ou a possibilidade de
decidir de modo diferente para o futuro, só por isto já não se
doaria totalmente.
Esta totalidade, pedida pelo amor
conjugal, corresponde também às exigências de uma fecundidade
responsável, que, orientada como está para a geração de um ser
humano, supera, por sua própria natureza, a ordem puramente
biológica, e abarca um conjunto de valores pessoais, para cujo
crescimento harmonioso é necessário o estável e concorde
contributo dos pais.
O «lugar» único, que torna possível esta
doação segundo a sua verdade total, é o matrimónio, ou seja o
pacto de amor conjugal ou escolha consciente e livre, com a
qual o homem e a mulher recebem a comunidade íntima de vida e
de amor, querida pelo próprio Deus, que só a esta luz
manifesta o seu verdadeiro significado. A instituição
matrimonial não é uma ingerência indevida da sociedade ou da
autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma
exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente
se afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a
plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador. Longe de
mortificar a liberdade da pessoa, esta fidelidade põe-na em
segurança em relação ao subjectivismo e relativismo, fá-la
participante da Sabedoria Criadora.
O matrimónio e a comunhão entre Deus e os
homens
12. A comunhão de amor entre Deus e os
homens, conteúdo fundamental da Revelação e da experiência de
fé de Israel, encontra uma sua significativa expressão na
aliança nupcial, que se instaura entre o homem e a mulher.
É por isto que a palavra central da
Revelação, «Deus ama o seu povo», é também pronunciada através
das palavras vivas e concretas com que o homem e a mulher se
declaram o seu amor conjugal. O seu vínculo de amor torna-se a
imagem e o símbolo da Aliança que une Deus e o seu povo. E o
mesmo pecado, que pode ferir o pacto conjugal, torna-se imagem
da infidelidade do povo para com o seu Deus: a idolatria é
prostituição, a infidelidade é adultério, a desobediência à
lei é abandono do amor nupcial para com o Senhor. Mas a
infidelidade de Israel não destrói a fidelidade eterna do
Senhor e, portanto, o amor sempre fiel de Deus põe-se como
exemplar das relações do amor fiel que devem existir entre os
esposos.
Jesus Cristo, esposo da Igreja, e o
sacramento do matrimónio
13. A comunhão entre Deus e os homens
encontra o seu definitivo cumprimento em Jesus Cristo, o
Esposo que ama e se doa como Salvador da humanidade, unindo-a
a Si como seu corpo.
Ele revela a verdade originária do
matrimónio, a verdade do «princípio» e, libertando o homem da
dureza do seu coração, torna-o capaz de a realizar
inteiramente.
Esta revelação chega à sua definitiva
plenitude no dom do amor que o Verbo de Deus faz à humanidade,
assumindo a natureza humana, e no sacrifício que Jesus Cristo
faz de si mesmo sobre a cruz pela sua Esposa, a Igreja. Neste
sacrifício descobre-se inteiramente aquele desígnio que Deus
imprimiu na humanidade do homem e da mulher, desde a sua
criação; o matrimónio dos baptizados torna-se assim o símbolo
real da Nova e Eterna Aliança, decretada no Sangue de Cristo.
O Espírito, que o Senhor infunde, doa um coração novo e torna
o homem e a mulher capazes de se amarem, como Cristo nos amou.
O amor conjugal atinge aquela plenitude para a qual está
interiormente ordenado: a caridade conjugal, que é o modo
próprio e específico com que os esposos participam e são
chamados a viver a mesma caridade de Cristo que se doa sobre a
Cruz.
Numa página merecidamente famosa,
Tertuliano exprimia bem a grandeza e a beleza desta vida
conjugal em Cristo: «Donde me será dado expor a felicidade do
matrimónio unido pela Igreja, confirmado pela oblação
eucarística, selado pela bênção, que os anjos anunciam e o Pai
ratifica? ... Qual jugo aquele de dois fiéis numa única
esperança, numa única observância, numa única servidão! São
irmãos e servem conjuntamente sem divisão quanto ao espírito,
quanto à carne. Mais, são verdadeiramente dois numa só carne e
donde a carne é única, único é o espírito».
Acolhendo e meditando
fielmente a Palavra de Deus, a Igreja tem solenemente ensinado
e ensina que o matrimónio dos baptizados é um dos sete
sacramentos da Nova Aliança.
De facto, mediante o baptismo, o homem e
a mulher estão definitivamente inseridos na Nova e Eterna
Aliança, na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja. E é em
razão desta indestrutível inserção que a íntima comunidade de
vida e de amor conjugal, fundada pelo Criador, é elevada e
assumida pela caridade nupcial de Cristo, sustentada e
enriquecida pela sua força redentora.
Em virtude da sacramentalidade do seu
matrimónio, os esposos estão vinculados um ao outro da maneira
mais profundamente indissolúvel. A sua pertença recíproca é a
representação real, através do sinal sacramental, da mesma
relação de Cristo com a Igreja.
Os esposos são portanto para a Igreja o
chamamento permanente daquilo que aconteceu sobre a Cruz; são
um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação da
qual o sacramento os faz participar. Deste acontecimento de
salvação, o matrimónio como cada sacramento, é memorial,
actualização e profecia: «Enquanto memorial, o sacramento
dá-lhes a graça e o dever de recordar as grandes obras de Deus
e de as testemunhar aos filhos; enquanto actualização, dá-lhes
a graça e o dever de realizar no presente, um para com o outro
e para com os filhos, as exigências de um amor que perdoa e
que redime; enquanto profecia dá-lhes a graça e o dever de
viver e de testemunhar a esperança do futuro encontro com
Cristo».
Como cada um dos sete sacramentos, também
o matrimónio é um símbolo real do acontecimento da salvação,
mas de um modo próprio. «Os esposos participam nele enquanto
esposos, a dois como casal, a tal ponto que o efeito primeiro
e imediato do matrimónio (res et sacramentum) não é a graça
sacramental propriamente, mas o vínculo conjugal cristão, uma
comunhão a dois tipicamente cristã porque representa o
mistério da Encarnação de Cristo e o seu Mistério de Aliança.
E o conteúdo da participação na vida de Cristo é também
específico: o amor conjugal comporta uma totalidade na qual
entram todos os componentes da pessoa - chamada do corpo e do
instinto, força do sentimento e da afectividade, aspiração do
espírito e da vontade - ; o amor conjugal dirige-se a uma
unidade profundamente pessoal, aquela que, para além da união
numa só carne, não conduz senão a um só coração e a uma só
alma; ele exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação
recíproca definitiva e abre-se à fecundidade (cfr. Enciclica
Humanae Vitae, n. 9). Numa palavra, trata-se de
características normais do amor conjugal natural, mas com um
significado novo que não só as purifica e as consolida, mas
eleva-as a ponto de as tornar a expressão dos valores
propriamente cristãos».
Os filhos, dom preciosíssimo do
matrimónio
14. Segundo o desígnio de Deus, o
matrimónio é o fundamento da mais ampla comunidade da família,
pois que o próprio instituto do matrimónio e o amor conjugal
se ordenam à procriação e educação da prole, na qual encontram
a sua coroação.
Na sua realidade mais profunda, o amor é
essencialmente dom e o amor conjugal, enquanto conduz os
esposos ao «conhecimento» recíproco que os torna «uma só
carne», não se esgota no interior do próprio casal, já que os
habilita para a máxima doação possível, pela qual se tornam
cooperadores com Deus no dom da vida a uma nova pessoa humana.
Deste modo os cônjuges, enquanto se doam entre si, doam para
além de si mesmo a realidade do filho, reflexo vivo do seu
amor, sinal permanente da unidade conjugal e síntese viva e
indissociável do ser pai e mãe.
Tornando-se pais, os esposos recebem de
Deus o dom de uma nova responsabilidade. O seu amor paternal é
chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio
amor de Deus, «do qual deriva toda a paternidade no céu e na
terra».
Não deve todavia esquecer-se que, mesmo
quando a procriação não é possível, nem por isso a vida
conjugal perde o seu valor. A esterilidade física, de facto,
pode ser para os esposos ocasião de outros serviços
importantes à vida da pessoa humana, como por exemplo a
adopção, as várias formas de obras educativas, a ajuda a
outras famílias, às crianças pobres ou deficientes.
A família, comunhão de pessoas
15. No matrimónio e na família
constitui-se um complexo de relações interpessoais - vida
conjugal, paternidade-maternidade, filiação, fraternidade -
mediante as quais cada pessoa humana é introduzida na «família
humana» e na «família de Deus», que é a Igreja.
O matrimónio e a família dos cristãos
edificam a Igreja: na família, de facto, a pessoa humana não
só é gerada e progressivamente introduzida, mediante a
educação, na comunidade humana, mas mediante a regeneração do
baptismo e a educação na fé, é introduzida também na família
de Deus, que é a Igreja.
A família humana, desagregada pelo
pecado, é reconstituída na sua unidade pela força redentora da
morte e ressurreição de Cristo. O matrimónio cristão,
partícipe da eficácia salvífica deste acontecimento, constitui
o lugar natural onde se cumpre a inserção da pessoa humana na
grande família da Igreja.
O mandato de crescer e de multiplicar-se,
dirigido desde o princípio ao homem e à mulher, atinge desta
maneira a sua plena verdade e a sua integral realização.
A Igreja encontra assim na família,
nascida do sacramento, o seu berço e o lugar onde pode actuar
a própria inserção nas gerações humanas, e estas,
reciprocamente, na Igreja.
Matrimónio e virgindade
16. A virgindade e o celibato pelo Reino
de Deus não só não contradizem a dignidade do matrimónio, mas
a pressupõem e confirmam. O matrimónio e a virgindade são os
dois modos de exprimir e de viver o único Mistério da Aliança
de Deus com o seu povo. Quando não se tem apreço pelo
matrimónio, não tem lugar a virgindade consagrada; quando a
sexualidade humana não é considerada um grande valor dado pelo
Criador, perde significado a renúncia pelo Reino dos Céus.
De modo muito justo diz S. João
Crisóstomo: «Quem condena o matrimónio, priva a virgindade da
sua glória; pelo contrário, quem o louva, torna a virgindade
mais admirável e esplendente. O que parece um bem apenas
quando comparado ao mal, não é pois um grande bem; mas o que é
melhor do que aquilo que todos consideram bom, é certamente um
bem em grau superlativo»
Na virgindade o homem está inclusive
corporalmente em atitude de espera, pelas núpcias
escatológicas de Cristo com a Igreja, dando-se integralmente à
Igreja na esperança de que Cristo se lhe doe na plena verdade
da vida eterna. A pessoa virgem antecipa assim na sua carne o
mundo novo da ressurreição futura.
Por força deste testemunho, a virgindade
mantém viva na Igreja a consciência do mistério do matrimónio
e defende-o de todo o desvio e de todo o empobrecimento.
Tornando livre de um modo especial o
coração humano, «de forma a inebriá-lo muito mais de caridade
para com Deus e para com todos os homens», a virgindade
testemunha que o Reino de Deus e a sua justiça são aquela
pérola preciosa que é preferida a qualquer outro valor, mesmo
que seja grande, e, mais ainda, é procurada como o único valor
definitivo. É por isso que a Igreja, durante toda a sua
história, defendeu sempre a superioridade deste carisma no
confronto com o do matrimónio, em razão do laço singular que
ele tem com o Reino de Deus.
Embora tendo renunciado à fecundidade
física, a pessoa virgem torna-se espiritualmente fecunda, pai
e mãe de muitos, cooperando na realização da família segundo o
desígnio de Deus.
Os esposos cristãos têm portanto o
direito de esperar das pessoas virgens o bom exemplo e o
testemunho da fidelidade à sua vocação até à morte. Como para
os esposos a fidelidade se torna às vezes difícil e exige
sacrifício, mortificação e renúncia, também o mesmo pode
acontecer às pessoas virgens. A fidelidade destas, mesmo na
provação eventual, deve edificar a fidelidade daqueles.
Estas reflexões sobre a virgindade podem
iluminar e ajudar os que, por motivos independentes da sua
vontade, não se puderam casar e depois aceitaram a sua
situação em espírito de serviço.
TERCEIRA PARTE
OS DEVERES DA FAMÍLIA CRISTÃ
Família, torna-te aquilo que és!
17. No plano de Deus Criador e Redentor
a família descobre não só a sua «identidade», o que «é», mas
também a sua «missão», o que ela pode e deve «fazer». As
tarefas, que a família é chamada por Deus a desenvolver na
história, brotam do seu próprio ser e representam o seu
desenvolvimento dinâmico e existencial. Cada família descobre
e encontra em si mesma o apelo inextinguível, que ao mesmo
tempo define a sua dignidade e a sua responsabilidade:
família, «torna-te aquilo que és»!
Voltar ao «princípio» do gesto criativo
de Deus é então uma necessidade para a família, se se quiser
conhecer e realizar segundo a verdade interior não só do seu
ser mas também do seu agir histórico. E porque, segundo o
plano de Deus, é constituída qual «íntima comunidade de vida e
de amor», a família tem a missão de se tornar cada vez mais
aquilo que é, ou seja, comunidade de vida e de amor, numa
tensão que, como para cada realidade criada e redimida,
encontrará a plenitude no Reino de Deus. E numa perspectiva
que atinge as próprias raízes da realidade, deve dizer-se que
a essência e os deveres da família são, em última análise,
definidos pelo amor. Por isto é-lhe confiada a missão de
guardar, revelar e comunicar o amor, qual reflexo vivo e
participação real do amor de Deus pela humanidade e do amor de
Cristo pela Igreja, sua esposa.
Cada dever particular da família é a
expressão e a actuação concreta de tal missão fundamental. É
necessário, portanto, penetrar mais profundamente na riqueza
singular da missão da família e sondar os seus conteúdos
numerosos e unitários.
Em tal sentido, partindo do amor e em
permanente referência a ele, o recente Sínodo pôs em evidência
quatro deveres gerais da família:
1) a formação de uma comunidade de
pessoas;
2) o serviço à vida;
3) a participação no desenvolvimento da
sociedade;
4) a participação na vida e na missão da
Igreja.
I - A FORMAÇÃO DE UMA COMUNIDADE DE
PESSOAS
O amor, princípio e força de comunhão
18. A família, fundada e vivificada pelo
amor, é uma comunidade de pessoas: dos esposos, homem e
mulher, dos pais e dos filhos, dos parentes. A sua primeira
tarefa é a de viver fielmente a realidade da comunhão num
constante empenho por fazer crescer uma autêntica comunidade
de pessoas.
O princípio interior, a força permanente
e a meta última de tal dever é o amor: como, sem o amor, a
família não é uma comunidade de pessoas, assim, sem o amor, a
família não pode viver, crescer e aperfeiçoar-se como
comunidade de pessoas. Quanto escrevi na Encíclica Redemptor
Hominis encontra, exactamente na família como tal, a sua
aplicação originária e privilegiada: «O homem não pode viver
sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível
e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado
o amor, se ele não se encontra com o amor, se não o
experimenta e se não o torna algo próprio, se nele não
participa vivamente».
O amor entre o homem e a mulher no
matrimónio e, de forma derivada e ampla, o amor entre os
membros da mesma família - entre pais e filhos, entre irmãos e
irmãs, entre parentes e familiares - é animado e impelido por
um dinamismo interior e incessante, que conduz a família a uma
comunhão sempre mais profunda e intensa, fundamento e alma da
comunidade conjugal e familiar.
A unidade indivisível da comunhão
conjugal
19. A primeira comunhão é a que se
instaura e desenvolve entre os cônjuges: em virtude do pacto
de amor conjugal, o homem e a mulher «já não são dois, mas uma
só carne» e são chamados a crescer continuamente nesta
comunhão através da fidelidade quotidiana à promessa
matrimonial do recíproco dom total.
Esta comunhão conjugal radica-se na
complementariedade natural que existe entre o homem e a mulher
e alimenta-se mediante a vontade pessoal dos esposos de
condividir, num projecto de vida integral, o que têm e o que
são: por isso, tal comunhão é fruto e sinal de uma exigência
profundamente humana. Porém, em Cristo, Deus assume esta
exigência humana, confirma-a, purifica-a e eleva-a,
conduzindo-a à perfeição com o sacramento do matrimónio: o
Espírito Santo infuso na celebração sacramental oferece aos
esposos cristãos o dom de uma comunidade nova, de amor, que é
a imagem viva e real daquela unidade singularíssima, que torna
a Igreja o indivisível Corpo Místico do Senhor.
O dom do Espírito é um mandamento de vida
para os esposos cristãos e, ao mesmo tempo, impulso
estimulante a que progridam continuamente numa união cada vez
mais rica a todos os níveis - dos corpos, dos caracteres, dos
corações, das inteligências e das vontades, das almas -
revelando deste modo à Igreja e ao mundo a nova comunhão de
amor, doada pela graça de Cristo.
A poligamia contradiz radicalmente uma
tal comunhão. Nega de facto, directamente o plano de Deus como
nos foi revelado nas origens, porque contrária à igual
dignidade pessoal entre o homem e a mulher, que no matrimónio
se doam com um amor total e por isso mesmo único e exclusivo.
Como escreve o Concílio Vaticano II: «A unidade do matrimónio,
confirmado pelo Senhor, manifesta-se também claramente na
igual dignidade pessoal da mulher e do homem que se deve
reconhecer no mútuo e pleno amor».
Uma comunhão indissolúvel
20. A comunhão conjugal caracteriza-se
não só pela unidade mas também pela sua indissolubilidade:
«Esta união íntima, já que é dom recíproco de duas pessoas,
exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira
fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união».
É dever fundamental da Igreja reafirmar
vigorosamente - como fizeram os Padres do Sínodo - a doutrina
da indissolubilidade do matrimónio: a quantos, nos nossos
dias, consideram difícil ou mesmo impossível ligar-se a uma
pessoa por toda a vida e a quantos, subvertidos por uma
cultura que rejeita a indissolubilidade matrimonial e que
ridiculariza abertamente o empenho de fidelidade dos esposos,
é necessário reafirmar o alegre anúncio da forma definitiva
daquele amor conjugal, que tem em Jesus Cristo o fundamento e
o vigor.
Radicada na doação pessoal e total dos
cônjuges e exigida pelo bem dos filhos, a indissolubilidade do
matrimónio encontra a sua verdade última no desígnio que Deus
manifestou na Revelação: Ele quer e concede a
indissolubilidade matrimonial como fruto, sinal e exigência do
amor absolutamente fiel que Deus Pai manifesta pelo homem e
que Cristo vive para com a Igreja.
Cristo renova o desígnio primitivo que o
Criador inscreveu no coração do homem e da mulher, e, na
celebração do sacramento do matrimónio, oferece um «coração
novo»: assim os cônjuges podem não só superar a «dureza do
coração», mas também e sobretudo compartir o amor pleno e
definitivo de Cristo, nova e eterna Aliança feita carne. Assim
como o Senhor Jesus é a «testemunha fiel», é o «sim» das
promessas de Deus e, portanto, a realização suprema da
fidelidade incondicional com que Deus ama o seu povo, da mesma
forma os cônjuges cristãos são chamados a uma participação
real na indissolubilidade irrevogável, que liga Cristo à
Igreja, sua esposa, por Ele amada até ao fim.
O dom do sacramento é, ao mesmo tempo,
vocação e dever dos esposos cristãos, para que permaneçam
fiéis um ao outro para sempre, para além de todas as provas e
dificuldades, em generosa obediência à santa vontade do
Senhor: «O que Deus uniu, não o separe o homem».
Testemunhar o valor
inestimável da indissolubilidade e da fidelidade matrimonial é
uma das tarefas mais preciosas e mais urgentes dos casais
cristãos do nosso tempo. Por isso, juntamente com todos os
Irmãos que participaram no Sínodo dos Bispos, louvo e encorajo
os numerosos casais que, embora encontrando não pequenas
dificuldades, conservam e desenvolvem o dom da
indissolubilidade: cumprem desta maneira, de um modo humilde e
corajoso, o dever que lhes foi confiado de ser no mundo um
«sinal» - pequeno e precioso sinal, submetido também às vezes
à tentação, mas sempre renovado - da fidelidade infatigável
com que Deus e Jesus Cristo amam todos os homens e cada homem.
Mas é também imperioso reconhecer o valor do testemunho
daqueles cônjuges que, embora tendo sido abandonados pelo
consorte, com a força da fé e da esperança cristãs, não
contraíram uma nova união. Estes cônjuges dão também um
autêntico testemunho de fidelidade, de que tanto necessita o
mundo de hoje. Por isto mesmo devem ser encorajados e ajudados
pelos pastores e pelos fiéis da Igreja.
A comunhão mais ampla da família
21. A comunhão conjugal constitui o
fundamento sobre o qual se continua a edificar a mais ampla
comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das
irmãs entre si, dos parentes e de outros familiares.
Tal comunhão radica-se nos laços naturais
da carne e do sangue, e desenvolve-se encontrando o seu
aperfeiçoamento propriamente humano na instauração e maturação
dos laços ainda mais profundos e ricos do espírito: o amor,
que anima as relações interpessoais dos diversos membros da
família, constitui a força interior que plasma e vivifica a
comunhão e a comunidade familiar.
A família cristã é, portanto, chamada a
fazer a experiência de uma comunhão nova e original, que
confirma e aperfeiçoa a comunhão natural e humana. Na
realidade, a graça de Jesus Cristo, «o Primogénito entre
muitos irmãos», é por sua natureza e dinamismo interior uma
«graça de fraternidade» como a chama Santo Tomás de Aquino. O
Espírito Santo, que se infunde na celebração dos sacramentos,
é a raiz viva e o alimento inexaurível da comunhão
sobrenatural que estreita e vincula os crentes com Cristo, na
unidade da Igreja de Deus. Uma revelação e actuação específica
da comunhão eclesial é constituída pela família cristã que
também, por isto, se pode e deve chamar «Igreja doméstica»,
Todos os membros da família, cada um
segundo o dom que lhe é peculiar, possuem a graça e a
responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de
pessoas, fazendo da família uma «escola de humanismo mais
completo e mais rico»: é o que vemos surgir com o cuidado e o
amor para com os mais pequenos, os doentes e os anciãos; com o
serviço recíproco de todos os dias; com a comparticipação nos
bens, nas alegrias e nos sofrimentos.
Um momento fundamental para construir uma
comunhão semelhante é constituído pelo intercambio educativo
entre pais e filhos, no qual cada um deles dá e recebe.
Mediante o amor, o respeito, a obediência aos pais, os filhos
dão o seu contributo específico e insubstituível para a
edificação de uma família autenticamente humana e cristã. Isso
ser-lhe-á facilitado, se os pais exercerem a sua autoridade
irrenunciável como um «ministério» verdadeiro e pessoal, ou
seja, como um serviço ordenado ao bem humano e cristão dos
filhos, ordenado particularmente a proporcionar-lhes uma
liberdade verdadeiramente responsável; e se os pais mantiverem
viva a consciência do «dom» que recebem continuamente dos
filhos.
A comunhão familiar só pode ser
conservada e aperfeiçoada com grande espírito de sacrifício.
Exige, de facto, de todos e de cada um, pronta e generosa
disponibilidade à compreensão, à tolerância, ao perdão, à
reconciliação. Nenhuma família ignora como o egoísmo, o
desacordo, as tensões, os conflitos agridem, de forma violenta
e às vezes mortal, a comunhão: daqui as múltiplas e variadas
formas de divisão da vida familiar. Mas, ao mesmo tempo, cada
família é sempre chamada pelo Deus da paz a fazer a
experiência alegre e renovadora da «reconciliação», ou seja,
da comunhão restabelecida, da unidade reencontrada Em
particular a participação no sacramento da reconciliação e no
banquete do único Corpo de Cristo oferece à família cristã a
graça e a responsabilidade de superar todas as divisões e de
caminhar para a plena verdade querida por Deus, respondendo
assim ao vivíssimo desejo do Senhor: que «todos sejam um».
Direitos e função da mulher
22. Enquanto é, e deve tornar-se,
comunhão e comunidade de pessoas, a família encontra no amor a
fonte e o estímulo incessante para acolher, respeitar e
promover cada um dos seus membros na altíssima dignidade de
pessoas, isto é, de imagens vivas de Deus. Como justamente
afirmaram os Padres Sinodais, o critério moral da
autenticidade das relações conjugais e familiares consiste na
promoção da dignidade e vocação de cada uma das pessoas que
encontram a sua plenitude mediante o dom sincero de si mesmas.
Nesta perspectiva, o Sínodo quis prestar
atenção privilegiada à mulher, aos seus direitos e função na
família e na sociedade. Nesta mesma perspectiva devem
considerar-se também o homem como esposo e pai, a criança e os
anciãos.
É de ressaltar antes de tudo a igual
dignidade e responsabilidade da mulher em relação ao homem:
tal igualdade encontra uma forma singular de realização na
doação recíproca de si ao outro e de ambos aos filhos, doação
que é específica do matrimónio e da família. Tudo o que a
razão intui e reconhece, vem revelado plenamente pela Palavra
de Deus: a história da salvação é, de facto, um contínuo e
claro testemunho da dignidade da mulher.
Ao criar o homem «varão e mulher», Deus
dá a dignidade pessoal de igual modo ao homem e à mulher,
enriquecendo-os dos direitos inalienáveis e das
responsabilidades que são próprias da pessoa humana. Deus
manifesta ainda na forma mais elevada possível a dignidade da
mulher, ao assumir Ele mesmo a carne humana da Virgem Maria,
que a Igreja honra como Mãe de Deus, chamando-a nova Eva e
propondo-a como modelo da mulher redimida. O delicado respeito
de Jesus para com as mulheres a quem chamou ao seu séquito e
amizade, a aparição na manhã da Páscoa a uma mulher antes que
aos discípulos, a missão confiada às mulheres de levar a boa
nova da Ressurreição aos apóstolos, são tudo sinais que
confirmam a especial estima de Jesus para com a mulher. Dirá o
Apóstolo Paulo: «Porque todos vós sois filhos de Deus,
mediante a fé em Jesus Cristo ... Não há judeu nem grego; não
há servo nem livre; não há homem nem mulher, pois todos vós
sois um só em Cristo Jesus».
A mulher e a sociedade
23. Sem entrar agora a tratar nos seus
vários aspectos o amplo e complexo tema das relações
mulher-sociedade, mas limitando estas considerações a alguns
pontos essenciais, não se pode deixar de observar como, no
campo mais especificamente familiar, uma ampla e difundida
tradição social e cultural tenha pretendido confiar à mulher
só a tarefa de esposa e mãe, sem a estender adequadamente às
funções públicas, em geral, reservadas ao homem.
Não há dúvida que a igual dignidade e
responsabilidade do homem e da mulher justificam plenamente o
acesso da mulher às tarefas públicas. Por outro lado, a
verdadeira promoção da mulher exige também que seja claramente
reconhecido o valor da sua função materna e familiar em
confronto com todas as outras tarefas públicas e com todas as
outras profissões. De resto, tais tarefas e profissões devem
integrar-se entre si se se quer que a evolução social e
cultural seja verdadeira e plenamente humana.
Isto conseguir-se-á mais facilmente se,
como o desejou o Sínodo, uma renovada «teologia do trabalho»
esclarecer e aprofundar o significado do trabalho na vida
cristã e determinar o laço fundamental que existe entre o
trabalho e a família, e, portanto, o significado original e
insubstituível do trabalho da casa e da educação dos filhos.
Portanto a Igreja pode e deve ajudar a sociedade actual
pedindo insistentemente que seja reconhecido por todos e
honrado no seu insubstituível valor o trabalho da mulher em
casa. Isto é de importância particular na obra educativa: de
facto, elimina-se a própria raiz da possível discriminação
entre os diversos trabalhos e profissões, logo que se veja
claramente como todos, em cada campo, se empenham com idêntico
direito e com idêntica responsabilidade. Deste modo aparecerá
mais esplendente a imagem de Deus no homem e na mulher.
Se há que reconhecer às mulheres, como
aos homens, o direito de ascender às diversas tarefas
públicas, a sociedade deve estruturar-se, contudo, de maneira
tal que as esposas e as mães não sejam de facto constrangidas
a trabalhar fora de casa e que a família possa dignamente
viver e prosperar, mesmo quando elas se dedicam totalmente ao
lar próprio.
Deve além disso superar-se a mentalidade
segundo a qual a honra da mulher deriva mais do trabalho
externo do que da actividade familiar. Mas isto exige que se
estime e se ame verdadeiramente a mulher com todo o respeito
pela sua dignidade pessoal, e que a sociedade crie e
desenvolva as devidas condições para o trabalho doméstico.
A Igreja, com o devido respeito pela
vocação diversa do homem e da mulher, deve promover, na medida
do possível, também na sua vida, a igualdade deles quanto a
direitos e dignidades, e isto para o bem de todos: da família,
da Igreja e da sociedade.
É evidente, porém, que isto não significa
para a mulher a renúncia à sua feminilidade nem a imitação do
carácter masculino, mas a plenitude da verdadeira humanidade
feminil, tal como se deve exprimir no seu agir, quer na
família quer fora dela, sem contudo esquecer, neste campo, a
variedade dos costumes e das culturas.
Ofensas à dignidade da mulher
24. Infelizmente a mensagem cristã
acerca da dignidade da mulher vem sendo impugnada por aquela
persistente mentalidade que considera o ser humano não como
pessoa, mas como coisa, como objecto de compra-venda, ao
serviço de um interesse egoístico e exclusivo do prazer: e a
primeira vítima de tal mentalidade é a mulher.
Esta mentalidade produz frutos bastante
amargos, como o desprezo do homem e da mulher, a escravidão, a
opressão dos fracos, a pornografia, a prostituição - sobretudo
quando é organizada - e todas aquelas várias discriminações
que se encontram no âmbito da educação, da profissão, da
retribuição do trabalho, etc.
Além disso, ainda hoje, em grande parte
da nossa sociedade, permanecem muitas formas de discriminação
aviltante que ferem e ofendem gravemente algumas categorias
particulares de mulheres, como, por exemplo, as esposas que
não têm filhos, as viúvas, as separadas, as divorciadas, as
mães-solteiras.
Estas e outras discriminações foram
veementemente deploradas pelos Padres Sinodais. Solicito,
pois, que se desenvolva uma acção pastoral específica mais
vigorosa e incisiva, a fim de que sejam vencidas em
definitivo, para se poder chegar à estima plena da imagem de
Deus que resplandece em todos os seres humanos, sem nenhuma
exclusão.
O homem esposo e pai
25. É dentro da comunhão-comunidade
conjugal e familiar que o homem é chamado a viver o seu dom e
dever de esposo e pai.
Na esposa ele vê o cumprimento do
desígnio de Deus: «Não é conveniente que o homem esteja só;
vou dar-lhe um auxiliar semelhante a ele» e faz sua a
exclamação de Adão, o primeiro esposo: «Esta é, realmente,
osso dos meus ossos e carne da minha carne».
O amor conjugal autêntico supõe e exige
que o homem tenha um profundo respeito pela igual dignidade da
mulher: «Não és o senhor - escreve Santo Ambrósio - mas o
marido; não te foi dada como escrava, mas como mulher...
Retribui-lhe as atenções tidas para contigo e sê-lhe
agradecido pelo seu amor». Com a esposa o homem deve viver
«uma forma muito especial de amizade pessoal». O cristão, é,
além disso, chamado a desenvolver uma atitude de amor novo,
manifestando para com a sua esposa a caridade delicada e forte
que Cristo nutre pela Igreja.
O amor à esposa tornada mãe e o amor aos
filhos são para o homem o caminho natural para a compreensão e
realização da paternidade. De modo especial onde as condições
sociais e culturais constringem facilmente o pai a um certo
desinteresse em relação à família ou de qualquer forma a uma
menor presença na obra educativa, é necessário ser-se solícito
para que se recupere socialmente a convicção de que o lugar e
a tarefa do pai na e pela família são de importância única e
insubstituível. Como a experiência ensina, a ausência do pai
provoca desequilíbrios psicológicos e morais e dificuldades
notáveis nas relações familiares. O mesmo acontece também, em
circunstancias opostas, pela presença opressiva do pai,
especialmente onde ainda se verifica o fenómeno do «machismo»,
ou seja da superioridade abusiva das prerrogativas masculinas
que humilham a mulher e inibem o desenvolvimento de relações
familiares sadias.
Revelando e revivendo na terra a mesma
paternidade de Deus, o homem é chamado a garantir o
desenvolvimento unitário de todos os membros da família.
Cumprirá tal dever mediante uma generosa responsabilidade pela
vida concebida sob o coração da mãe e por um empenho educativo
mais solícito e condividido com a esposa, por um trabalho que
nunca desagregue a família mas a promova na sua constituição e
estabilidade, por um testemunho de vida cristã adulta, que
introduza mais eficazmente os filhos na experiência viva de
Cristo e da Igreja.
Os direitos da criança
26. Na família, comunidade de pessoas,
deve reservar-se uma especialíssima atenção à criança,
desenvolvendo uma estima profunda pela sua dignidade pessoal
como também um grande respeito e um generoso serviço pelos
seus direitos. Isto vale para cada criança, mas adquire uma
urgência singular quanto mais pequena e desprovida, doente,
sofredora ou diminuída for a criança.
Solicitando e vivendo um cuidado terno e
forte por cada criança que vem a este mundo, a Igreja cumpre
uma sua missão fundamental: revelar e repetir na história o
exemplo e o mandamento de Cristo, que quis pôr a criança em
destaque no Reino de Deus: «Deixai vir a Mim os pequeninos e
não os impeçais pois deles é o reino de Deus».
Repito novamente o que disse na
Assembleia geral das Nações Unidas em 2 de Outubro de 1979:
«Desejo ... exprimir a felicidade que para cada um de nós
constituem as crianças, primavera da vida, antecipação da
história futura de cada pátria terrestre. Nenhum país do
mundo, nenhum sistema político pode pensar no seu futuro senão
através da imagem destas novas gerações que assumirão dos pais
o múltiplo património dos valores, dos deveres e das
aspirações da nação à qual pertencem, e o de toda a família
humana. A solicitude pela criança ainda antes do nascimento,
desde o primeiro momento da concepção e, depois, nos anos da
infancia e da adolescência, é a primária e fundamental prova
da relação do homem com o homem. E, portanto, que mais se
poderá augurar a cada nação e a toda a humanidade, a todas as
crianças do mundo senão aquele futuro melhor no qual o
respeito dos direitos do homem se torne plena realidade no
aproximar-se do ano dois mil?».
O acolhimento, o amor, a estima, o
serviço multíplice e unitário - material, afectivo, educativo,
espiritual - a cada criança que vem a este mundo deverão
constituir sempre uma nota distintiva irrenunciável dos
cristãos, em particular das famílias cristãs. Deste modo as
crianças, ao poderem crescer «em sabedoria, idade e graça
diante de Deus e dos homens», darão o seu precioso contributo
à edificação da comunidade familiar e à santificação dos pais.
Os anciãos na família
27. Há culturas que manifestam uma
veneração singular e um grande amor pelo ancião: longe de ser
excluído da família ou de ser suportado como um peso inútil, o
ancião continua inserido na vida familiar, tomando nela parte
activa e responsável - embora devendo respeitar a autonomia da
nova família - e sobretudo desenvolvendo a missão preciosa de
testemunha do passado e de inspirador de sabedoria para os
jovens e para o futuro.
Outras culturas, pelo contrário,
especialmente depois de um desenvolvimento industrial e
urbanístico desordenado, forçaram e continuam a forçar os
anciãos a situações inaceitáveis de marginalização que são
fonte de atrozes sofrimentos para eles mesmos e de
empobrecimento espiritual para muitas famílias.
É necessário que a acção pastoral da
Igreja estimule todos a descobrir e a valorizar as tarefas dos
anciãos na comunidade civil e eclesial, e, em particular, na
família. Na realidade, «a vida dos anciãos ajuda-nos a
esclarecer a escala dos valores humanos; mostra a continuidade
das gerações e demonstra maravilhosamente a interdependência
do povo de Deus. Os anciãos têm além disso o carisma de encher
os espaços vazios entre gerações, antes que se sublevem.
Quantas crianças têm encontrado compreensão e amor nos olhos,
nas palavras e nos carinhos dos anciãos! E quantas pessoas de
idade têm subscrito com gosto as inspiradas palavras bíblicas
que a "coroa dos anciãos são os filhos dos filhos" (Prov. 17,
6)».
II - O SERVIÇO À VIDA
1) A transmissão da vida
Cooperadores do amor de Deus Criador
28. Com a criação do homem e da mulher à
sua imagem e semelhança, Deus coroa e leva à perfeição a obra
das suas mãos: Ele chama-os a uma participação especial do seu
amor e do seu poder de Criador e de Pai, mediante uma
cooperação livre e responsável deles na transmissão do dom da
vida humana: «Deus abençoou-os e disse-lhes: "crescei e
multiplicai-vos, enchei e dominai a terra"»,
Assim a tarefa fundamental da família é o
serviço à vida. É realizar, através da história, a bênção
originária do Criador, transmitindo a imagem divina pela
geração de homem a homem.
A fecundidade é o fruto e o sinal do amor
conjugal, o testemunho vivo da plena doação recíproca dos
esposos: «O autêntico culto do amor conjugal e toda a vida
familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do
matrimónio, tendem a que os esposos, com fortaleza de animo,
estejam dispostos a colaborar com o amor do Criador e
Salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece
a família»,
A fecundidade do amor conjugal não se
restringe somente à procriação dos filhos, mesmo que entendida
na dimensão especificamente humana: alarga-se e enriquece-se
com todos aqueles frutos da vida moral, espiritual e
sobrenatural que o pai e a mãe são chamados a doar aos filhos
e, através dos filhos, à Igreja e ao mundo.
A doutrina e a norma sempre antigas e
sempre novas da Igreja
29. Exactamente porque o amor dos
cônjuges é uma participação singular no mistério da vida e no
amor do próprio Deus, a Igreja tem consciência de ter recebido
a missão especial de guardar e de proteger a altíssima
dignidade do matrimónio e a gravíssima responsabilidade da
transmissão da vida humana.
Desta maneira, na continuidade com a
tradição viva da comunidade eclesial através da história, o
Concílio Vaticano II e o magistério do meu Predecessor Paulo
VI, expresso sobretudo na encíclica Humanae Vitae,
transmitiram aos nossos tempos um anúncio verdadeiramente
profético, que reafirma e repõe, com clareza, a doutrina e a
norma sempre antigas e sempre novas da Igreja sobre o
matrimónio e sobre a transmissão da vida humana.
Por isso, os Padres Sinodais declaram
textualmente na última Assembleia: «Este Sacro Sínodo reunido
em união de fé com o Sucessor de Pedro, sustenta firmemente o
que foi proposto pelo Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes,
50 e, depois, pela encíclica Humanae Vitae, e em particular
que o amor conjugal deve ser plenamente humano, exclusivo e
aberto a nova vida (Humanae Vitae, 11 e cfr. 9 e 12)».
A Igreja está do lado da vida
30. A doutrina da Igreja coloca-se hoje
numa situação social e cultural que a torna mais difícil de
ser compreendida e ao mesmo tempo mais urgente e
insubstituível para promover o verdadeiro bem do homem e da
mulher.
De facto o progresso científico-técnico
que o homem contemporâneo amplia continuamente no domínio
sobre a natureza, não só desenvolve a esperança de criar uma
humanidade nova e melhor, mas gera também uma sempre mais
profunda angústia sobre o futuro. Alguns perguntam-se se viver
é bom ou se não teria sido melhor nem sequer ter nascido.
Duvidam, portanto, se será lícito chamar outros à vida, que
talvez amaldiçoarão a sua existência num mundo cruel, cujos
terrores nem sequer são previsíveis. Outros pensam que são os
únicos destinatários das vantagens da técnica e excluem os
demais, impondo-lhes meios contraceptivos ou técnicas ainda
piores. Outros ainda, manietados como estão pela mentalidade consumística e com a única preocupação de um aumento contínuo
dos bens materiais, acabam por não chegar a compreender e
portanto por rejeitar a riqueza espiritual de uma nova vida
humana. A razão última destas mentalidades é a ausência de
Deus do coração dos homens, cujo amor só por si é mais forte
do que todos os possíveis medos do mundo e tem o poder de os
vencer.
Nasceu assim uma mentalidade contra a
vida (anti-life mentality), como emerge de muitas questões
actuais: pense-se, por exemplo, num certo panico derivado dos
estudos dos ecólogos e dos futurólogos sobre a demografia, que
exageram, às vezes, o perigo do incremento demográfico para a
qualidade da vida.
Mas a Igreja crê firmemente que a vida
humana, mesmo se débil e com sofrimento, é sempre um
esplêndido dom do Deus da bondade. Contra o pessimismo e o
egoísmo que obscurecem o mundo, a Igreja está do lado da vida:
e em cada vida humana sabe descobrir o esplendor daquele
«Sim», daquele «Amém» que é o próprio Cristo. Ao «não» que
invade e aflige o mundo, contrapõe este «Sim» vivente,
defendendo deste modo o homem e o mundo de quantos insidiam e
mortificam a vida.
A Igreja é chamada a manifestar
novamente a todos, com uma firme e mais clara convicção, a
vontade de promover, com todos os meios e de defender contra
todas as insídias a vida humana, em qualquer condição e estado
de desenvolvimento em que se encontre.
Por tudo isto a Igreja condena como
ofensa grave à dignidade humana e à justiça todas aquelas
actividades dos governos ou de outras autoridades públicas,
que tentam limitar por qualquer modo a liberdade dos cônjuges
na decisão sobre os filhos. Consequentemente qualquer
violência exercitada por tais autoridades em favor da
contracepção e até da esterilização e do aborto procurado, é
absolutamente de condenar e de rejeitar com firmeza. Do mesmo
modo é de reprovar como gravemente injusto o facto de nas
relações internacionais, a ajuda económica concedida para a
promoção dos povos ser condicionada a programas de
contracepção, esterilização e aborto procurado.
Para que o plano divino se realize sempre
mais plenamente
31. A Igreja está sem dúvida consciente
dos múltiplos e complexos problemas que hoje em muitos países
envolvem os cônjuges no seu dever de transmitir
responsavelmente a vida. Reconhece também o grave problema do
incremento demográfico, como se apresenta nas diversas partes
do mundo, e as relativas implicações morais.
A Igreja considera, todavia, que uma
reflexão aprofundada de todos os aspectos de tais problemas
ofereça uma nova e mais forte confirmação da importância da
doutrina autêntica sobre a regulação da natalidade, reproposta
no Concílio Vaticano II e na encíclica Humanae Vitae.
Por isto, juntamente com os Padres
Sinodais, sinto o dever de dirigir um urgente convite aos
teólogos a fim de que, unindo as suas forças para colaborar
com o Magistério hierárquico, se empenhem em iluminar cada vez
melhor os fundamentos bíblicos, as motivações éticas e as
razões personalísticas desta doutrina. Será assim possível, no
contexto de uma exposição orgânica, tornar a doutrina da
Igreja sobre este tema fundamental verdadeiramente acessível a
todos os homens de boa vontade, favorecendo uma compreensão
cada dia mais luminosa e profunda: desta forma o plano divino
poderá ser sempre mais plenamente cumprido para a salvação do
homem e para a glória do Criador.
A tal respeito, o empenho concorde dos
teólogos, inspirado pela adesão convencida ao Magistério, que
é o único guia autêntico do Povo de Deus, apresenta particular
urgência mesmo em razão da visão do homem que a Igreja propõe:
dúvidas ou erros no campo matrimonial ou familiar implicam um
grave obscurecer-se da verdade integral sobre o homem numa
situação cultural já tão frequentemente confusa e
contraditória O contributo de iluminação e de investigação,
que os teólogos são chamados a oferecer no cumprimento da sua
missão específica, tem um valor incomparável e representa um
serviço singular, altamente meritório, à família e à
humanidade.
Na visão integral do homem e da sua
vocação
32. No contexto de uma cultura que
deforma gravemente ou chega até a perder o verdadeiro
significado da sexualidade humana, porque a desenraíza da sua
referência essencial à pessoa, a Igreja sente como mais
urgente e insubstituível a sua missão de apresentar a
sexualidade como valor e tarefa de toda a pessoa criada, homem
e mulher, à imagem de Deus.
Nesta perspectiva o Concílio Vaticano II
afirmou claramente que «quando se trata de conciliar o amor
conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade
do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção
e da apreciação dos motivos; deve também determinar-se por
critérios objectivos, tomados da natureza da pessoa e dos seus
actos; critérios que respeitam, num contexto de autêntico
amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo
isto só é possível se se cultivar sinceramente a virtude da
castidade conjugal».
É exactamente partindo da «visão integral
do homem e da sua vocação, não só natural e terrena, mas
também sobrenatural e eterna», que Paulo VI afirmou que a
doutrina da Igreja «se funda na conexão inseparável, que Deus
quis e que o homem não pode quebrar por sua iniciativa, entre
os dois significados do acto conjugal: o significado unitivo e
o significado procriativo», E conclui reafirmando que é de
excluir, como intrinsecamente desonesta, «toda a acção que, ou
em previsão do acto conjugal, ou na sua realização, ou no
desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha,
como fim ou como meio, tornar a procriação impossível».
Quando os cônjuges, mediante o recurso à
contracepção, separam estes dois significados que Deus Criador
inscreveu no ser do homem e da mulher e no dinamismo da sua
comunhão sexual, comportam-se como «árbitros» do plano divino
e «manipulam» e aviltam a sexualidade humana, e com ela a
própria pessoa e a do cônjuge, alterando desse modo o valor da
doação «total». Assim, à linguagem nativa que exprime a
recíproca doação total dos cônjuges, a contracepção impõe uma
linguagem objectivamente contraditória, a do não doar-se ao
outro: deriva daqui, não somente a recusa positiva de abertura
à vida, mas também uma falsificação da verdade interior do
amor conjugal, chamado a doar-se na totalidade pessoal.
Quando pelo contrário os cônjuges,
mediante o recurso a períodos de infecundidade, respeitam a
conexão indivisível dos significados unitivo e procriativo da
sexualidade humana, comportam-se como «ministros» de plano de
Deus e «usufruem» da sexualidade segundo o dinamismo
originário da doação «total», se manipulações e alterações.
À luz da experiência mesma de tantos
casais e dos dados das diversas ciências humanas, a reflexão
teológica pode receber e é chamada a aprofundar a diferença
antropológica e ao mesmo tempo moral, que existe entre a
contracepção e o recurso aos ritmos temporais: trata-se de uma
diferença bastante mais vasta e profunda de quanto
habitualmente se possa pensar e que, em última análise,
envolve duas concepções da pessoa e da sexualidade humana
irredutíveis entre si. A escolha dos ritmos naturais, de
facto, comporta a aceitação do ritmo biológico da mulher, e
com isto também a aceitação do diálogo, do respeito recíproco,
da responsabilidade comum, do domínio de si. Acolher, depois,
o tempo e o diálogo significa reconhecer o carácter
conjuntamente espiritual e corpóreo da comunhão conjugal, como
também viver o amor pessoal na sua exigência de fidelidade.
Neste contexto o casal faz a experiência da comunhão conjugal
enriquecida daqueles valores de ternura e afectividade, que
constituem o segredo profundo da sexualidade humana, mesmo na
sua dimensão física. Desta maneira a sexualidade é respeitada
e promovida na sua dimensão verdadeira e plenamente humana,
não sendo nunca «usada» como um «objecto» que, dissolvendo a
unidade pessoal da alma e do corpo, fere a própria criação de
Deus na relação mais íntima entre a natureza e a pessoa.
A Igreja Mestra e Mãe para os cônjuges em
dificuldade
33. Também no campo da moral conjugal a
Igreja é e age como Mestra e Mãe.
Como Mestra, ela não se cansa de
proclamar a norma moral que deve guiar a transmissão
responsável da vida. De tal norma a Igreja não é, certamente,
nem a autora nem o juiz. Em obediência à verdade que é Cristo,
cuja imagem se reflecte na natureza e na dignidade da pessoa
humana, a Igreja interpreta a norma moral e propõe-na a todos
os homens de boa vontade, sem esconder as suas exigências de
radicalidade e de perfeição.
Como Mãe, a Igreja está próxima dos
muitos casais que se encontram em dificuldade sobre este
importante ponto da vida moral: conhece bem a sua situação,
frequentemente muito árdua e às vezes verdadeiramente
atormentada por dificuldades de toda a espécie, não só
individuais mas também sociais; sabe que muitos cônjuges
encontram dificuldades não só para a realização concreta mas
também para a própria compreensão dos valores ínsitos na norma
moral.
Mas é a mesma e única Igreja a ser ao
mesmo tempo Mestra e Mãe. Por isso a Igreja nunca se cansa de
convidar e de encorajar para que as eventuais dificuldades
conjugais sejam resolvidas sem nunca falsificar e comprometer
a verdade: ela está de facto convencida de que não pode
existir verdadeira contradição entre a lei divina de
transmitir a vida e a de favorecer o autêntico amor conjugal.
Por isso, a pedagogia concreta da Igreja deve estar sempre
ligada e nunca separada da sua doutrina. Repito, portanto, com
a mesmíssima persuasão do meu Predecessor: «Não diminuir em
nada a doutrina salutar de Cristo é eminente forma de caridade
para com as almas».
Por outro lado, a autêntica pedagogia
eclesial revela o seu realismo e a sua sabedoria só
desenvolvendo um empenhamento tenaz e corajoso no criar e
sustentar todas aquelas condições humanas - psicológicas,
morais e espirituais - que são indispensáveis para compreender
e viver o valor e a norma moral.
Não há dúvida de que entre estas
condições devem elencar-se a constância e a paciência, a
humildade e a fortaleza de espírito, a filial confiança em
Deus e na sua graça, o recurso frequente à oração e aos
sacramentos da Eucaristia e da reconciliação. Assim
fortalecidos, os cônjuges cristãos poderão manter viva a
consciência do influxo singular que a graça do sacramento do
matrimónio exerce sobre todas as realidades da vida conjugal,
e, portanto, também sobre a sua sexualidade: o dom do
Espírito, acolhido e correspondido pelos cônjuges, ajuda-os a
viver a sexualidade humana segundo o plano de Deus e como
sinal do amor unitivo e fecundo de Cristo pela Igreja.
Mas, entre as condições necessárias,
entra também o conhecimento da corporeidade e dos ritmos de
fertilidade. Em tal sentido, é preciso fazer tudo para que um
igual conhecimento se torne acessível a todos os cônjuges, e,
antes ainda às jovens, mediante uma informação e educação
clara, oportuna e séria, feita por casais, médicos e peritos.
O conhecimento deve conduzir à educação para o autocontrole:
daqui a absoluta necessidade da virtude da castidade e da
permanente educação para ela. Segundo a visão cristã, a
castidade não significa de modo nenhum nem a recusa nem a
falta de estima pela sexualidade humana: ela significa antes a
energia espiritual que sabe defender o amor dos perigos do
egoísmo e da agressividade e sabe voltá-lo para a sua plena
realização.
Paulo VI, com profundo intuito de
sabedoria e de amor, não fez outra coisa senão dar voz à
experiência de tantos casais quando na sua encíclica escreveu:
«O domínio do instinto, mediante a razão e a vontade livre,
impõe sem dúvida uma ascese para que as manifestações
afectivas da vida conjugal sejam segundo a ordem recta e
particularmente para a observância da continência periódica.
Mas esta disciplina própria da pureza dos esposos, muito longe
de prejudicar o amor conjugal, confere-lhe pelo contrário um
mais alto valor humano. Isto exige um esforço contínuo, mas
graças ao seu benéfico influxo, os cônjuges desenvolvem
integralmente a sua personalidade, enriquecendo-se de valores
espirituais: aquela traz à vida familiar frutos de serenidade
e de paz e facilita a solução de outros problemas; favorece a
atenção para com o consorte, ajuda os esposos a superar o
egoísmo, inimigo do amor, e aprofunda o sentido da
responsabilidade deles no cumprimento dos seus deveres. Os
pais adquirem então a capacidade de uma influência mais
profunda e eficaz na educação dos filhos».
O itinerário moral dos esposos
34. É sempre muito importante possuir uma
recta concepção da ordem moral, dos seus valores e das suas
normas: a importância aumenta quando se tornam mais numerosas
e graves as dificuldades para as respeitar.
Exactamente porque revela e propõe o
desígnio de Deus Criador, a ordem moral não pode ser algo de
mortificante para o homem e de impessoal; pelo contrário,
respondendo às exigências mais profundas do homem criado por
Deus, põe-se ao serviço da sua plena humanidade, com o amor
delicado e vinculante com o qual Deus mesmo inspira, sustenta
e guia cada criatura para a felicidade.
Mas o homem, chamado a viver
responsavelmente o plano sapiente e amoroso de Deus, é um ser
histórico, que se constrói, dia a dia, com numerosas decisões
livres: por isso ele conhece, ama e cumpre o bem moral segundo
etapas de crescimento.
Também os cônjuges, no âmbito da vida
moral, são chamados a um contínuo caminhar, sustentados pelo
desejo sincero e operante de conhecer sempre melhor os valores
que a lei divina guarda e promove, pela vontade recta e
generosa de os encarnar nas suas decisões concretas. Eles,
porém, não podem ver a lei só como puro ideal a conseguir no
futuro, mas devem considerá-la como um mandato de Cristo de
superar cuidadosamente as dificuldades. Por isso a chamada
«lei da graduação» ou caminho gradual não pode identificar-se
com a "graduação da lei", como se houvesse vários graus e
várias formas de preceito na lei divina para homens em
situações diversas. Todos os cônjuges são chamados, segundo o
plano de Deus, à santidade no matrimónio e esta alta vocação
realiza-se na medida em que a pessoa humana está em grau de
responder ao mandato divino com espírito sereno, confiando na
graça divina e na vontade própria». Na mesma linha a pedagogia
da Igreja compreende que os cônjuges antes de tudo reconheçam
claramente a doutrina da Humanae Vitae como normativa para o
exercício da sexualidade e sinceramente se empenhem em pôr as
condições necessárias para a observar.
Esta pedagogia, como sublinhou o Sínodo,
compreende toda a vida conjugal. Por isso a obrigação de
transmitir a vida deve integrar-se na missão global da
totalidade da vida cristã, a qual, sem a cruz, não pode chegar
à ressurreição. Em semelhante contexto compreende-se como não
se possa suprimir da vida familiar o sacrifício, mas antes se
deva aceitá-lo com o coração para que o amor conjugal se
aprofunde e se torne fonte de alegria íntima.
Este caminho comum exige reflexão,
informação, instrução idónea dos sacerdotes, dos religiosos e
dos leigos que estão empenhados na pastoral familiar: todos
eles poderão ajudar os cônjuges no itinerário humano e
espiritual que comporta em si a consciência do pecado, o
sincero empenho de observar a lei moral, o ministério da
reconciliação. Deve também ser recordado como na intimidade
conjugal estão implicadas as vontades das duas pessoas,
chamadas a uma harmonia de mentalidade e comportamento: isto
exige não pouca paciência, simpatia e tempo. De singular
importância neste campo é a unidade dos juízos morais e
pastorais dos sacerdotes: tal unidade deve cuidadosamente ser
procurada e assegurada, para que os fiéis não tenham que
sofrer problemas de consciência.
O caminho dos cônjuges será portanto
facilitado se, na estima da doutrina da Igreja e na confiança
na graça de Cristo, ajudados e acompanhados pelos pastores e
pela inteira comunidade eclesial, descobrirem e experimentarem
o valor da libertação e da promoção do amor autêntico, que o
Evangelho oferece e o mandamento do Senhor propõe.
Suscitar convicções e oferecer uma ajuda
concreta
35. Diante do problema de uma honesta
regulação da natalidade, a comunidade eclesial, no tempo
presente, deve assumir como seu dever suscitar convicções e
oferecer uma ajuda concreta a quantos quiserem viver a
paternidade e a maternidade de modo verdadeiramente
responsável.
Neste campo, enquanto se congratula com
os resultados conseguidos pelas investigações científicas de
um conhecimento mais preciso dos ritmos de fertilidade
feminina e estimula uma mais decisiva e ampla extensão de tais
estudos, a Igreja cristã não pode não solicitar com renovado
vigor a responsabilidade de quantos - médicos, peritos,
conselheiros conjugais, educadores, casais - podem
efectivamente ajudar os cônjuges a viver o seu amor com
respeito pela estrutura e pelas finalidades do acto conjugal
que o exprime. Isto quer dizer um empenho mais vasto, decisivo
e sistemático, para fazer conhecer, apreciar e aplicar os
métodos naturais de regulação da fertilidade.
Um testemunho precioso pode e deve ser
dado por aqueles esposos que, mediante o comum empenho na
continência periódica, chegaram a uma responsabilidade pessoal
mais madura em relação ao amor e à vida. Como escrevia Paulo
VI: «a esses confia o Senhor a tarefa de fazer visível aos
homens a santidade e a suavidade da lei que une o amor mútuo
dos esposos e a cooperação deles com o amor de Deus autor da
vida humana».
2) A educação
O direito-dever dos pais de educar
36. O dever de educar mergulha as raízes
na vocação primordial dos cônjuges à participação na obra
criadora de Deus: gerando no amor e por amor uma nova pessoa,
que traz em si a vocação ao crescimento e ao desenvolvimento,
os pais assumem por isso mesmo o dever de a ajudar eficazmente
a viver uma vida plenamente humana. Como recordou o Concílio
Vaticano II: «Os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm
uma gravíssima obrigação de educar a prole e, por isso, devem
ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores.
Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir,
dificilmente poderá ser suprida. Com efeito, é dever dos pais
criar um ambiente de tal modo animado pelo amor e pela piedade
para com Deus e para com os homens que favoreça a completa
educação pessoal e social dos filhos. A família é, portanto, a
primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm
necessidade».
O direito-dever educativo dos pais
qualifica-se como essencial, ligado como está à transmissão da
vida humana; como original e primário, em relação ao dever de
educar dos outros, pela unicidade da relação de amor que
subsiste entre pais e filhos; como insubstituível e
inalienável, e portanto, não delegável totalmente a outros ou
por outros usurpável.
Para além destas características, não se
pode esquecer que o elemento mais radical, que qualifica o
dever de educar dos pais é o amor paterno e materno, o qual
encontra na obra educativa o seu cumprimento ao tornar pleno e
perfeito o serviço à vida: o amor dos pais de fonte torna-se
alma e, portanto, norma, que inspira e guia toda a acção
educativa concreta, enriquecendo-a com aqueles valores de
docilidade, constância, bondade, serviço, desinteresse,
espírito de sacrifício, que são o fruto mais precioso do amor.
Educar para os valores essenciais da vida
humana
37. Embora no meio das dificuldades da
obra educativa, hoje muitas vezes agravada, os pais devem, com
confiança e coragem, formar os filhos para os valores
essenciais da vida humana. Os filhos devem crescer numa justa
liberdade diante dos bens materiais, adoptando um estilo de
vida simples e austero, convencidos de que «o homem vale mais
pelo que é do que pelo que tem»
Numa sociedade agitada e desagregada por
tensões e conflitos em razão do violento choque entre os
diversos individualismos e egoísmos, os filhos devem
enriquecer-se não só do sentido da verdadeira justiça que, por
si só conduz ao respeito pela dignidade pessoal de cada um,
mas também e, ainda mais, do sentido do verdadeiro amor, como
solicitude sincera e serviço desinteressado para com os
outros, em particular os mais pobres e necessitados. A família
é a primeira e fundamental escola de sociabilidade: enquanto
comunidade de amor, ela encontra no dom de si a lei que a guia
e a faz crescer. O dom de si, que inspira o amor mútuo dos
cônjuges, deve por-se como modelo e norma daquele que deve ser
actuado nas relações entre irmãos e irmãs e entre as diversas
gerações que convivem na família. E a comunhão e a
participação quotidianamente vividas na casa, nos momentos de
alegria e de dificuldade, representam a mais concreta e eficaz
pedagogia para a inserção activa, responsável e fecunda dos
filhos no mais amplo horizonte da sociedade.
A educação para o amor como dom de si
constitui também a premissa indispensável para os pais
chamados a oferecer aos filhos uma clara e delicada educação
sexual. Diante de uma cultura que «banaliza» em grande parte a
sexualidade humana, porque a interpreta e a vive de maneira
limitada e empobrecida coligando-a unicamente ao corpo e ao
prazer egoístico, o serviço educativo dos pais deve dirigir-se
com firmeza para uma cultura sexual que seja verdadeira e
plenamente pessoal. A sexualidade, de facto, é uma riqueza de
toda a pessoa - corpo, sentimento e alma - e manifesta o seu
significado íntimo ao levar a pessoa ao dom de si no amor.
A educação sexual, direito e dever
fundamental dos pais, deve actuar-se sempre sob a sua solícita
guia, quer em casa quer nos centros educativos escolhidos e
controlados por eles. Neste sentido a Igreja reafirma a lei da
subsidiariedade, que a escola deve observar quando coopera na
educação sexual, ao imbuir-se do mesmo espírito que anima os
pais.
Neste contexto é absolutamente
irrenunciável a educação para a castidade como virtude que
desenvolve a autêntica maturidade da pessoa e a torna capaz de
respeitar e promover o «significado nupcial» do corpo. Melhor,
os pais cristãos reservarão uma particular atenção e cuidado,
discernindo os sinais da chamada de Deus, para a educação para
a virgindade como forma suprema daquele dom de si que
constitui o sentido próprio da sexualidade humana.
Pelos laços estreitos que ligam a
dimensão sexual da pessoa e os seus valores éticos, o dever
educativo deve conduzir os filhos a conhecer e a estimar as
normas morais como necessária e preciosa garantia para um
crescimento pessoal responsável na sexualidade humana.
Por isto a Igreja opõe-se firmemente a
uma certa forma de informação sexual, desligada dos princípios
morais, tão difundida, que não é senão uma introdução à
experiência do prazer e um estímulo que leva à perda - ainda
nos anos da inocência - da serenidade, abrindo as portas ao
vício.
A missão educativa e o sacramento do
matrimónio
38 Para os pais cristãos a missão
educativa, radicada como já se disse na sua participação na
obra criadora de Deus, tem uma nova e específica fonte no
sacramento do matrimónio, que os consagra para a educação
propriamente cristã dos filhos, isto é, que os chama a
participar da mesma autoridade e do mesmo amor de Deus Pai e
de Cristo Pastor, como também do amor materno da Igreja, e os
enriquece de sabedoria, conselho, fortaleza e de todos os
outros dons do Espírito Santo para ajudarem os filhos no seu
crescimento humano e cristão.
O dever educativo recebe do sacramento do
matrimónio a dignidade e a vocação de ser um verdadeiro e
próprio «ministério» da Igreja ao serviço da edificação dos
seus membros. Tal é a grandeza e o esplendor do ministério
educativo dos pais cristãos, que Santo Tomás não hesita em
compará-lo ao ministério dos sacerdotes: «Alguns propagam e
conservam a vida espiritual com um ministério unicamente
espiritual: é a tarefa do sacramento da ordem; outros fazem-no
quanto à vida corporal e espiritual o que se realiza com o
sacramento do matrimónio, que une o homem e a mulher para que
tenham descendência e a eduquem para o culto de Deus».
A consciência viva e atenta da missão
recebida no sacramento do matrimónio ajudará os pais cristãos
a dedicarem-se com grande serenidade e confiança ao serviço de
educar os filhos e, ao mesmo tempo, com sentido de
responsabilidade diante de Deus que os chama e os manda
edificar a Igreja nos filhos. Assim a família dos baptizados,
convocada qual igreja doméstica pela Palavra e pelo
Sacramento, torna-se, conjuntamente, como a grande Igreja,
mestra e mãe.
A primeira experiência de Igreja
39. A missão de educar exige que os pais
cristãos proponham aos filhos todos os conteúdos necessários
para o amadurecimento gradual da personalidade sob o ponto de
vista cristão e eclesial. Retomarão então as linhas educativas
acima recordadas, com o cuidado de mostrar aos filhos a que
profundidade de significado a fé e a caridade de Jesus Cristo
sabem conduzir. Para além disso, a certeza de que o Senhor
lhes confia o crescimento de um filho de Deus, de um irmão de
Cristo, de um templo do Espírito Santo, de um membro da
Igreja, ajudará os pais cristãos no seu dever de reforçar na
alma dos filhos o dom da graça divina.
O Concílio Vaticano II precisa assim o
conteúdo da educação cristã: «Esta procura dar não só a
maturidade de pessoa humana... mas tende principalmente a
fazer com que os baptizados, enquanto são introduzidos
gradualmente no conhecimento do mistério da salvação, se
tornem cada vez mais conscientes do dom da fé que receberam;
aprendam, principalmente na acção litúrgica, a adorar a Deus
Pai em espírito e verdade (cfr. Jo. 4, 23), disponham-se a
levar a própria vida segundo o homem novo em justiça e
santidade de verdade (Ef 4, 22-24); e assim se aproximem do
homem perfeito, da idade plena de Cristo (cfr. Ef. 4, 13) e
colaborem no aumento do Corpo Místico. Além disso, conscientes
da sua vocação, habituem-se quer a testemunhar a esperança que
neles existe (cfr. 1 Ped. 3, 15), quer a ajudar a conformação
cristã no mundo».
Também o Sínodo, retomando e
desenvolvendo as linhas conciliares, apresentou a missão
educativa da família cristã como um verdadeiro ministério,
através do qual é transmitido e irradiado o Evangelho, ao
ponto de a mesma vida da família se tornar itinerário de fé e,
em certo modo, iniciação cristã e escola para seguir a Cristo.
Na família consciente de tal dom, como escreveu Paulo VI,
«todos os membros evangelizam e são evangelizados».
Pela força do ministério da educação os
pais, mediante o testemunho de vida, são os primeiros arautos
do Evangelho junto dos filhos. Ainda mais: rezando com os
filhos, dedicando-se com eles à leitura da Palavra de Deus e
inserindo-os no íntimo do Corpo - eucarístico e eclesial - de
Cristo mediante a iniciação cristã, tornam-se plenamente pais,
progenitores não só da vida carnal, mas também daquela que,
mediante a renovação do Espírito, brota da Cruz e da
ressurreição de Cristo.
Para que os pais cristãos possam cumprir
dignamente o seu ministério educativo, os Padres Sinodais
exprimiram o desejo de que seja preparado um catecismo para
uso da família, com texto adequado, claro, breve e tal que
possa ser facilmente assimilado por todos. As conferências
episcopais foram vivamente convidadas a empenharem-se na
realização deste catecismo.
Relações com outras forças educativas
40. A família é a primeira, mas não a
única e exclusiva comunidade educativa: a dimensão
comunitária, civil e eclesial do homem exige e conduz a uma
obra mais ampla e articulada, que seja o fruto da colaboração
ordenada das diversas forças educativas. Estas forças são
todas elas necessárias, mesmo que cada uma possa e deva
intervir com a sua competência e o seu contributo próprio.
O dever educativo da família cristã tem
consequentemente um lugar bem importante na pastoral orgânica
o que implica uma nova forma de colaboração entre os pais e as
comunidades cristãs, entre os diversos grupos educativos e os
pastores. Neste sentido, a renovação da escola católica deve
dar uma atenção especial quer aos pais dos alunos quer à
formação de uma perfeita comunidade educadora.
Deve ser absolutamente assegurado o
direito dos pais à escolha de uma educação conforme à sua fé
religiosa.
O Estado e a Igreja têm obrigação de
prestar às famílias todos os meios possíveis a fim de que
possam exercer adequadamente os seus deveres educativos. Por
isso, quer a Igreja quer o Estado devem criar e promover
aquelas instituições e actividades que as famílias justamente
reclamam. A ajuda deverá ser proporcional às insuficiências
das famílias. Portanto, todos os que na sociedade ocupam
postos de direcção escolar nunca esqueçam que os pais foram
constituídos pelo próprio Deus como primeiros e principais
educadores dos filhos, e que o seu direito é absolutamente
inalienável.
Mas, complementar ao direito, põe-se o
grave dever dos pais de se empenharem com profundidade numa
relação cordial e construtiva com os professores e os
directores das escolas.
Se nas escolas se ensinam ideologias
contrárias à fé cristã, cada família juntamente com outras,
possivelmente mediante formas associativas, deve com todas as
forças e com sabedoria ajudar os jovens a não se afastarem da
fé. Neste caso, a família tem necessidade de especial ajuda da
parte dos pastores, que não poderão esquecer o direito
inviolável dos pais de confiar os seus filhos à comunidade
eclesial.
Um múltiplo serviço à vida
41. O amor conjugal fecundo exprime-se
num serviço à vida em variadas formas, sendo a geração e a
educação as mais imediatas, próprias e insubstituíveis. Na
realidade, cada acto de amor verdadeiro para com o homem
testemunha e aperfeiçoa a fecundidade espiritual da família,
porque é obediência ao profundo dinamismo interior do amor
como doação de si aos outros.
Nesta perspectiva, para todos rica de
valor e de empenho, saberão inspirar-se particularmente
aqueles cônjuges que fazem a experiência da esterilidade
física.
As famílias cristãs, que na fé reconhecem
todos os homens como filhos do Pai comum dos céus, irão
generosamente ao encontro dos filhos das outras famílias,
sustentando-os e amando-os não como estranhos, mas como
membros da única família dos filhos de Deus. Os pais cristãos
terão assim oportunidade de alargar o seu amor para além dos
vínculos da carne e do sangue, alimentando os laços que têm o
seu fundamento no espírito e que se desenvolvem no serviço
concreto aos filhos de outras famílias, muitas vezes
necessitadas até das coisas mais elementares.
As famílias cristãs saberão viver uma
maior disponibilidade em favor da adopção e do acolhimento de
órfãos ou abandonados: enquanto estas crianças, encontrando o
calor afectivo de uma família, podem fazer uma experiência da
carinhosa e pródiga paternidade de Deus, testemunhada pelos
pais cristãos, e assim crescer com serenidade e confiança na
vida, a família inteira enriquecer-se-á dos valores
espirituais de uma mais ampla fraternidade.
A fecundidade das famílias deve conhecer
uma sua incessante «criatividade», fruto maravilhoso do
Espírito de Deus, que abre os olhos do coração à descoberta de
novas necessidades e sofrimentos da nossa sociedade, e que
infunde coragem para as assumir e dar-lhes resposta.
Apresenta-se às famílias, neste quadro, um vastíssimo campo de
acção: com efeito, ainda mais preocupante que o abandono das
crianças é hoje o fenómeno da marginalização social e
cultural, que duramente fere anciãos, doentes, deficientes,
toxicómanos, ex-presos, etc.
Desta maneira dilata-se enormemente o
horizonte da paternidade e da maternidade das famílias
cristãs: o seu amor espiritualmente fecundo é desafiado por
estas e tantas outras urgências do nosso tempo. Com as
famílias e por meio delas, o Senhor continua a ter «compaixão»
das multidões.
III - A PARTICIPAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO
DA SOCIEDADE
A família, célula primeira e vital da
sociedade
42. «Pois que o Criador de todas as
coisas constituiu o matrimónio princípio e fundamento da
sociedade humana», a família tornou-se a «célula primeira e
vital da sociedade».
A família possui vínculos vitais e
orgânicos com a sociedade, porque constitui o seu fundamento e
alimento contínuo mediante o dever de serviço à vida: saem, de
facto, da família os cidadãos e na família encontram a
primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a alma da
vida e do desenvolvimento da mesma sociedade.
Assim por força da sua natureza e
vocação, longe de fechar-se em si mesma, a família abre-se às
outras famílias e à sociedade, assumindo a sua tarefa social.
A vida familiar como experiência de
comunhão e de participação
43. A mesma experiência de comunhão e de
participação, que deve caracterizar a vida quotidiana da
família, representa o seu primeiro e fundamental contributo à
sociedade.
As relações entre os membros da
comunidade familiar são inspiradas e guiadas pela lei da
«gratuidade» que, respeitando e favorecendo em todos e em cada
um a dignidade pessoal como único título de valor, se torna
acolhimento cordial, encontro e diálogo, disponibilidade
desinteressada, serviço generoso, solidariedade profunda.
A promoção de uma autêntica e madura
comunhão de pessoas na família torna-se a primeira e
insubstituível escola de sociabilidade, exemplo e estímulo
para as mais amplas relações comunitárias na mira do respeito,
da justiça, do diálogo, do amor.
Deste modo a família, como recordaram os
Padres Sinodais, constitui o lugar nativo e o instrumento mais
eficaz de humanização e de personalização da sociedade.
Colabora de um modo original e profundo na construção do
mundo, tornando possível uma vida propriamente humana,
guardando e transmitindo em particular as virtudes e «os
valores». Como escreve o Concílio Vaticano II, na família
«congregam-se as diferentes gerações que reciprocamente se
ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os
direitos pessoais com as outras exigências da vida social»,
Assim diante de uma sociedade que se
arrisca a ser cada vez mais despersonalizada e massificada, e,
portanto, desumana e desumanizante, com as resultantes
negativas de tantas formas de «evasão» - como, por exemplo, o
alcoolismo, a droga e o próprio terrorismo - a família possui
e irradia ainda hoje energias formidáveis capazes de arrancar
o homem do anonimato, de o manter consciente da sua dignidade
pessoal, de o enriquecer de profunda humanidade e de o inserir
activamente com a sua unicidade e irrepetibilidade no tecido
da sociedade.
Função social e política
44. A função social da família não pode
certamente fechar-se na obra procriativa e educativa, ainda
que nessa encontre a primeira e insubstituível forma de
expressão.
As famílias, quer cada uma por si quer
associadas, podem e devem portanto dedicar-se a várias obras
de serviço social, especialmente em prol dos pobres, e de
qualquer modo de todas aquelas pessoas e situações que a
organização previdencial e assistencial das autoridades
públicas não consegue atingir.
O contributo social da família tem uma
originalidade própria, que pode ser conhecida melhor e mais
decisivamente favorecida, sobretudo à medida que os filhos
crescem, empenhando de facto o mais possível todos os membros.
Em particular é de realçar a importância
sempre maior que na nossa sociedade assume a hospitalidade, em
todas as suas formas desde o abrir as portas da própria casa e
ainda mais do próprio coração aos pedidos dos irmãos, ao
empenho concreto de assegurar a cada família a sua casa, como
ambiente natural que a conserva e a faz crescer. Sobretudo a
família cristã é chamada a escutar a recomendação do apóstolo:
«Exercei a hospitalidade com solicitude» e portanto a actuar,
imitando o exemplo e compartilhando a caridade de Cristo, o
acolhimento do irmão necessitado: «Quem der de beber a um
destes pequeninos, ainda que seja somente um copo de água
fresca, por ser meu discípulo, em verdade vos digo não perderá
a sua recompensa»,
O dever social das famílias é chamado
ainda a exprimir-se sob forma de intervenção política: as
famílias devem com prioridade diligenciar para que as leis e
as instituições do Estado não só não ofendam, mas sustentem e
defendam positivamente os seus direitos e deveres. Em tal
sentido as famílias devem crescer na consciência de serem
«protagonistas» da chamada «política familiar» e assumir a
responsabilidade de transformar a sociedade: doutra forma as
famílias serão as primeiras vítimas daqueles males que se
limitaram a observar com indiferença. O apelo do Concílio
Vaticano II para que se supere a ética individualística tem
também valor para a família como tal.
A sociedade ao serviço da família
45. A íntima conexão entre a família e a
sociedade, como exige a abertura e a participação da família
na sociedade e no seu desenvolvimento, impõe também que a
sociedade não abandone o seu dever fundamental de respeitar e
de promover a família.
A família e a sociedade têm certamente
uma função complementar na defesa e na promoção do bem de
todos homens e de cada homem. Mas a sociedade, e mais
especificamente o Estado, devem reconhecer que a família é
«uma sociedade que goza de direito próprio e primordial» e
portanto nas suas relações com a família são gravemente
obrigados ao respeito do princípio de subsidiariedade.
Por força de tal princípio o Estado não
pode nem deve subtrair às famílias tarefas que elas podem
igualmente desenvolver perfeitamente sós ou livremente
associadas, mas favorecer positivamente e solicitar o mais
possível a iniciativa responsável das famílias. Convencidas de
que o bem da família constitui um valor indispensável e
irrenunciável da comunidade civil, as autoridades públicas
devem fazer o possível por assegurar às famílias todas aquelas
ajudas - económicas, sociais, educativas, políticas, culturais
de que têm necessidade para fazer frente de modo humano a
todas as suas responsabilidades.
A carta dos direitos da família
46. O ideal de uma acção recíproca de
auxílio e de desenvolvimento entre a família e a sociedade
encontra-se muitas vezes, e em termos bastante graves, com a
realidade de uma separação, mais que de uma contraposição.
Com efeito, como continuamente denunciou
o Sínodo, a situação que numerosas famílias encontram em
diversos países é muito problemática, e até decididamente
negativa: instituições e leis que desconhecem injustamente os
direitos invioláveis da família e da mesma pessoa humana, e a
sociedade, longe de se colocar ao serviço da família, agride-a
com violência nos seus valores e nas suas exigências
fundamentais. Assim a família que, segundo o desígno de Deus,
é a célula base da sociedade, sujeito de direitos e deveres
antes do Estado e de qualquer outra comunidade, encontra-se
como vítima da sociedade, dos atrasos e da lentidão das suas
intervenções e ainda mais das suas patentes injustiças.
Por tudo isto a Igreja defende aberta e
fortemente os direitos da família contra as intoleráveis
usurpações da sociedade e do Estado. De modo particular, os
Padres Sinodais recordam, entre outros, os seguintes direitos
da família:
*
o direito de existir e progredir como família, isto é o
direito de cada homem, mesmo o pobre, a fundar uma família e a
ter os meios adequados para a sustentar;
* o direito de exercer as suas
responsabilidades no âmbito de transmitir a vida e de educar
os filhos;
* o direito à intimidade da vida
conjugal e familiar;
* o direito à estabilidade do
vínculo e da instituição matrimonial;
* o direito de crer e de professar a
própria fé, e de a difundir;
* o direito de educar os filhos
segundo as próprias tradições e valores religiosos e
culturais, com os instrumentos, os meios e as instituições
necessárias;
* o direito de obter a segurança
física, social, política, económica, especialmente tratando-se
de pobres e de enfermos;
* o direito de ter uma habitação
digna a conduzir convenientemente a vida familiar;
* o direito de expressão e
representação diante das autoridades públicas económicas,
sociais e culturais e outras inferiores, quer directamente
quer através de associações;
* o direito de criar associações com
outras famílias e instituições, para um desempenho de modo
adequado e solícito do próprio dever;
* o direito de proteger os menores de
medicamentos prejudiciais, da pornografia, do alcoolismo, etc
mediante instituições e legislações adequadas;
*
o direito à distracção honesta que favoreça também os valores
da família;
* o direito das pessoas de idade a
viver e morrer dignamente;
* o direito de emigrar como família
para encontrar vida melhor
A Santa Sé, acolhendo o pedido explícito
do Sínodo, terá o cuidado de aprofundar tais sugestões,
elaborando uma «Carta dos direitos da família» a propor aos
ambientes e às Autoridades interessadas.
Graça e responsabilidade da família
cristã
47. O dever social próprio de cada
família diz respeito, por um título novo e original, à família
cristã, fundada sobre o sacramento do matrimónio. Assumindo a
realidade humana do amor conjugal com todas as suas
consequências, o sacramento habilita e empenha os cônjuges e
os pais cristãos a viver a sua vocação de leigos, e por tanto
a «procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais
e ordenando-as segundo Deus».
O dever social e político reentra naquela
missão real ou de serviço da qual os esposos cristãos
participam pela força do sacramento do matrimónio, recebendo
ao mesmo tempo um mandamento ao qual não podem subtrair-se e
uma graça que os sustenta e estimula.
Em tal modo a família cristã é chamada a
oferecer a todos o testemunho de uma dedicação generosa e
desinteressada pelos problemas sociais, mediante a «opção
preferencial» pelos pobres e marginalizados. Por isso,
progredindo no caminho do Senhor mediante uma predilecção
especial para com todos os pobres, deve cuidar especialmente
dos esfomeados, dos indigentes, dos anciãos, dos doentes, dos
drogados, dos sem família.
Para uma nova ordem internacional
48. Diante da dimensão mundial que hoje
caracteriza os vários problemas sociais, a família vê
alargar-se de modo completamente novo o seu dever para com o
desenvolvimento da sociedade: trata-se também de uma
cooperação para uma nova ordem internacional, porque só na
solidariedade mundial se podem enfrentar e resolver os enormes
e dramáticos problemas da justiça no mundo, da liberdade dos
povos, da paz da humanidade.
A comunhão espiritual das famílias
cristãs, radicadas na fé e esperança comuns e vivificadas pela
caridade, constitui uma energia interior que dá origem,
difunde e desenvolve justiça, reconciliação, fraternidade e
paz entre os homens. Como «pequena Igreja», a família cristã é
chamada, à semelhança da «grande Igreja» a ser sinal de
unidade para o mundo e a exercer deste modo o seu papel
profético, testemunhando o Reino e a paz de Cristo, para os
quais o mundo inteiro caminha.
As famílias cristãs poderão fazê-lo quer
através da sua obra educativa, oferecendo aos filhos um modelo
de vida fundada sobre os valores da verdade, da liberdade, da
justiça e do amor, quer com um empenho activo e responsável no
crescimento autenticamente humano da sociedade e das suas
instituições, quer mantendo de vários modos associações que
especificamente se dedicam aos problemas de ordem
internacional.
IV - A PARTICIPAÇÃO NA VIDA E NA MISSÃO
DA IGREJA
A família no mistério da Igreja
49. Entre os deveres fundamentais da
família cristã estabelece-se o dever eclesial: colocar-se ao
serviço da edificação do Reino de Deus na história, mediante a
participação na vida e na missão da Igreja.
Para melhor compreender os fundamentos,
os conteúdos e as características de tal participação, ocorre
aprofundar os vínculos múltiplos e profundos que ligam entre
si a Igreja e a família cristã, e constituem esta última como
«uma Igreja em miniatura» (Ecclesia domestica), fazendo com
que esta, a seu modo, seja imagem viva e representação
histórica do próprio mistério da Igreja.
É antes de tudo a Igreja Mãe que gera,
educa, edifica a família cristã, operando em seu favor a
missão de salvação que recebeu do Senhor. Com o anúncio da
Palavra de Deus, a Igreja revela à família cristã a sua
verdadeira identidade, o que ela é e deve ser segundo o
desígnio do Senhor; com a celebração dos sacramentos, a Igreja
enriquece e corrobora a família cristã com a graça de Cristo
em ordem à sua santificação para a glória do Pai; com a
renovada proclamação do mandamento novo da caridade, a Igreja
anima e guia a família cristã ao serviço do amor, a fim de que
imite e reviva o mesmo amor de doação e sacrifício, que o
Senhor Jesus nutre pela humanidade inteira.
Por sua vez a família cristã está
inserida a tal ponto no mistério da Igreja que se torna
participante, a seu modo, da missão de salvação própria da
Igreja: os cônjuges e os pais cristãos, em virtude do
sacramento, «têm assim, no seu estado de vida e na sua ordem,
um dom próprio no Povo de Deus». Por isso não só «recebem» o
amor de Cristo tornando-se comunidade «salva», mas também são
chamados a «transmitir» aos irmãos o mesmo amor de Cristo,
tornando-se assim comunidade «salvadora». Deste modo, enquanto
é fruto e sinal da fecundidade sobrenatural da Igreja, a
família cristã torna-se símbolo, testemunho, participação da
maternidade da Igreja.
Uma função eclesial própria e original
50. A família cristã é chamada a tomar
parte viva e responsável na missão da Igreja de modo próprio e
original, colocando-se ao serviço da Igreja e da sociedade no
seu ser e agir, enquanto comunidade íntima de vida e de amor.
Se a família cristã é comunidade, cujos
vínculos são renovados por Cristo mediante a fé e os
sacramentos, a sua participação na missão da Igreja deve
dar-se segundo uma modalidade comunitária: conjuntamente,
portanto, os cônjuges enquanto casal, os pais e os filhos
enquanto família, devem viver o seu serviço à Igreja e ao
mundo. Devem ser na fé «um só coração e uma só alma», através
do espírito apostólico comum que os anima e mediante a
colaboração que os empenha nas obras de serviço à comunidade
eclesial e civil.
A família cristã, pois, edifica o Reino
de Deus na história mediante aquelas mesmas realidades
quotidianas que dizem respeito e contradistinguem a sua
condição de vida: é então no amor conjugal e familiar - vivido
na sua extraordinária riqueza de valores e exigências de
totalidade, unicidade, fidelidade e fecundidade - que se
exprime e se realiza a participação da família cristã na
missão profética, sacerdotal e real de Jesus Cristo e da sua
Igreja: o amor e a vida constituem portanto o núcleo da missão
salvífica da família cristã na Igreja e pela Igreja
O Concílio Vaticano II recorda-o quando
escreve: «Cada família comunicará generosamente com as outras
as próprias riquezas espirituais. Por isso, a família cristã,
nascida de um matrimónio que é imagem e participação da
aliança de amor entre Cristo e a Igreja, manifestará a todos a
presença viva do Salvador no mundo e a autêntica natureza da
Igreja, quer por meio do amor dos esposos, quer pela sua
generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável
cooperação de todos os seus membros».
Posto assim o fundamento da participação
da família cristã na missão eclesial, é agora o momento de
ilustrar o seu conteúdo na tríplice e unitária referencia a
Jesus Cristo Profeta, Sacerdote e Rei, apresentando por isso a
família cristã como 1) comunidade crente e evangelizadora, 2)
comunidade em diálogo com Deus, 3) comunidade ao serviço do
homem.
1) A Família cristã, comunidade crente
e evangelizadora
A fé, descoberta e admiração do desígnio
de Deus sobre a família
51. Partícipe da vida e da missão da
Igreja, que está em religiosa escuta da Palavra de Deus e a
proclama com firme confiança, a família cristã vive a sua
tarefa profética acolhendo e anunciando a Palavra de Deus:
torna-se assim, cada dia mais comunidade crente e
evangelizadora.
Também aos esposos e aos pais cristãos é
pedida a obediência da fé: são chamados a acolher a Palavra do
Senhor, que a eles revela a extraordinária novidade - a Boa
Nova - da sua vida conjugal e familiar, feita por Cristo santa
e santificante. De facto, somente na fé eles podem descobrir e
admirar com jubilosa gratidão a que dignidade Deus quis elevar
o matrimónio e a família, constituindo-os sinal e lugar da
aliança de amor entre Deus e os homens, entre Jesus Cristo e a
Igreja sua esposa.
A preparação para o matrimónio cristão é
já qualificada como um itinerário de fé: põe-se, de facto,
como ocasião privilegiada para que os noivos descubram e
aprofundem a fé recebida no baptismo e alimentada com a
educação cristã. Desta forma reconhecem e acolhem livremente a
vocação de seguir o caminho de Cristo e de se pôr ao serviço
do Reino de Deus no estado matrimonial.
O momento fundamental da fé dos esposos é
dado pela celebração do sacramento do matrimónio, que na sua
natureza profunda é a proclamação, na Igreja, da Boa-Nova
sobre o amor conjugal: é Palavra de Deus que «revela» e
«cumpre» o sábio e amoroso projecto que Deus tem sobre os
esposos, introduzidos na misteriosa e real participação do
próprio amor de Deus pela humanidade. Se em si mesma a
celebração sacramental do matrimónio é proclamação da Palavra
de Deus, enquanto os noivos são a título vário protagonistas e
celebrantes, deve ser uma «profissão de fé» feita dentro da
Igreja e com a Igreja comunidade dos crentes.
Esta profissão de fé exige o seu
prolongamento no decurso da vida dos esposos e da família:
Deus, que de facto, chamou os esposos «ao» matrimónio,
continua a chamá-los «no» matrimónio. Dentro e através dos
factos, dos problemas, das dificuldades, dos acontecimentos da
existência de todos os dias, Deus vai-lhes revelando e
propondo as «exigências» concretas da sua participação no amor
de Cristo pela Igreja em relação com a situação particular -
familiar, social e eclesial - na qual se encontram.
A descoberta e a obediência ao desígnio
de Deus devem fazer-se «conjuntamente» pela comunidade
conjugal e familiar, através da mesma experiência humana do
amor vivido do Espírito de Cristo entre os esposos, entre os
pais e os filhos
Por isto, como a grande Igreja, assim
também a pequena Igreja doméstica tem necessidade de ser
contínua e intensamente evangelizada: daqui o seu dever de
educação permanente na fé.
O ministério de evangelização da família
cristã
52. Na medida em que a família cristã
acolhe o Evangelho e amadurece na fé torna-se comunidade
evangelizadora. Escutemos de novo Paulo VI: «A família, como a
Igreja, deve ser um lugar onde se transmite o Evangelho e
donde o Evangelho irradia. Portanto no interior de uma família
consciente desta missão, todos os componentes evangelizam e
são evangelizados. Os pais não só comunicam aos filhos o
Evangelho, mas podem também receber deles o mesmo Evangelho
profundamente vivido. Uma tal família torna-se, então,
evangelizadora de muitas outras famílias e do ambiente no qual
está inserida»,
Como repetiu o Sínodo, retomando o meu
apelo lançado em Puebla, a futura evangelização depende em
grande parte da Igreja doméstica. Esta missão apostólica da
família tem as suas raízes no baptismo e recebe da graça
sacramental do matrimónio uma nova força para transmitir a fé,
para santificar e transformar a sociedade actual segundo o
desígnio de Deus.
A família cristã, sobretudo hoje, tem uma
especial vocação para ser testemunha da aliança pascal de
Cristo, mediante a irradiação constante da alegria do amor e
da certeza da esperança, da qual deve tornar-se reflexo: «A
família cristã proclama em alta voz as virtudes presentes do
Reino de Deus e a esperança na vida bem-aventurada»,
A absoluta necessidade da catequese
familiar surge com singular vigor em determinadas situações
que infelizmente a Igreja experimenta em diversos lugares:
«Onde uma legislação anti-religiosa pretende impedir até a
educação na fé, onde uma incredulidade difundida ou um
secularismo invasor tornam praticamente impossível um
verdadeiro crescimento religioso, aquela que poderia ser
chamada "Igreja doméstica" fica como único ambiente, no qual
crianças e jovens podem receber uma autêntica catequese».
Um serviço eclesial
53. O ministério de evangelização dos
pais cristãos é original e insubstituível: assume as
conotações típicas da vida familiar, entrelaçada como deveria
ser com o amor, com a simplicidade, com o sentido do concreto
e com o testemunho do quotidiano.
A família deve formar os filhos para a
vida, de modo que cada um realize plenamente o seu dever
segundo a vocação recebida de Deus. De facto, a família que
está aberta aos valores do transcendente, que serve os irmãos
na alegria, que realiza com generosa fidelidade os seus
deveres e tem consciência da sua participação quotidiana no
mistério da Cruz gloriosa de Cristo, torna-se o primeiro e o
melhor seminário da vocação à vida consagrada ao Reino de
Deus.
O ministério de evangelização e de
catequese dos pais deve acompanhar também a vida dos filhos
nos anos da adolescência e da juventude, quando estes, como
muitas vezes acontece, contestam ou mesmo rejeitam a fé cristã
recebida nos primeiros anos da vida. Como na Igreja a obra de
evangelização nunca se separa do sofrimento do apóstolo, assim
na família cristã os pais devem enfrentar com coragem e com
grande serenidade de animo as dificuldades que o seu
ministério de evangelização algumas vezes encontra nos
próprios filhos.
Não se deverá esquecer que o serviço dos
cônjuges e pais cristãos a favor do Evangelho é essencialmente
um serviço eclesial, isto é, reentra no contexto da Igreja
inteira, qual comunidade evangelizada e evangelizadora.
Enquanto radicado e derivado da única missão da Igreja e
enquanto ordenado à edificação do único Corpo de Cristo, o
ministério de evangelização e de catequese da Igreja doméstica
deve permanecer em comunhão intima e deve harmonizar-se
responsavelmente com todos os outros serviços de evangelização
e de catequese presentes e operantes na comunidade eclesial,
quer diocesana quer paroquial.
Pregar o Evangelho a toda a criatura
54. A universalidade sem fronteiras é o
horizonte próprio da evangelização, animada interiormente pelo
impulso missionário: é de facto a resposta explicita e
inequívoca ao mandato de Cristo: «Ide pelo mundo inteiro e
anunciai a Boa Nova a toda a criatura».
Também a fé e a missão evangelizadora da
família cristã prosseguem este alento missionário católico. O
sacramento do matrimónio que retoma e volta a propor o dever,
radicado no baptismo e na confirmação, de defender e difundir
a fé, constitui os cônjuges e os pais cristãos testemunhas de
Cristo «até aos confins do mundo», verdadeiros e próprios
«missionários» do amor e da vida.
Uma certa forma de actividade missionária
pode desenvolver-se já na mesma família. Isto acontece quando
algum dos seus membros não tem fé ou não a pratica com
coerência. Em tal caso, os familiares devem oferecer-lhe um
testemunho de vida de fé que o estimule e encoraje no caminho
para a plena adesão a Cristo Salvador.
Animada já interiormente pelo espírito
missionário, a Igreja doméstica é chamada a ser um sinal
luminoso da presença de Cristo e do seu amor mesmo para os
«afastados», para as famílias que ainda não crêem e para
aquelas que já não vivem em coerência com a fé recebida: é
chamada «com o seu exemplo e com o seu testemunho» a iluminar
«aqueles que procuram a verdade».
Como já no início do cristianismo Áquila
e Priscila se apresentavam como casal missionário, assim hoje
a Igreja testemunha a sua incessante novidade e
rejuvenescimento com a presença de cônjuges e de famílias
cristãs que, ao menos durante um certo período de tempo, estão
nas terras de missão a anunciar o Evangelho, servindo o homem
com o amor de Jesus Cristo.
As famílias cristãs dão um contributo
particular à causa missionária da Igreja cultivando as
vocações missionárias nos seus filhos e filhas e, de uma forma
mais generalizada, com uma obra educativa que vai «dispondo os
filhos, desde a infância para conhecerem o amor de Deus por
todos os homens».
2) A família cristã, comunidade em
diálogo com Deus
O santuário doméstico da Igreja
55.O anúncio do Evangelho e a sua
aceitação pela fé atingem a plenitude na celebração
sacramental. A Igreja, comunidade crente e evangelizadora, é
também povo sacerdotal, revestido de dignidade e participante
do poder de Cristo Sumo Sacerdote da Nova e Eterna Aliança.
A família cristã também está inserida na
Igreja, povo sacerdotal: mediante o sacramento do matrimónio,
no qual está radicada e do qual se alimenta, é continuamente
vivificada pelo Senhor Jesus, e por Ele chamada e empenhada no
diálogo com Deus mediante a vida sacramental, o oferecimento
da própria existência e a oração.
É este o múnus sacerdotal que a família
cristã pode e deve exercitar em comunhão íntima com toda a
Igreja, através das realidades quotidianas da vida conjugal e
familiar: em tal sentido a família cristã é chamada a
santificar-se e a santificar a comunidade cristã e o mundo.
O matrimónio, sacramento de santificação
mútua e acto de culto
56. O sacramento do matrimónio, que
retoma e especifica a graça santificante do baptismo, é a
fonte própria e o meio original de santificação para os
cônjuges. Em virtude do mistério da morte e ressurreição de
Cristo, dentro do qual se insere novamente o matrimónio
cristão, o amor conjugal é purificado e santificado: «O Senhor
dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um dom
especial de graça e caridade»
O dom de Jesus Cristo não se esgota na
celebração do matrimónio, mas acompanha os cônjuges ao longo
de toda a existência. O Concílio Vaticano II recorda-o
explicitamente, quando diz que Jesus Cristo «permanece com
eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por
ela, de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem
com perpétua fidelidade... Por este motivo, os esposos
cristãos são fortalecidos e como que consagrados em ordem aos
deveres do seu estado por meio de um sacramento especial;
cumprindo, graças à energia deste, a própria missão conjugal e
familiar, penetrados do espírito de Cristo que impregna toda a
sua vida de fé, esperança e caridade, avançam sempre mais na
própria perfeição e mútua santificação e cooperam assim juntos
para a glória de Deus».
A vocação universal à santidade é
dirigida também aos cônjuges e aos pais cristãos: é
especificada para eles pela celebração do sacramento e
traduzida concretamente nas realidades próprias da existência
conjugal e familiar. Nascem daqui a graça e a exigência de uma
autêntica e profundo espiritualidade conjugal e familiar, que
se inspire nos motivos da criação, da aliança, da cruz, da
ressurreição e do sinal, sobre cujos temas se deteve várias
vezes o Sínodo.
O matrimónio cristão, como todos os
sacramentos que «estão ordenados à santificação dos homens, à
edificação do Corpo de Cristo, e enfim, a prestar culto a
Deus», é em si mesmo um acto litúrgico de louvor a Deus em
Jesus Cristo e na Igreja: celebrando-o, os cônjuges cristãos
professam a sua gratidão a Deus pelo dom sublime que lhes foi
dado de poder reviver na sua existência conjugal e familiar o
mesmo amor de Deus pelos homens e de Cristo pela Igreja sua
esposa.
E como do sacramento derivam para os
cônjuges o dom e a obrigação de viver no quotidiano a
santificação recebida, assim do mesmo sacramento dimanam a
graça e o empenho moral de transformar toda a sua vida num
contínuo «sacrifício espiritual». Ainda aos esposos e aos pais
cristãos, particularmente para aquelas realidades terrenas e
temporais que os caracterizam, se aplicam as palavras do
Concílio: «E deste modo, os leigos, agindo em toda a parte
santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio
mundo».
Matrimónio e Eucaristia
57. O dever de santificação da família
tem a sua primeira raiz no baptismo e a sua expressão máxima
na Eucaristia, à qual está intimamente ligado o matrimónio
cristão. O Concílio Vaticano II quis chamar a atenção para a
relação especial que existe entre a Eucaristia e o matrimónio
pedindo que: «o matrimónio se celebre usualmente dentro da
Missa». Redescobrir e aprofundar tal relação é absolutamente
necessário, se se quiser compreender e viver com uma maior
intensidade as graças e as responsabilidades do matrimónio e
da família cristã.
A Eucaristia é a fonte própria do
matrimónio cristão. O sacrifício eucarístico, de facto,
representa a aliança de amor de Cristo com a Igreja, enquanto
sigilada com o sangue da sua Cruz. Neste sacrifício da Nova e
Eterna Aliança é que os cônjuges cristãos encontram a raiz da
qual brota, é interiormente plasmada e continuamente
vivificada a sua aliança conjugal. Como representação do
sacrifício de amor de Cristo pela Igreja, a Eucaristia é fonte
de caridade. E no dom eucarístico da caridade a família cristã
encontra o fundamento e a alma da sua «comunhão» e da sua
«missão»: o Pão eucarístico faz dos diversos membros da
comunidade familiar um único corpo, revelação e participação
na mais ampla unidade da Igreja; a participação pois ao Corpo
«dado» e ao Sangue «derramado» de Cristo torna-se fonte
inesgotável do dinamismo missionário e apostólico da família
cristã.
O sacramento da
conversão e da reconciliação
58. Uma parte essencial e permanente do
dever de santificação da família cristã é o acolhimento do
apelo evangélico de conversão dirigido a todos os cristãos,
que nem sempre permanecem fiéis à «novidade» daquele baptismo
que os constituiu «santos». A família cristã também nem sempre
é coerente com a lei da graça e da santidade baptismal,
proclamada de novo pelo sacramento do matrimónio.
O arrependimento e o mútuo perdão no seio
da família cristã, que se revestem de tanta importância na
vida quotidiana, encontram o seu momento sacramental
específico na Penitência cristã. Aos cônjuges escrevia assim
Paulo VI, na Encíclica Humanae Vitae: «Se o pecado os atingir,
não desanimem, mas recorram com humilde perseverança à
misericórdia de Deus, que com prodigalidade é generosamente
dada no sacramento da Penitência».
A celebração deste sacramento dá à vida
familiar um significado particular: ao descobrirem pela fé
como o pecado contradiz não só a aliança com Deus, mas também
a aliança dos cônjuges e a comunhão da família, os esposos e
todos os membros da família são conduzidos ao encontro com
Deus «rico em misericórdia», o qual, alargando o seu amor que
é mais forte do que o pecado, reconstrói e aperfeiçoa a
aliança conjugal e a comunhão familiar.
A oração familiar
59. A Igreja reza pela família cristã e
educa-a a viver em generosa coerência com o dom e o dever
sacerdotal, recebido de Cristo Sumo Sacerdote. Na realidade, o
sacerdócio baptismal dos fiéis, vivido no
matrimónio-sacramento, constitui para os cônjuges e para a
família o fundamento de uma vocação e de uma missão
sacerdotal, pela qual a própria existência quotidiana se
transforma num «sacrifício espiritual agradável a Deus por
meio de Jesus Cristo»: é o que acontece, não só com a
celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos e com a
oferenda de si mesmos à glória de Deus, mas também com a vida
de oração, com o diálogo orante com o Pai por Jesus Cristo no
Espírito Santo.
A oração familiar tem as suas
características. É uma oração feita em comum, marido e mulher
juntos, pais e filhos juntos. A comunhão na oração é, ao mesmo
tempo, fruto e exigência daquela comunhão que é dada pelos
sacramentos do baptismo e do matrimónio. Aos membros da
família cristã podem aplicar-se de modo particular as palavras
com que Cristo promete a sua presença: «Digo-vos ainda: se
dois de vós se unirem, na terra, para pedirem qualquer coisa,
obtê-la-ão de Meu Pai que está nos Céus. Pois onde estiverem
reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles».
A oração familiar tem como conteúdo
original a própria vida de família, que em todas as suas
diversas fases é interpretada como vocação de Deus e actuada
como resposta filial ao Seu apelo: alegrias e dores,
esperanças e tristezas, nascimento e festas de anos,
aniversários de núpcias dos pais, partidas, ausências e
regressos, escolhas importantes e decisivas, a morte de
pessoas queridas, etc., assinalam a intervenção do amor de
Deus, na história da família, assim como devem marcar o
momento favorável para a acção de graças, para a impetração,
para o abandono confiante da família ao Pai comum que está nos
céus. A dignidade e a responsabilidade da família cristã como
Igreja doméstica só podem pois ser vividas com a ajuda
incessante de Deus, que não faltará, se implorada com
humildade e confiança na oração.
Educadores de oração
60. Em virtude da sua dignidade e missão,
os pais cristãos têm o dever específico de educar os filhos
para a oração, de os introduzir na descoberta progressiva do
mistério de Deus e no colóquio pessoal com Ele: «É sobretudo
na família cristã, ornada da graça e do dever do sacramento do
matrimónio, que devem ser ensinados os filhos desde os
primeiros anos, segundo a fé recebida no Baptismo, a conhecer
e a adorar Deus e amar o próximo».
Elemento fundamental e insubstituível da
educação para a oração é o exemplo concreto, o testemunho vivo
dos pais: só rezando em conjunto com os filhos, o pai e a mãe,
enquanto cumprem o próprio sacerdócio real, entram na
profundidade do coração dos filhos, deixando marcas que os
acontecimentos futuros da vida não conseguirão fazer
desaparecer. Tornemos a escutar o apelo que o Papa Paulo VI
dirigiu aos pais: «Mães, ensinais aos vossos filhos as orações
do cristão? Em consonância com os Sacerdotes, preparais os
vossos filhos para os sacramentos da primeira idade:
confissão, comunhão, crisma? Habituai-los, quando enfermos, a
pensar em Cristo que sofre? a invocar o auxílio de Nossa
Senhora e dos Santos? Rezais o terço em família? E vós, Pais,
sabeis rezar com os vossos filhos, com toda a comunidade
doméstica, pelo menos algumas vezes? O vosso exemplo, na
rectidão do pensamento e da acção, sufragada com alguma oração
comum, tem o valor de uma lição de vida, tem o valor de um
acto de culto de mérito particular; levais assim a paz às
paredes domésticas: "Pax huic domui!". Recordai: deste modo
construís a Igreja!».
Oração litúrgica e privada
61. Entre a oração da Igreja e a de cada
um dos fiéis há uma profunda e vital relação, como reafirmou
claramente o Concílio Vaticano II.
Ora uma finalidade importante da oração
da Igreja doméstica é a de constituir, para os filhos, a
introdução natural à oração litúrgica própria da Igreja
inteira, no sentido quer de uma preparação para ela, quer de a
alargar ao âmbito da vida pessoal, familiar e social. Daqui a
necessidade de uma participação progressiva de todos os
membros da família cristã na Eucaristia, sobretudo na
dominical e festiva, e nos outros sacramentos, em particular
nos da iniciação cristã dos filhos. As directivas conciliares
abriram uma nova possibilidade à família cristã, que foi
incluída entre os grupos aos quais se recomenda a celebração
comunitária do Ofício divino. Assim também está ao cuidado da
família cristã celebrar, mesmo em casa e de forma adaptada aos
seus membros, os tempos e as festividades do ano litúrgico.
Para preparar e prolongar em casa o culto
celebrado na Igreja, a família cristã recorre à oração
privada, que se apresenta sob uma grande variedade de formas:
esta variedade, enquanto testemunho da riqueza extraordinária
com a qual o Espírito anima a oração cristã, responde às
diversas exigências e situações da vida de quem se volta para
o Senhor. Além das orações da manhã e da tarde são de
aconselhar expressamente - seguindo também indicações dos
Padres Sinodais - a leitura e a meditação da Palavra de Deus,
a preparação para a recepção dos sacramentos, a devoção e
consagração ao Coração de Jesus, as várias formas de culto à
Santíssima Virgem, a bênção da mesa, as práticas de piedade
popular.
No respeito pela liberdade dos filhos de
Deus, a Igreja propôs e continua a sugerir aos fiéis algumas
práticas de piedade com solicitude e insistência particulares.
Entre estas é de lembrar a recitação do Rosário: «Queremos
agora, em continuidade de pensamento com os nossos
Predecessores, recomendar vivamente a recitação do Santo
Rosário em família... Não há dúvida de que o Rosário da
bem-aventurada Virgem Maria deve ser considerado uma das mais
excelentes e eficazes orações em comum, que a família cristã é
convidada a recitar Dá-nos gosto pensar e desejamos vivamente
que, quando o encontro familiar se transforma em tempo de
oração, seja o Rosário a sua expressão frequente e preferida»,
Desta maneira a autêntica devoção mariana, que se exprime no
vínculo sincero e na generosa série das posições espirituais
da Virgem Santíssima, constitui um instrumento privilegiado
para alimentar a comunhão de amor da família e para
desenvolver a espiritualidade conjugal e familiar. Ela, a Mãe
de Cristo e da Igreja, é também, de facto, de forma especial,
a Mãe das famílias cristãs, das Igrejas domésticas.
Oração e vida
62. Nunca se deverá esquecer que a
oração é parte constitutiva essencial da vida cristã, tomada
na sua integralidade e centralidade; mais ainda, pertence à
nossa mesma «humanidade»: é «a primeira expressão da vida
interior do homem, a primeira condição da autêntica liberdade
do espírito».
Por isso, a oração não representa de modo
algum uma evasão que desvia do empenho quotidiano, mas
constitui o impulso mais forte para que a família cristã
assuma e cumpra em plenitude todas as suas responsabilidades
de célula primeira e fundamental da sociedade humana. Em tal
sentido, a efectiva participação na vida e na missão da Igreja
no mundo é proporcional à fidelidade e à intensidade da oração
com que a família cristã se une à Videira fecunda, Cristo
Senhor.
Da união vital com Cristo, alimentada
pela Liturgia, pelo oferecimento de si e da oração, deriva
também a fecundidade da família cristã no seu serviço
específico de promoção humana, que de per si não pode não
levar à transformação do mundo.
3) A família cristã, comunidade ao
serviço do homem
O mandamento novo do amor
63. A Igreja, povo profético, sacerdotal
e real, tem a missão de levar todos os homens a acolher na fé
a Palavra de Deus, a celebrá-la e a professá-la nos
sacramentos e na oração, e, por fim, a manifestá-la na vida
concreta segundo o dom e o mandamento novo do amor.
A vida cristã encontra a sua lei não num
código escrito, mas na acção pessoal do Espírito Santo que
anima e guia o cristão, isto é, na «lei do Espírito que dá
vida em Cristo Jesus»: «o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido».
Isto vale também para o casal e para a
família cristã: seu guia e norma é o Espírito de Jesus,
difundido nos corações com a celebração do sacramento do
matrimónio. Em continuidade com o baptismo na água e no
Espírito, o matrimónio propõe outra vez a lei evangélica do
amor, e, com o dom do Espírito, grava-a mais profundamente no
coração dos cônjuges cristãos: o seu amor, purificado e salvo,
é fruto do Espírito, que age no coração dos crentes e se põe,
ao mesmo tempo, como mandamento fundamental da vida moral
pedida à liberdade responsável deles.
A família cristã é deste modo animada e
guiada pela nova lei do Espírito e em íntima comunhão com a
Igreja, povo real, chamada a viver o seu «serviço» de amor a
Deus e aos irmãos. Como Cristo exerce o seu poder real
pondo-se ao serviço dos homens, assim o cristão encontra o
sentido autêntico da sua participação na realeza do seu Senhor
ao condividir com Ele o espírito e a atitude de serviço no que
diz respeito ao homem: «Comunicou (Cristo) este poder aos
discípulos, para que também eles sejam constituídos em régia
liberdade e, com a abnegação de si mesmos e a santidade da
vida, vençam em si próprios o reino do pecado (cfr. Rom. 6,
12); mais ainda, para que, servindo a Cristo também nos
outros, conduzam os seus irmãos, com humildade e paciência,
àquele Pai, a quem servir é reinar. Pois o Senhor deseja
dilatar também por meio dos leigos o Seu reino, reino de
verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de
justiça, de amor e de paz, no qual a própria criação será
liberta da servidão da corrupção alcançando a liberdade da
glória dos filhos de Deus (cfr. Rom. 8, 21)».
Descobrir em cada irmão a imagem de Deus
64. Animada e sustentada pelo mandamento
novo do amor, a família cristã vive a acolhida, o respeito, o
serviço para com a homem, considerado sempre na sua dignidade
de pessoa e de filho de Deus.
Isto deve acontecer, antes de tudo, no e
para o casal e para a família, mediante o empenho quotidiano
de promover uma autêntica comunidade de pessoas, fundada e
alimentada por uma íntima comunhão de amor. Deve além disso
ampliar-se para o círculo mais universal da comunidade
eclesial, dentro da qual a família cristã está inserida:
graças à caridade da família, a Igreja pode e deve assumir uma
dimensão mais doméstica, isto é, mais familiar, adoptando um
estilo de relações mais humano e fraterno.
A caridade ultrapassa os próprios irmãos
na fé, porque «todo o homem é meu irmão»; em cada um,
sobretudo se pobre, fraco, sofredor e injustamente tratado, a
caridade sabe descobrir o rosto de Cristo e um irmão a amar e
a servir.
Para que o serviço ao homem seja vivido
pela família segundo o estilo evangélico será necessário pôr
em prática com urgência o que escreve o Concílio Vaticano II:
«Para que este exercício da caridade seja e apareça acima de
toda a suspeita, considere-se no próximo a imagem de Deus,
para o qual foi criado, veja-se nele Cristo, a quem realmente
se oferece tudo o que ao indigente se dá»
A família cristã, enquanto edifica a
Igreja pela caridade, põe-se ao serviço do homem e do mundo,
actuando verdadeiramente a «promoção humana», cujo conteúdo se
encontra sintetizado na Mensagem do Sínodo à família: «É vossa
tarefa formar os homens para o amor e educá-los a agir com
amor em todas as relações humanas, de modo que o amor fique
aberto à comunidade inteira, permeado do sentido de justiça e
de respeito para com os demais, consciente da própria
responsabilidade para com a mesma sociedade».
QUARTA PARTE
A PASTORAL FAMILIAR: ETAPAS, ESTRUTURAS,
RESPONSÁVEIS E SITUAÇÕES
I - AS ETAPAS da Pastoral da Família
A Igreja acompanha a família cristã no
seu caminho
65. Como toda a realidade vivente, também
a família é chamada a desenvolver-se e a crescer. Depois da
preparação do noivado e da celebração sacramental do
matrimónio, o casal inicia o caminho quotidiano para a
progressiva actuação dos valores e dos deveres do próprio
matrimónio.
À luz da fé e em virtude da esperança,
também a família cristã participa, em comunhão com a Igreja,
na experiência de peregrinação na terra para a plena revelação
e realização do Reino de Deus.
Sublinha-se, portanto, uma vez mais a
urgência da intervenção pastoral da Igreja em prol da família.
É preciso empregar todas as forças para que a pastoral da
família se afirme e desenvolva, dedicando-se a um sector
verdadeiramente prioritário, com a certeza de que a
evangelização, no futuro, depende em grande parte da Igreja
doméstica.
A solicitude pastoral da Igreja não se
limitará somente às famílias cristãs mais próximas, mas,
alargando os próprios horizontes à medida do coração de
Cristo, mostrar-se-á ainda mais viva para o conjunto das
famílias em geral e para aquelas, em particular, que se
encontram em situações difíceis ou irregulares. Para todas a
Igreja terá uma palavra de verdade, de bondade, de
compreensão, de esperança, de participação viva nas suas
dificuldades por vezes dramáticas; a todas oferecerá ajuda
desinteressada a fim de que possam aproximar-se do modelo de
família, que o Criador quis desde o «princípio» e que Cristo
renovou com a graça redentora.
A acção pastoral da Igreja deve ser
progressiva, também no sentido de que deve seguir a família,
acompanhando-a passo a passo nas diversas etapas da sua
formação e desenvolvimento.
A preparação
66. A preparação dos jovens para o
matrimónio e para a vida familiar é necessária hoje mais do
que nunca. Em alguns países são ainda as mesmas famílias que,
segundo costumes antigos, se reservam transmitir aos jovens os
valores que dizem respeito à vida matrimonial e familiar,
mediante uma obra progressiva de educação ou iniciação. Mas as
mudanças verificadas no seio de quase todas as sociedades
modernas exigem que não só a família, mas também a sociedade e
a Igreja se empenhem no esforço de preparar adequadamente os
jovens para as responsabilidades do seu futuro. Muitos
fenómenos negativos que hoje se lamentam na vida familiar
derivam do facto que, nas situações novas, os jovens não só
perdem de vista a justa hierarquia dos valores, mas, não
possuindo critérios seguros de comportamento, não sabem como
enfrentar e resolver as novas dificuldades. Contudo a
experiência ensina que os jovens bem preparados para vida
familiar, em geral, têm mais êxito do que os outros.
Isto vale mais ainda para o matrimónio
cristão, cuja influência repercute na santidade de tantos
homens e mulheres. Por isso a Igreja deve promover melhores e
mais intensos programas de preparação para o matrimónio, a fim
de eliminar, o mais possível, as dificuldades com que se
debatem tantos casais, e sobretudo para favorecer
positivamente o aparecimento e o amadurecimento de matrimónios
com êxito.
A preparação para o matrimónio deve
ver-se e actuar-se como um processo gradual e contínuo.
Compreende, de facto, três momentos principais: uma preparação
remota, outra próxima e uma outra imediata.
A preparação remota tem início desde a
infância, naquela sábia pedagogia familiar, orientada a
conduzir as crianças a descobrirem-se a si mesmas como seres
dotados de uma rica e complexa psicologia e de uma
personalidade particular com as forças e fragilidades
próprias. É o período em que é infundida a estima por todo o
valor humano autêntico, quer nas relações interpessoais, quer
nas sociais, com tudo o que significa para a formação do
carácter, para o domínio e recto uso das inclinações próprias,
para o modo de considerar e encontrar as pessoas do outro
sexo, etc. É pedida, além disso, especialmente aos cristãos,
uma sólida formação espiritual e catequética, que saiba
mostrar o matrimónio como verdadeira vocação e missão sem
excluir a possibilidade do dom total de si a Deus na vocação à
vida sacerdotal ou religiosa.
É nesta base que, em seguida e mais
amplamente, se porá o problema da preparação próxima, que -
desde a idade oportuna e com adequada catequese, como forma
de caminho catecumenal - compreende uma preparação mais
específica, quase uma nova descoberta dos sacramentos. Esta
catequese renovada de todos os que se preparam para o
matrimónio cristão é absolutamente necessária, para que o
sacramento seja celebrado e vivido com rectas disposições
morais e espirituais. A formação religiosa dos jovens deverá
ser integrada, no momento conveniente e segundo as várias
exigências concretas, numa preparação para a vida a dois que,
apresentando o matrimónio como uma relação interpessoal do
homem e da mulher em contínuo desenvolvimento, estimule a
aprofundar os problemas da sexualidade conjugal e da
paternidade responsável, com os conhecimentos
médico-biológicos essenciais que lhe estão anexos, e os leve à
familiaridade com métodos adequados de educação dos filhos,
favorecendo a aquisição dos elementos de base para uma
condução ordenada da família (por exemplo, trabalho estável,
disponibilidade financeira suficiente, administração sábia,
noções de economia doméstica).
Por fim não se deverá omitir a preparação
para o apostolado familiar, para a fraternidade e colaboração
com as outras famílias, para a inserção activa nos grupos,
associações, movimentos e iniciativas que têm por finalidade o
bem humano e cristão da família.
A preparação imediata para a celebração
do sacramento do matrimónio deve ter lugar nos últimos meses e
semanas que precedem as núpcias quase a dar um novo
significado, um novo conteúdo e forma nova ao chamado exame
pré matrimonial exigido pelo direito canónico. Sempre
necessária em todos os casos, tal preparação impõe-se com
maior urgência para aqueles noivos que apresentam carências e
dificuldades na doutrina e na prática cristã.
Entre os elementos a comunicar neste
caminho de fé, análogo ao do catecumenato, deve incluir-se uma
profunda consciência do mistério de Cristo e da Igreja, dos
significados de graça e de responsabilidade do matrimónio
cristão, assim como a preparação para tomar parte activa e
consciente nos ritos da liturgia nupcial.
Nas diversas fases de preparação para o
matrimónio - que delineámos somente em grandes traços
indicativos - devem sentir-se empenhadas a família cristã e
toda a comunidade eclesial. É desejável que as Conferências
episcopais, interessadas em iniciativas oportunas para ajudar
os futuros esposos a serem mais conscientes da seriedade da
sua escolha e os pastores a certificarem-se das suas
convenientes disposições, publiquem um Directório para a
pastoral da família. Nele deverão estabelecer, antes de tudo,
os elementos mínimos de conteúdo, de duração e de métodos dos
«Cursos de preparação», equilibrando os diversos aspectos -
doutrinais, pedagógicos, legais e médicos - e estudando-os de
modo que quantos se preparam para o matrimónio, para além de
um aprofundamento intelectual, se sintam estimulados a
inserirem-se vitalmente na comunidade eclesial.
Muito embora o carácter de necessidade e
de obrigatoriedade da preparação imediata não seja de
menosprezar - o que aconteceria se se concedesse facilmente a
dispensa - todavia, tal preparação deve ser sempre proposta e
actuada de modo que a sua eventual omissão não seja
impedimento à celebração do matrimónio.
A celebração
67. O matrimónio cristão exige, por
norma, uma celebração litúrgica que exprima de forma social e
comunitária a natureza essencialmente eclesial sacramental do
pacto conjugal entre os baptizados.
Enquanto gesto sacramental de
santificação, a celebração do matrimónio - inserida na
liturgia, cume de toda a acção da Igreja e fonte da sua força
santificadora deve ser por si válida, digna e frutuosa.
Abre-se aqui um campo vasto à solicitude pastoral a fim de que
sejam plenamente cumpridas as exigências derivantes da
natureza do pacto conjugal elevado a sacramento, e seja de
igual modo fielmente observada a disciplina da Igreja sobre a
liberdade do consentimento, os impedimentos, a forma canónica
e o próprio rito da celebração. Este último deve ser simples e
digno, de acordo com os princípios das competentes autoridades
da Igreja, às quais também incumbe - segundo as circunstâncias
concretas de tempo e de lugar e em conformidade com as normas
emanadas da Sé Apostólica - assumir eventualmente na
celebração litúrgica elementos próprios de uma determinada
cultura, que exprimam de forma mais adequada o profundo
significado humano e religioso do pacto conjugal, desde que
nada contenham de menos condizente com a fé e a moral cristãs.
Enquanto sinal, a celebração litúrgica
deve desenvolver-se de maneira a constituir, mesmo no seu
aspecto exterior, uma proclamação da Palavra de Deus e uma
profissão de fé da comunidade dos crentes. O empenhamento
pastoral terá aqui a sua expressão no diligente cuidado da
preparação da «Liturgia da Palavra» e na educação para a fé
dos que assistem à celebração e, em primeiro lugar, dos
nubentes.
Enquanto gesto sacramental da Igreja, a
celebração litúrgica do matrimónio deve envolver a comunidade
cristã, com uma participação plena, activa e responsável de
todos os presentes, de acordo com a posição e a função de cada
um: os esposos, o sacerdote, as testemunhas, os parentes, os
amigos, os demais fiéis: todos os membros de uma assembleia
que manifesta e vive o mistério de Cristo e da sua Igreja.
Para a celebração do matrimónio cristão
no âmbito de culturas ou tradições ancestrais, sigam-se os
princípios já acima enunciados.
Celebração do matrimónio e evangelização
dos baptizados não crentes
68. Exactamente porque na celebração do
sacramento se presta uma atenção muito especial às disposições
morais e espirituais dos nubentes, em particular à sua fé,
enfrentamos aqui uma dificuldade não rara, que podem encontrar
os pastores da Igreja no contexto da nossa sociedade
secularizada.
Com efeito, a fé de quem pede casar-se
pela Igreja pode existir em graus diversos e é dever primário
dos pastores fazê-la descobrir de novo, nutri-la e torná-la
madura. Devem, além disso, compreender as razões que levam a
Igreja a admitir à celebração do matrimónio mesmo aqueles que
estão imperfeitamente dispostos.
O matrimónio tem de específico o ser
sacramento de uma realidade que já existe na economia da
criação: o mesmo pacto conjugal instituído pelo Criador «desde
o princípio». A decisão do homem e da mulher de se casarem
segundo este projecto divino, a decisão de empenharem no seu
irrevogável consenso conjugal toda a vida num amor
indissolúvel e numa fidelidade incondicional, implica
realmente, mesmo se não em modo plenamente consciente, uma
disposição de profunda obediência à vontade de Deus, que não
pode acontecer sem a graça. Portanto inserem-se já num
verdadeiro e próprio caminho de salvação, que a celebração do
sacramento e a sua imediata preparação podem completar e levar
a termo, dada a rectidão da intenção deles.
É verdade, contudo, que, em alguns
territórios, motivos de carácter mais social que
autenticamente religioso, induzem os noivos a casarem-se na
igreja. Não admira. O matrimónio, na verdade, não é um
acontecimento que diz respeito só a quem se casa. Por sua
própria natureza é também um facto social, que compromete os
esposos ante a sociedade. Desde sempre a sua celebração se faz
com festa, que une as famílias e os amigos. É normal,
portanto, que entrem motivos sociais, juntamente com os
pessoais, na petição do casamento na igreja.
Todavia, não se deve esquecer que estes
noivos, pela força do seu baptismo, estão já realmente
inseridos na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja e que,
pela sua recta intenção, acolheram o projecto de Deus sobre o
matrimónio, e, portanto, ao menos implicitamente, querem
aquilo que a Igreja faz quando celebra o matrimónio. Portanto,
o mero facto de neste pedido entrarem motivos de carácter
social, não justifica uma eventual recusa da celebração do
matrimónio pelos pastores. De resto, como ensinou o Concílio
Vaticano II, os sacramentos com as palavras e os elementos
rituais nutrem e robustecem a fé:168 aquela fé para a qual os
noivos já estão encaminhados pela força da rectidão da sua
intenção, que a graça de Cristo não deixa certamente de
favorecer e de sustentar.
Querer estabelecer critérios ulteriores
de admissão à celebração eclesial do matrimónio, que deveriam
considerar o grau de fé dos nubentes, compreende, além do
mais, riscos graves. Antes de tudo, o de pronunciar juízos
infundados e discriminatórios; depois, o risco de levantar
dúvidas sobre a validade de matrimónios já celebrados, com
dano grave para as comunidades cristãs, e de novas
inquietações injustificadas para a consciência dos esposos;
cair-se-ia no perigo de contestar ou de pôr em dúvida a
sacramentalidade de muitos matrimónios de irmãos separados da
comunhão plena com a Igreja Católica, contradizendo assim a
tradição eclesial.
Quando, pelo contrário, não obstante
todas as tentativas feitas, os nubentes mostram recusar de
modo explícito e formal o que a Igreja quer fazer ao celebrar
o matrimónio dos baptizados, o pastor não os pode admitir à
celebração. Mesmo se constrangido, ele tem o dever de avaliar
a situação e fazer compreender aos interessados que, estando
assim as coisas, não é a Igreja, mas eles mesmos a impedirem a
celebração que não obstante pedem.
Mais urna vez se manifesta com toda a
urgência a necessidade de uma evangelização e cataquese pré e
pós matrimoniais, feitas por toda a comunidade cristã, para
que cada homem e cada mulher que se casam, o possam fazer de
modo a celebrarem o sacramento do matrimónio não só válida mas
também frutuosamente.
Pastoral pós-matrimonial
69. O cuidado pastoral da família
regularmente constituída significa, em concreto, o empenho de
todos os membros da comunidade eclesial local em ajudar a
casal a descobrir e a viver a sua nova vocação e missão. Para
que a família se transforme mais numa verdadeira comunidade de
amor, é necessário que todos os membros sejam ajudados e
formados para as responsabilidades próprias diante dos novos
problemas que se apresentam, para o serviço recíproco, para a
comparticipação activa na vida da família.
Isto vale sobretudo para as famílias
jovens, as quais, encontrando-se num contexto de novos valores
e de novas responsabilidades, estão mais expostas,
especialmente nos primeiros anos de matrimónio, a eventuais
dificuldades, como as criadas pela adaptação à vida em comum
ou pelo nascimento dos filhos. Os jovens cônjuges saibam
acolher cordialmente e inteligentemente valorizar a ajuda
discreta, delicada e generosa de outros casais, que já de há
tempo fazem a mesma experiência do matrimónio e da família.
Assim, no seio da comunidade eclesial - grande família formada
pelas famílias cristãs - realizar-se-á um intercambio mútuo de
presença e ajuda entre todas as famílias, cada uma pondo ao
serviço das outras a própria experiência humana, como também
os dons da fé e da graça. Animada de verdadeiro espírito
apostólico, esta ajuda de família a família constituirá um dos
modos mais simples, mais eficazes e ao alcance de todos para
transfundir capilarmente os valores cristãos, que são o ponto
de partida e de chegada do trabalho pastoral. Deste modo as
famílias jovens não se limitarão só a receber, mas por sua
vez, assim ajudadas, tornar-se-ão fonte de enriquecimento para
outras famílias, há tempo constituídas, com o seu testemunho
de vida e o seu contributo de facto.
Na acção pastoral para com as famílias
jovens, a Igreja deverá prestar uma atenção específica para as
educar a viver responsavelmente o amor conjugal em relação com
as exigências de comunhão e de serviço à vida, como também a
conciliar a intimidade da vida de casa com a obra comum e
generosa de edificar a Igreja e a sociedade humana. Quando,
com a vinda dos filhos, o casal se torna em sentido pleno e
específico uma família, a Igreja estará ainda próxima dos pais
para que os acolham e os amem à luz do dom recebido do Senhor
da vida, assumindo com alegria a fadiga de os servir no seu
crescimento humano e cristão.
II - ESTRUTURAS da Pastoral da Família
A acção pastoral é sempre expressão dinâmica da realidade da Igreja, empenhada na missão de
salvação. Também a pastoral familiar - forma particular e
específica da pastoral - tem como seu principio operativo e
como protagonista responsável a mesma Igreja, através das suas
estruturas e dos seus responsáveis.
A comunidade eclesial e a paróquia em
particular
70. Sendo ao mesmo tempo comunidade salva
e salvadora, a Igreja deve considerar-se aqui na sua dupla
dimensão universal e particular: esta exprime-se e actua-se na
comunidade diocesana, pastoralmente dividida em comunidades
menores entre as quais se distingue, pela sua importância
peculiar, a paróquia.
A comunhão com a Igreja universal não
mortifica, mas garante e promove a consistência e
originalidade das diversas Igrejas particulares; estas últimas
são o sujeito operativo mais imediato e mais eficaz para a
actuação da Pastoral da Família. Em tal sentido cada Igreja
local e, em termos mais particularizados, cada comunidade
paroquial, deve ter consciência mais viva da graça e da
responsabilidade que recebe do Senhor em ordem a promover a
pastoral da família. Nenhum plano de pastoral organica, a
qualquer nível que seja, pode prescindir da pastoral da
família.
À luz de tal responsabilidade deve
compreender-se também a importância de uma adequada preparação
da parte de quantos estarão mais especificamente empenhados
neste género de apostolado. Os sacerdotes, os religiosos e as
religiosas, desde o tempo de formação, sejam orientados e
formados de maneira progressiva e adequada para os respectivos
deveres. Entre outras iniciativas alegro-me de poder sublinhar
a recente criação em Roma, na Pontifícia Universidade
Lateranense, de um Instituto Superior consagrado ao estudo dos
problemas da família. Já em algumas dioceses foram fundados
Institutos deste género: Os bispos empenhem-se para que o
maior número possível de sacerdotes, antes de assumirem
responsabilidades paroquiais, frequente cursos especializados.
Noutras partes realizam-se periodicamente cursos de formação
em Institutos Superiores de estudos Teológicos e Pastorais.
Tais iniciativas são de encorajar, sustentar, multiplicar e
abrir obviamente também aos leigos que desempenharão o seu
trabalho profissional (médico, legal, psicológico, social e
educativo) de ajuda à família.
A família
71. Mas deve sobretudo reconhecer-se o
lugar especial que, neste campo, compete à missão dos cônjuges
e das famílias cristãs, em virtude da graça recebida no
sacramento. Tal missão deve ser posta ao serviço da edificação
da Igreja, da construção do Reino de Deus na história. Isto é
pedido como acto de obediência dócil a Cristo Senhor Com
efeito, Ele, pela força do matrimónio dos baptizados elevado a
sacramento, confere aos esposos cristãos uma missão peculiar
de apóstolos, enviando-os como operários para a sua vinha, e,
de forma muito particular, para este campo da família.
Na sua actividade eles agem em comunhão e
colaboração com os outros membros da Igreja, que também
trabalham para a família, pondo a render os seus dons e
ministérios. Tal apostolado desenvolver-se-á antes de tudo no
seio da própria família, com o testemunho da vida vivida em
conformidade com a lei divina em todos os aspectos, com a
formação cristã dos filhos, com a ajuda dada ao seu
amadurecimento na fé, com a educação à castidade, com a
preparação para a vida, com a vigilância para os preservar dos
perigos ideológicos e morais de que são muitas vezes
ameaçados, com a sua gradual e responsável inserção na
comunidade eclesial e na civil, com a assistência e o conselho
na escolha da vocação, com a mútua ajuda entre os membros da
família para um comum crescimento humano e cristão, e assim
por diante. O apostolado da família irradiar-se-á com obras de
caridade espiritual e material para com as outras famílias,
especialmente aquelas mais necessitadas de ajuda e de amparo,
para com os pobres, os doentes, os mais velhos, os
deficientes, os órfãos, as viúvas, os cônjuges abandonados, as
mães solteiras e aquelas que em situações difíceis são
tentadas a desfazerem-se do fruto do seu seio, etc.
As associações de famílias ao serviço das
famílias
72. Sempre no âmbito da Igreja,
responsável pela pastoral familiar, são para lembrar as
diversas associações de fiéis, nas quais se manifesta e se
vive de algum modo o mistério da Igreja de Cristo. Devem,
portanto reconhecer-se e valorizar-se - cada uma em relação às
características, finalidades, influxo e métodos próprios - as
diversas comunidades eclesiais, os vários grupos, e os
numerosos movimentos empenhados de modo vário, a diversos
títulos e a diversos níveis, na pastoral familiar.
Por este motivo o Sínodo reconheceu
expressamente a utilidade de tais associações de
espiritualidade, de formação e de apostolado. Será seu dever
suscitar nos fiéis um vivo sentido de solidariedade, favorecer
uma conduta de vida inspirada no Evangelho e na fé da Igreja,
formar as consciências segundo os valores cristãos e não de
acordo com os parâmetros da opinião pública, estimular para as
obras de caridade mútua e para com os outros com um espírito
de abertura, que faça das famílias cristãs uma verdadeira
fonte de luz e um fermento sadio para as demais.
Igualmente é desejável que, com um
sentido vivo do bem comum, as famílias cristãs se empenhem
activamente a todos os níveis, mesmo com outras associações
não eclesiais. Algumas destas associações visam a preservação,
transmissão e tutela dos sãos valores éticos e culturais de
cada povo, o desenvolvimento da pessoa humana, a protecção
médica, jurídica e social da maternidade e da infância, a
justa promoção da mulher e a luta contra o que calca a sua
dignidade, o incremento da solidariedade mútua, o conhecimento
dos problemas conexos com a regulação responsável da
fecundidade segundo os métodos naturais conformes à dignidade
humana e à doutrina da Igreja. Outras têm em vista a
construção de um mundo mais justo e mais humano, a promoção de
leis justas que favoreçam a recta ordem social no respeito
pleno da dignidade e da legítima liberdade do indivíduo e da
família, a nível nacional ou internacional, a colaboração com
a escola e com as outras instituições que completam a educação
dos filhos, e assim sucessivamente.
III - OS RESPONSÁVEIS DA PASTORAL
FAMILIAR
Para além da família - objecto, mas
sobretudo ela mesma sujeito da Pastoral da Família - devem
recordar-se também, os outros principais responsáveis neste
sector particular.
Bispos e presbíteros
73. O primeiro responsável da pastoral
familiar na diocese é o bispo. Como Pai e Pastor, ele deve
estar atento de um modo particular a este sector da pastoral,
sem dúvida prioritário. Deve consagrar-lhe uma grande
dedicação, solicitude, tempo, pessoal, recursos; sobretudo,
porém, apoio pessoal às famílias e a quantos, nas diversas
estruturas diocesanas, o ajudam na pastoral da família.
Empenhar-se-á particularmente no propósito de fazer com que a
sua diocese se torne sempre mais uma verdadeira «família
diocesana» modelo e fonte de esperança para tantas famílias
que a integram. A criação do Conselho Pontifício para a
Família está neste contexto: sinal da importância que atribuo
à pastoral da família no mundo, e ao mesmo tempo instrumento
eficaz de ajuda à su a promoção em todos os níveis.
Os bispos são auxiliados de modo
particular pelos presbíteros, cuja missão - como expressamente
sublinhou o Sínodo - integra essencialmente o ministério da
Igreja para com o matrimónio e a família. O mesmo se diga dos
diáconos, aos quais eventualmente venha a ser confiado este
sector da pastoral.
A sua responsabilidade estende-se não só
aos problemas morais e litúrgicos, mas também aos pessoais e
sociais. Devem sustentar a família nas suas dificuldades e
sofrimentos, pondo-se ao lado dos seus membros, ajudando-os a
ver a vida à luz do Evangelho. Não é supérfluo notar que, se
tal missão for exercida com o devido discernimento e com um
verdadeiro espírito apostólico, o ministro da Igreja recebe
novos estímulos e energias espirituais mesmo para a própria
vocação e para o exercício do seu ministério.
Oportuna e seriamente preparados para tal
apostolado, o sacerdote ou o diácono devem portar-se
constantemente, em relação às famílias, como pai, irmão,
pastor e mestre, ajudando-as com os dons da graça e
iluminando-as com a luz da verdade. O seu ensinamento e os
seus conselhos, portanto, deverão estar sempre em plena
consonância com o Magistério autêntico da Igreja, de modo a
ajudar o Povo de Deus a formar-se um recto sentido da fé a
aplicar à vida concreta. Tal fidelidade ao Magistério
permitirá também aos sacerdotes procurar empenhadamente a
unidade nos seus juízos, para evitarem ansiedades na
consciência dos fiéis.
Pastores e leigos participam, na Igreja,
da missão profética de Cristo: os leigos, testemunhando a fé
com palavras e com a vida cristã; os pastores, discernindo em
tal testemunho o que é expressão da fé genuína e o que não
corresponde originalmente à luz da mesma fé; a família,
enquanto comunidade cristã, com a sua participação peculiar e
testemunho de fé. Pode estabelecer-se assim um diálogo entre
os pastores e as famílias. Os teólogos e os peritos em
problemas familiares podem ajudar muito a tal diálogo,
explicando com exactidão o conteúdo do Magistério da Igreja e
o da experiência da vida em família. Desta maneira a
ensinamento do Magistério será melhor compreendido e será
aplanada a estrada para o seu progressivo desenvolvimento.
Convém contudo recordar que a norma próxima e obrigatória na
doutrina da fé - mesmo sobre os problemas da família - compete
ao Magistério hierárquico. A clareza de relações entre
teólogos, peritos de problemas familiares e o Magistério
ajudam muito a uma recta inteligência da fé e à promoção -
dentro dos seus próprios limites - do legítimo pluralismo.
Religiosos e religiosas
74. O contributo que os religiosos e as
re]igiosas, e as almas consagradas em geral, podem dar ao
apostolado da família encontra a primeira, fundamental e
original expressão exactamente na consagração a Deus que os
torna «diante de todos os fiéis... chamada daquele admirável
conúbio realizado por Deus e que se manifestará plenamente no
século futuro, pelo que a Igreja tem Cristo como único
esposo», e testemunhas daquela caridade universal que por meio
da castidade abraçada pelo Reino dos céus, os torna sempre
mais disponíveis para se dedicarem generosamente ao serviço
divino e às obras do apostolado.
Daqui a possibilidade de que os
religiosos e as religiosas, membros de Institutos seculares e
de outros Institutos de perfeição, singularmente ou
associados, desenvolvam um serviço seu às famílias, com
solicitude particular para com as crianças, especialmente se
abandonadas, indesejadas, órfãs, pobres ou deficientes;
visitando as famílias e tendo em atenção especial os doentes;
cultivando relações de respeito e de caridade com as famílias
incompletas, em dificuldade ou desagregadas; oferecendo o
próprio trabalho de ensino e de consulta para a preparação dos
jovens ao matrimónio e para a ajuda aos casais em relação a
uma procriação verdadeiramente responsável; abrindo as
próprias casas à hospitalidade simples e cordial, a fim de que
as famílias possam encontrar lá o sentido de Deus, o gosto da
oração e do recolhimento, o exemplo concreto de uma vida
vivida em caridade e alegria fraterna como membros de uma
família maior que é a de Deus.
Desejo acrescentar uma exortação mais
solícita aos responsáveis dos Institutos de vida consagrada,
para que queiram considerar - sempre no respeito substancial
pelo seu carisma original e próprio - o apostolado ao serviço
das famílias como um dos deveres prioritários, tornado mais
urgente pelo estado hodierno das coisas.
Leigos especializados
75. Podem prestar grande ajuda às
famílias os leigos especializados (médicos, juristas,
psicólogos, assistentes sociais, consulentes, etc....) quer
individualmente quer empenhados em diversas associações e
iniciativas, com trabalho de esclarecimento, de conselho, de
orientação, de apoio. A eles bem podem aplicar-se as
exortações que tive ocasião de dirigir à Conferência dos
consulentes familiares de inspiração cristã: «A vossa tarefa
bem merece o qualificativo de missão, tão nobres são as
finalidades que visa e tão determinantes, para o bem da
sociedade e da mesma comunidade cristã, os resultados que dela
derivam... Tudo o que conseguirdes fazer em favor da família é
destinado a ter uma eficácia que, ultrapassando o âmbito
próprio, chegará também a outras pessoas e influirá sobre a
sociedade. O futuro do mundo e da Igreja passa através da
família».
Usuários e operadores da comunicação
social
76. Deve reservar-se uma palavra para
esta categoria tão importante na vida moderna. É mais que
sabido que os instrumentos de comunicação social «influem, e
muitas vezes profundamente, quer sob o aspecto afectivo e
intelectual, quer sob o aspecto moral e religioso, no animo de
quantos os usam», especialmente se jovens. Podem ter um
influxo benéfico sobre a vida e sobre os costumes da família e
sobre a educação dos filhos, mas escondem também «insídias e
perigos consideráveis», e poder-se-ão tornar veículo - às
vezes hábil e sistematicamente manobrado como infelizmente
acontece em vários países do mundo - de ideologias
desagregadoras e de visões deformadas da vida, da família, da
religião, da moralidade, não respeitosas da verdadeira
dignidade e do destino do homem.
Perigo tanto mais real, enquanto «o modo
hodierno de viver - principalmente nas nações mais
industrializadas - leva bastantes vezes as famílias a
descarregarem-se das suas responsabilidades educativas,
encontrando na facilidade de evasão (representada, em casa,
especialmente pela televisão e por certas publicações) o meio
de terem ocupado o tempo e as actividades das crianças e dos
jovens». Daqui «o dever ... de proteger especialmente as
crianças e os jovens das "agressões" que sofrem por parte dos
mass-media», procurando usá-los em família de modo
cuidadosamente regrado. Assim também deveria preocupar a
família encontrar para os seus filhos outros divertimentos
mais sadios, mais úteis e formativos física, moral e
espiritualmente, «para potenciar e valorizar o tempo livre dos
jovens e encaminhar-lhes as energias».
Já que os instrumentos de comunicação
social - ao mesmo tempo que a escola e o ambiente - influem
muitas vezes notavelmente na formação dos filhos, os pais,
enquanto usuários, devem constituir-se parte activa no seu uso
moderado, crítico, vigilante e prudente, individuando qual a
repercussão tida nos filhos, e exercendo mediação orientadora
«de educar a consciência dos filhos a exprimir juízos serenos
e objectivos, que depois a guiem na escolha e na rejeição dos
programas propostos».
Com idêntico interesse, os pais
procurarão influir na escolha e na preparação dos programas,
mantendo-se - com iniciativas oportunas - em contacto com os
responsáveis dos vários momentos da produção e da transmissão
para se assegurarem que não serão abusivamente postos de lado
ou expressamente conculcados aqueles valores humanos
fundamentais que fazem parte do verdadeiro bem comum da
sociedade, mas, pelo contrário, sejam difundidos programas
aptos a apresentar, na sua verdadeira óptica, os problemas da
família e a sua adequada solução. A tal propósito o meu
predecessor de veneranda memória, Paulo VI, escrevia: «Os
produtores devem conhecer e respeitar as exigências da
família, o que supõe, por vezes, uma grande coragem e sempre
um alto sentido de responsabilidade. Com efeito, devem evitar
tudo o que possa lesar a família na sua existência, na sua
estabilidade, no seu equilíbrio, na sua felicidade. A ofensa
aos valores fundamentais da família - trate-se de erotismo ou
de violência, de apologia do divórcio ou de atitudes
anti-sociais dos jovens - é uma ofensa ao bem verdadeiro do
homem».
E eu mesmo, em ocasião análoga fazia
notar que as famílias «devem poder contar não pouco com a boa
vontade, rectidão e sentido de responsabilidade dos
profissionais dos media: editores, escritores, produtores,
directores, dramaturgos, informadores, comentadores e
actores». Por isso, é imperioso que também a Igreja continue a
dedicar toda a atenção a estas categorias de responsáveis,
encorajando e sustentando, ao mesmo tempo, aqueles católicos
que se sentem chamados e que tem dotes, a um empenhamento
neste sector tão delicado.
IV - A PASTORAL FAMILIAR NOS CASOS
DIFÍCEIS
Circunstâncias particulares
77. Um empenho pastoral ainda mais
generoso, inteligente e prudente, na linha do exemplo do Bom
Pastor, é pedido para aquelas famílias que - muitas vezes
independentemente da própria vontade ou pressionadas por
outras exigências de natureza diversa - se encontram em
situações objectivamente difíceis.
A este propósito é necessário voltar
especialmente a atenção para algumas categorias particulares,
mais necessitadas não só de assistência, mas de uma acção mais
incisiva sobre a opinião pública e sobretudo sobre as
estruturas culturais, económicas e jurídicas, a fim de se
poderem eliminar ao máximo as causas profundas do seu
mal-estar.
Tais são, por exemplo, as famílias dos
emigrantes por motivos de trabalho; as famílias de quantos são
obrigados a ausências longas, como, por exemplo, os militares,
os marinheiros, os itinerantes de todo o tipo; as famílias dos
presos, dos prófugos e dos exilados; as famílias que vivem
praticamente marginalizadas nas grandes cidades; aquelas que
não têm casa, as incompletas ou «monoparentais»; as famílias
com filhos deficientes ou drogados; as famílias dos
alcoólatras; as desenraizadas do seu ambiente social e
cultural ou em risco de perdê-lo; as discriminadas por motivos
políticos ou por outras razões; as famílias ideologicamente
divididas; as que dificilmente conseguem ter um contacto com a
paróquia; as que sofrem violência ou tratamentos injustos por
causa da própria fé; as que se compõem de cônjuges menores; os
anciãos, não raramente forçados a viver na solidão e sem meios
adequados de subsistência.
As famílias dos emigrantes, tratando-se
especialmente de operários e de agricultores devem encontrar
em toda a parte, na Igreja, a sua pátria. É este um dever
conatural à Igreja, sendo como é sinal de unidade na
diversidade. Na medida do possível sejam assistidos pelos
sacerdotes do seu próprio rito, cultura e idioma. Diz respeito
também à Igreja apelar à consciência pública e a quantos
exercem a autoridade sobre a vida social, económica e
política, para que os operários encontrem trabalho na sua
região e pátria. sejam retribuídos com um salário justo, as
famílias se voltem a unir o mais depressa possível, sejam
consideradas na sua identidade cultural, tratadas como as
outras e aos seus filhos sejam dadas oportunidades de formação
profissional e de exercício da profissão, como também da posse
da terra necessária para trabalhar e viver.
Um problema difícil é o das famílias
ideologicamente divididas. Nestes casos há necessidade de um
particular cuidado pastoral. Antes de tudo é preciso, com
discrição, manter um contacto pessoal com tais famílias. Os
crentes devem ser fortificados na fé e sustentados na vida
cristã. Embora a parte fiel ao catolicismo não possa ceder, é
preciso manter sempre vivo o diálogo com a outra parte. Devem
ser multiplicadas as manifestações de amor e de respeito, na
esperança firme de manter intocável a unidade. Depende muito
também das relações entre pais e filhos. As ideologias
estranhas à fé poderão estimular os membros crentes da família
a crescer na fé e no testemunho de amor. Outros momentos
difíceis em que a família tem necessidade de ajuda da
comunidade eclesial e dos seus pastores, podem ser: a
irrequieta adolescência contestadora e às vezes tumultuosa dos
filhos; o seu matrimónio, que os separa da família de origem;
a incompreensão ou a falta de amor da parte das pessoas mais
queridas; o abandono do cônjuge ou a sua perda, que faz
começar a experiência dolorosa da viuvez, a morte de um
familiar, que mutila e transforma em profundidade o núcleo
originário da família.
Igualmente não pode ser descurado pela
Igreja o momento da velhice, com todos os seus conteúdos
positivos e negativos: de possível aprofundamento do amor
conjugal sempre mais purificado e enobrecido pela longa e
sempre contínua fidelidade; de disponibilidade a pôr ao
serviço dos outros, em forma nova, a bondade e a sabedoria
acumuladas e as energias que permanecem; de dura solidão, mais
frequentemente psicológica e afectiva que física, por um
abandono eventual ou por uma atenção insuficiente dos filhos e
dos parentes; de sofrimento pela doença, pelo progressivo
declínio das forças, pela humilhação de ter que depender de
outros, pela amargura de se sentir talvez um peso para os seus
próprios entes queridos, pelo aproximar-se o fim da vida. São
estas as ocasiões em que - como insinuaram os Padres Sinodais
- mais facilmente se compreendem e vivem aqueles elevados
aspectos da espiritualidade matrimonial e familiar, que se
inspiram no valor da Cruz e ressurreição de Cristo, fonte de
santificação e de profunda alegria na vida quotidiana, à luz
das grandes realidades escatológicas da vida eterna.
Em todas estas variadas situações nunca
se descuide a oração, fonte de luz, de força e alimento da
esperança cristã.
Matrimónios mistos
78. O número crescente dos matrimónios
entre católicos e outros baptizados exige uma peculiar atenção
pastoral à luz das orientações e das normas, contidas nos mais
recentes documentos da Santa Sé e das Conferências episcopais,
para uma aplicação concreta às diversas situações.
Os casais que vivem em matrimónio misto
apresentam exigências peculiares, que se podem reduzir a três
aspectos fundamentais.
Antes de tudo, considerem-se as
obrigações da parte católica derivantes da fé, no que
concernem ao seu livre exercício e a consequente obrigação de
providenciar, segundo as próprias forças, ao baptismo e à
educação dos filhos na fé católica.
É necessário ter presente as particulares
dificuldades inerentes às relações entre marido e mulher no
que diz respeito à liberdade religiosa: esta pode ser violada
seja por pressões indevidas para obter a mudança de convicções
religiosas do ou da consorte, seja por impedimentos postos à
sua livre manifestação na prática religiosa.
No que diz respeito à forma litúrgica e
canónica do matrimónio, os Ordinários podem usar amplamente
das suas faculdades para as várias necessidades.
No tratamento destas exigências especiais
é preciso ter em conta os pontos seguintes:
* na preparação própria para este
tipo de matrimónio, deve ser feito um esforço razoável para
proporcionar um bom conhecimento da doutrina católica sobre as
qualidades e exigências do matrimónio, como também para se
certificar de que no futuro não se verifiquem as pressões e os
obstáculos, de que até agora se tem tratado;
* é de suma importância que, com o
apoio da comunidade, a parte católica seja fortificada na fé e
ajudada positivamente a amadurecer na sua compreensão e na sua
prática, de modo a tornar-se testemunha autêntica no seio da
família, mediante a vida e a qualidade de amor demonstrado ao
cônjuge e aos filhos.
Os matrimónios entre católicos e outros
baptizados, na sua fisionomia particular, apresentam numerosos
elementos que convêm valorizar e desenvolver, quer pelo seu
valor intrínseco, quer pela ajuda que podem dar ao movimento
ecuménico. Isto é verdade de um modo particular quando os dois
cônjuges são fiéis aos seus deveres religiosos. O baptismo
comum e o dinamismo da graça fornecem aos esposos, nestes
matrimónios, a base e a motivação para exprimir a sua unidade
na esfera dos valores morais e espirituais.
Para tal fim, e mesmo para pôr em
evidência a importância ecuménica de um tal matrimónio misto,
vivido plenamente na fé pelos dois cônjuges cristãos,
procure-se - mesmo que nem sempre seja fácil - uma colaboração
cordial entre o ministro católico e o não católico, desde o
momento da preparação para o matrimónio e para as núpcias.
Quanto à participação do cônjuge não
católico na comunhão eucarística, sigam-se as normas emanadas
do Secretariado para a união dos cristãos.
Em várias partes do mundo nota-se, hoje,
um crescente número de matrimónios entre católicos e não
baptizados. Em muitos casos o cônjuge não baptizado professa
uma outra religião e as suas convicções devem ser tratadas com
respeito, segundo os princípios da Declaração Nostra Aetate do
Concílio Ecuménico Vaticano II sobre as relações com as
religiões não cristãs; mas em muitos outros, particularmente
nas sociedades secularizadas, a pessoa não baptizada não
professa religião alguma. Para estes matrimónios é necessário
que as Conferências episcopais e cada bispo tomem medidas
pastorais adequadas, a fim de garantir a defesa da fé do
cônjuge católico e o seu livre exercício, principalmente no
que se refere ao dever de fazer quanto estiver ao seu alcance
para que os filhos sejam baptizados e educados catolicamente.
O cônjuge católico deve ser, além disso, apoiado em todos os
modos no empenhamento de oferecer à própria família um genuíno
testemunho de fé e de vida católica.
Acção pastoral perante algumas situações
irregulares
79. Na sua solicitude pela tutela da
família em todas as suas dimensões, não somente na dimensão
religiosa, o Sínodo dos Bispos não deixou de prestar atenta
consideração a algumas situações irregulares, religiosa e
muitas vezes também civilmente, que - nas rápidas mudanças
culturais hodiernas - se vão infelizmente difundindo mesmo
entre os católicos, com não pequeno dano do instituto familiar
e da sociedade, de que constitui a célula fundamental.
a) O matrimónio à experiência
80. Uma primeira situação irregular é
dada pelo que se chama «matrimónio à experiência», que hoje
muitos querem justificar, atribuindo-lhe um certo valor. A
razão humana insinua já a sua não aceitação, mostrando quanto
seja pouco convincente que se faça uma «experiência» em
relação a pessoas humanas, cuja dignidade exige que sejam elas
só e sempre, o termo do amor de doação sem limite algum nem de
tempo nem de qualquer outra circunstância.
Por sua parte, a Igreja não pode admitir
um tal tipo de união por ulteriores motivos, originais,
derivantes da fé. Por um lado, com efeito, o dom do corpo na
relação sexual é símbolo real da doação de toda a pessoa: uma
doação tal que, além do mais, na actual economia da salvação
não pode actuar-se com verdade plena sem o concurso do amor de
caridade, dado por Cristo. Por outro lado, o matrimónio entre
duas pessoas baptizadas é o símbolo real da união de Cristo
com a Igreja, uma união não temporária ou «à experiência», mas
eternamente fiel; entre dois baptizados, portanto, não pode
existir senão um matrimónio indissolúvel.
Ordinariamente tal situação não poder ser
superada se a pessoa humana, desde a infância, com a ajuda da
graça de Cristo e sem temores, não for educada para o domínio
da concupiscência nascente e para estabelecer com os outros
relações de amor genuíno. Isso não se consegue sem uma
verdadeira educação para o amor autêntico e para o recto uso
da sexualidade, de modo a introduzir a pessoa humana em todas
as suas dimensões, mesmo no referente ao próprio corpo, na
plenitude do mistério de Cristo.
Seria muito útil indagar sobre as causas
deste fenómeno, também no seu aspecto psicológico e
sociológico, para chegar a uma terapia adequada.
b) Uniões livres de facto
81. Trata-se de uniões sem nenhum vínculo
institucional, civil ou religioso, publicamente reconhecido.
Este fenómeno - cada vez mais frequente - não deixará de
chamar a atenção dos pastores, exactamente porque existindo na
sua base elementos muito diversos, será possível actuar sobre
eles e limitar-lhes as consequências.
Alguns, com efeito, consideram-se quase
constrangidos a tais uniões por situações difíceis de carácter
económico, cultural e religioso, já que contraindo um
matrimónio regular, seriam expostos a um dano, à perda de
vantagens económicas, à discriminação, etc. Outras, pelo
contrário, fazem-no numa atitude de desprezo, de contestação
ou de rejeição da sociedade, do instituto familiar, do
ordenamento socio-político, ou numa busca única de prazer.
Outros, enfim, são obrigados pela extrema ignorância e
pobreza, às vezes por condicionamentos verificados por
situações de verdadeira injustiça, ou também de uma certa
imaturidade psicológica, que os torna incertos e duvidosos na
contracção de um vínculo estável e definitivo. Em alguns
países os costumes tradicionais prevêem o matrimónio
verdadeiro e próprio só depois de um período de coabitação e
depois do nascimento do primeiro filho.
Cada um destes elementos põe à Igreja
árduos problemas pastorais, pelas graves consequências quer
religiosas e morais (perda do sentido religioso do matrimónio
à luz da Aliança de Deus com o seu Povo; privação da graça do
sacramento; escândalo grave), quer também sociais (destruição
do conceito de família; enfraquecimento do sentido de
fidelidade mesmo para com a sociedade; possíveis traumas
psicológicos nos filhos; afirmação do egoísmo).
Os pastores e a comunidade eclesial serão
diligentes em conhecer tais situações e as suas causas
concretas, caso por caso; em aproximar-se dos conviventes com
discrição e respeito; em esforçar-se com uma acção de
esclarecimento paciente, de caridosa correcção, de testemunho
familiar cristão, que lhes possa aplanar o caminho para
regularizar a situação. Faça-se, sobretudo, obra de prevenção,
cultivando o sentido da fidelidade na educação moral e
religiosa dos jovens, instruindo-os acerca das condições e das
estruturas que favorecem tal fidelidade, sem a qual não há
verdadeira liberdade, ajudando-os a amadurecer espiritualmente
e fazendo-lhes compreender a riqueza da realidade humana e
sobrenatural do matrimónio-sacramento.
O Povo de Deus actue também junto das
autoridades públicas, para que, resistindo a estas tendências
desagregadoras da própria sociedade e prejudiciais à
dignidade, segurança e bem-estar dos cidadãos, a opinião
pública não seja induzida a menosprezar a importância
institucional do matrimónio e da família. E já que em muitas
regiões, pela pobreza extrema derivante de estruturas
sócio-económicas injustas ou inadequadas, os jovens não estão
em condições de se casarem como convém, a sociedade e as
autoridades públicas favoreçam o matrimónio legítimo mediante
uma série de intervenções sociais e políticas, garantindo o
salário familiar, emanando disposições para uma habitação
adaptada à vida familiar, criando possibilidades adequadas de
trabalho e de vida.
c) Católicos unidos só em matrimónio
civil
82. Difunde-se sempre mais o caso de
católicos que, por motivos ideológicos e práticos, preferem
contrair só matrimónio civil, rejeitando ou pelo menos adiando
o religioso. A sua situação não se pode equiparar certamente à
dos simples conviventes sem nenhum vinculo, pois que ali se
encontra ao menos um empenhamento relativo a um preciso e
provavelmente estável estado de vida, mesmo se muitas vezes
não está afastada deste passo a perspectiva de um eventual
divórcio. Procurando o reconhecimento público do vínculo da
parte do Estado, tais casais mostram que estão dispostos a
assumir, com as vantagens também as obrigações. Não obstante,
tal situação não é aceitável por parte da Igreja.
A acção pastoral procurará fazer
compreender a necessidade da coerência entre a escolha de um
estado de vida e a fé que se professa, e tentará todo o
possível para levar tais pessoas a regularizar a sua situação
à luz dos princípios cristãos. Tratando-as embora com muita
caridade, e interessando-as na vida das respectivas
comunidades, os pastores da Igreja não poderão infelizmente
admiti-las aos sacramentos.
d) Separados e divorciados sem segunda
união
83. Motivos diversos, quais
incompreensões recíprocas, incapacidade de abertura a relações
interpessoais, etc. podem conduzir dolorosamente o matrimónio
válido a uma fractura muitas vezes irreparável. Obviamente que
a separação deve ser considerada remédio extremo, depois que
se tenham demonstrado vãs todas as tentativas razoáveis.
A solidão e outras dificuldades são
muitas vezes herança para o cônjuge separado, especialmente se
inocente. Em tal caso, a comunidade eclesial deve ajudá-lo
mais que nunca; demonstrar-lhe estima, solidariedade,
compreensão e ajuda concreta de modo que lhe seja possível
conservar a fidelidade mesmo na situação difícil em que se
encontra; ajudá-lo a cultivar a exigência do perdão própria do
amor cristão e a disponibilidade para retomar eventualmente a
vida conjugal anterior.
Análogo é o caso do cônjuge que foi
vítima de divórcio, mas que - conhecendo bem a
indissolubilidade do vínculo matrimonial válido - não se deixa
arrastar para uma nova união, empenhando-se, ao contrário,
unicamente no cumprimento dos deveres familiares e na
responsabilidade da vida cristã. Em tal caso, o seu exemplo de
fidelidade e de coerência cristã assume um valor particular de
testemunho diante do mundo e da Igreja, tornando mais
necessária ainda, da parte desta, uma acção contínua de amor e
de ajuda, sem algum obstáculo à admissão aos sacramentos.
e) Divorciados que contraem nova união
84. A experiência quotidiana mostra,
infelizmente, que quem recorreu ao divórcio tem normalmente em
vista a passagem a uma nova união, obviamente não com o rito
religioso católico. Pois que se trata de uma praga que vai,
juntamente com as outras, afectando sempre mais largamente
mesmo os ambientes católicos, o problema deve ser enfrentado
com urgência inadiável. Os Padres Sinodais estudaram-no
expressamente. A Igreja, com efeito, instituída para conduzir
à salvação todos os homens e sobretudo os baptizados, não pode
abandonar aqueles que - unidos já pelo vínculo matrimonial
sacramental - procuraram passar a novas núpcias. Por isso,
esforçar-se-á infatigavelmente por oferecer-lhes os meios de
salvação.
Saibam os pastores que, por amor à
verdade, estão obrigados a discernir bem as situações. Há, na
realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se
esforçaram por salvar o primeiro matrimónio e foram
injustamente abandonados e aqueles que por sua grave culpa
destruíram um matrimónio canonicamente válido. Há ainda
aqueles que contraíram uma segunda união em vista da educação
dos filhos, e, às vezes, estão subjectivamente certos em
consciência de que o prece dente matrimónio irreparavelmente
destruído nunca tinha sido válido.
Juntamente com o Sínodo exorto vivamente
os pastores e a inteira comunidade dos fiéis a ajudar os
divorciados, promovendo com caridade solícita que eles não se
considerem separados da Igreja, podendo, e melhor devendo,
enquanto baptizados, participar na sua vida. Sejam exortados a
ouvir a Palavra de Deus, a frequentar o Sacrifício da Missa, a
perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as
iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os
filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de
penitência para assim implorarem, dia a dia, a graça de Deus.
Reze por eles a Igreja, encoraje-os, mostre-se mãe
misericordiosa e sustente-os na fé e na esperança.
A Igreja, contudo, reafirma a sua práxis,
fundada na Sagrada Escritura, de não admitir à comunhão
eucarística os divorciados que contraíram nova união. Não
podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e
condições de vida contradizem objectivamente aquela união de
amor entre Cristo e a Igreja, significada e actuada na
Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo pastoral:
se se admitissem estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam
induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja
sobre a indissolubilidade do matrimónio.
A reconciliação pelo sacramento da
penitência - que abriria o caminho ao sacramento eucarístico -
pode ser concedida só àqueles que, arrependidos de ter violado
o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo, estão
sinceramente dispostos a uma forma de vida não mais em
contradição com a indissolubilidade do matrimónio. Isto tem
como consequência, concretamente, que quando o homem e a
mulher, por motivos sérios - quais, por exemplo, a educação
dos filhos - não se podem separar, «assumem a obrigação de
viver em plena continência, isto é, de abster-se dos actos
próprios dos cônjuges».
Igualmente o respeito devido quer ao
sacramento do matrimónio quer aos próprios cônjuges e aos seus
familiares, quer ainda à comunidade dos fiéis proíbe os
pastores, por qualquer motivo ou pretexto mesmo pastoral, de
fazer em favor dos divorciados que contraem uma nova união,
cerimónias de qualquer género. Estas dariam a impressão de
celebração de novas núpcias sacramentais válidas, e
consequentemente induziriam em erro sobre a indissolubilidade
do matrimónio contraído validamente.
Agindo de tal maneira, a Igreja professa
a própria fidelidade a Cristo e à sua verdade; ao mesmo tempo
comporta-se com espírito materno para com estes seus filhos,
especialmente para com aqueles que sem culpa, foram
abandonados pelo legítimo cônjuge.
Com firme confiança ela vê que, mesmo
aqueles que se afastaram do mandamento do Senhor e vivem agora
nesse estado, poderão obter de Deus a graça da conversão e da
salvação, se perseverarem na oração, na penitência e na
caridade.
Os sem-família
85. Desejo ainda acrescentar uma palavra
para uma categoria de pessoas que, pela situação concreta em
que se encontram - e muitas vezes não por sua vontade
deliberada - eu considero particularmente junto do Coração de
Cristo e dignas do afecto e da solicitude da Igreja e dos
pastores.
Infelizmente há no mundo muitíssimas
pessoas que não podem referir-se de modo algum ao que poderia
definir-se em sentido próprio uma família. Grandes sectores da
humanidade vivem em condições de enorme pobreza, em que a
promiscuidade, a carência de habitações, a irregularidade e
instabilidade das relações, a falta extrema de cultura não
permitem praticamente poder falar de verdadeira família. Há
outras pessoas que, por motivos diversos, ficaram sós no
mundo. Também para todos estes há um «bom anúncio da família».
Em favor
de quantos vivem na pobreza extrema, já falei da necessidade
urgente de trabalhar com coragem para se
encontrarem soluções mesmo a nível político, que consintam
ajudar a superar estas condições desumanas de prostração. É um
dever que incumbe, solidariamente, à sociedade inteira, mas de
uma maneira especial às autoridades pela força do seu cargo e
das responsabilidades consequentes, assim como às famílias,
que devem demonstrar grande compreensão e vontade de ajudar.
Àqueles que não têm uma família natural,
é preciso abrir ainda mais as portas da grande família que é a
Igreja, concretizada na família diocesana e paroquial, nas
comunidades eclesiais de base ou nos movimentos apostólicos.
Ninguém está privado da família neste mundo: a Igreja é casa e
família para todos, especialmente para quantos estão «cansados
e oprimidos».
CONCLUSÃO
A vós esposos, a vós pais
e mães de família;
a vós, jovens e donzelas, que sois o
futuro e a esperança da Igreja e do mundo e construireis o
núcleo que garantirá e dinamizará a família no terceiro
milénio que se aproxima;
a vós, veneráveis e caros Irmãos no
episcopado e no sacerdócio, queridos filhos religiosos e
religiosas, almas consagradas ao Senhor, que testemunhais aos
esposos a realidade última do amor de Deus;
a vós, homens todos de coração recto, que
por razões diversas vos preocupais da situação da família,
dirige-se com trepidante solicitude, a minha atenção ao final
desta Exortação Apostólica.
O futuro da humanidade passa pela
família!
É pois indispensável e urgente que cada
homem de boa vontade se empenhe em salvar e promover os
valores e as exigências da família.
Sinto-me no dever de pedir aos filhos da
Igreja um esforço especial neste campo. Conhecendo plenamente,
pela fé, o maravilhoso plano de Deus, eles têm uma razão mais
para se dedicar à realidade da família neste nosso tempo de
prova e de graça.
Devem amar particularmente a família. É o
que concreta e exigentemente vos confio.
Amar a família significa saber estimar os
seus valores e possibilidades, promovendo-os sempre. Amar a
família significa descobrir os perigos e os males que a
ameaçam, para poder superá-los. Amar a família significa
empenhar-se em criar um ambiente favorável ao seu
desenvolvimento. E, por fim, forma eminente de amor à família
cristã de hoje, muitas vezes tentada por incomodidades e
angustiada por crescentes dificuldades, é dar-lhe novamente
razões de confiança em si mesma, nas riquezas próprias que lhe
advém da natureza e da graça e na missão que Deus lhe confiou.
«É necessário que as famílias do nosso tempo tomem novamente
altura! É necessário que sigam a Cristo».
Compete ainda aos cristãos a tarefa de
anunciar com alegria e convicção a «boa nova» acerca da
família, que tem necessidade absoluta de ouvir e de
compreender sempre mais profundamente as palavras autênticas
que lhe revelam a sua identidade, os seus recursos interiores,
a importância da sua missão na Cidade dos homens e na de Deus.
A Igreja conhece o caminho pelo qual a
família pode chegar ao coração da sua verdade profunda. Este
caminho, que a Igreja aprendeu na escola de Cristo e da
história interpretada à luz do Espírito, não o impõe, mas
sente a exigência indeclinável de o propor a todos sem medo,
com grande confiança e esperança, sabendo, porém, que a «boa
nova» conhece a linguagem da Cruz. É, no entanto, através da
Cruz que a família pode atingir a plenitude do seu ser e a
perfeição do seu amor.
Desejo, por fim, convidar todos os
cristãos a colaborar, carinhosa e corajosamente, com todos os
homens de boa vontade, que vivem a responsabilidade própria no
serviço à família. Os que dentro da Igreja, em seu nome e sob
a sua inspiração, quer individualmente quer em grupos,
movimentos ou associações, se consagram ao bem da família,
encontram muitas vezes a seu lado pessoas e instituições
empenhadas no mesmo ideal. Na fidelidade aos valores do
Evangelho e do homem e no respeito a um legítimo pluralismo de
iniciativas, esta colaboração poderá favorecer uma mais rápida
e integral promoção da família.
E agora, ao concluir esta mensagem
pastoral, que visa chamar a atenção de todos sobre as pesadas
mas fascinantes tarefas da família cristã, desejo invocar a
protecção da Família de Nazaré.
Por misterioso desígnio de Deus, nela
viveu o Filho de Deus escondido por muitos anos: é, pois,
protótipo e exemplo de todas as famílias cristãs. E aquela
Família, única no mundo, que passou uma existência anónima e
silenciosa numa pequena localidade da Palestina; que foi
provada pela pobreza, pela perseguição, pelo exílio; que
glorificou a Deus de modo incomparavelmente alto e puro, não
deixará de ajudar as famílias cristãs, ou melhor, todas as
famílias do mundo, na fidelidade aos deveres quotidianos, no
suportar as ânsias e as tribulações da vida, na generosa
abertura às necessidades dos outros, no feliz cumprimento do
plano de Deus a seu respeito.
Que São José, «homem justo», trabalhador
incansável, guarda integérrimo dos penhores que lhe foram
confiados, as guarde, proteja e ilumine.
Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, seja
também a Mãe da «Igreja doméstica» e, graças ao seu auxílio
materno, cada família cristã possa tornar-se verdadeiramente
uma «pequena Igreja», na qual se manifeste e reviva o mistério
da Igreja de Cristo. Seja Ela, a Escrava do Senhor, o exemplo
de acolhimento humilde e generoso da vontade de Deus; seja
Ela, Mãe das Dores aos pés da Cruz, a confortar e a enxugar as
lágrimas dos que sofrem pelas dificuldades das suas famílias.
E Cristo Senhor, Rei do Universo, Rei das
famílias, como em Caná, esteja presente em cada lar cristão a
conceder-lhe luz, felicidade, serenidade, fortaleza.
No dia solene dedicado à sua Realeza,
peço que cada família Lhe ofereça um contributo próprio,
original para a vinda no mundo do seu Reino, «Reino de verdade
e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de
paz», para o qual se encaminha a história.
A Ele, a Maria e a José confio cada
família. Nas suas mãos e no seu coração ponho esta Exortação:
sejam Eles a transmiti-la a vós, veneráveis Irmãos e dilectos
filhos, e a abrir os vossos corações à luz que o Evangelho
irradia sobre cada família.
A todos e a cada um, assegurando a minha
constante prece, concedo de coração a Bênção Apostólica em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia
22 de Novembro de 1981, Solenidade de N. S. Jesus Cristo Rei
do Universo, quarto ano do meu Pontificado.
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