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DOCUMENTOS OFICIAIS DA IGREJA
 
A Família à luz do mistério de Deus revelado em Jesus Cristo

D. António Taipa
Bispo Auxiliar do Porto


I

Introdução


 1 – O tema que me foi proposto – "A Família à luz do mistério de Deus revelado por Jesus Cristo" – convida naturalmente a "ver" a família, ou a instituição familiar, no âmbito da história da revelação-salvação, no âmbito desse diálogo salvífico entre Deus e o homem protagonizado especialmente pelo povo que escolheu e elegeu para o efeito, e que atinge o seu cume em Jesus de Nazaré, filho de Deus feito homem, palavra última e definitiva do Pai.

Não se trata pois de um exercício de diversão, mais ou menos interessante, proporcionado pela celebração do aniversário do nascimento desse Jesus. Trata-se, sim, de fazer recuar a família à sua origem, à sua fonte, a Deus, mistério de amor infinito sem limite nem fronteiras, e entendê-la no âmbito e no horizonte do processo de revelação desse mesmo Deus.

 

2 – Assim se diz também que é em Jesus, revelação última e perfeita de Deus, que nós encontraremos a verdade inteira da Família, o seu sentido, e toda a profundidade da sua significação teológica. E será também um pressuposto desse tema assumir a instituição familiar como um dos espaços humanos mais ricos na revelação de Deus, ou para o acesso à verdade de Deus.

 

3 – Vamos tentar de maneira rápida e simples, percorrer esse caminho do homem para Deus e de Deus para o homem.

 

4 – Entendendo a família como a comunidade humana estável que tem as suas raízes no vínculo de sangue e se apoia na realidade matrimonial, vamos fazer recair a nossa reflexão sobre esta comunhão conjugal. Como diz o Santo Padre João Paulo II, é essa comunhão conjugal que "constitui o fundamento sobre o qual se edifica a mais ampla comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das irmãs entre si, dos parentes e outros familiares" (FC 21)

 

II

A caminho de Jesus

 

Um dia, alguns fariseus perguntaram a Jesus se era lícito ao homem repudiar a sua esposa por qualquer motivo. Fizeram-no para o apanhar. De facto, se ele respondesse à sua questão, dava como aceite a separação que no tempo já se não discutia, podendo apenas opinar sobre os seus eventuais motivos, optando por uma ou outra das correntes, mais exigente ou mais permissiva.

Jesus porém não entra no jogo dos seus interlocutores. Remete-os para o "princípio". E no princípio não foi assim. Jesus fá-los recuar para antes de qualquer legislação ou instituição humana, fá-los recuar ao projecto do Criador.

Remete-os para as páginas iniciais da Sagrada Escritura, os primeiros dois capítulos do Génesis. Provindo de duas épocas diferentes, são eles também já o ponto de chegada duma revelação que vai acontecendo ao longo da história de um povo que, assumindo e partilhando os usos e costumes do seu tempo, a cultura de seus vizinhos, se vai abrindo à verdade do homem e de Deus, sob a luz do Espírito que desde o início está presente à obra da criação como força da Palavra criadora.

"Não é bom que o homem esteja só" (Gn 2,18). Assim exprime o autor sagrado a sua percepção de que, só, o homem não é. Só, não se descobre, não se encontra, não toma consciência de si, não cresce, não realiza cabalmente a resposta à Palavra criadora.

Trata-se de uma particular e especial solidão. De facto ela, que impede o homem de ser, não é quebrada por nada de tanto que Deus coloca à sua volta, nem tão pouco, pelo domínio e senhorio que o Criador lhe confere sobre todos os seres que nomeia.

Só um ser semelhante a ele quebraria tal solidão. Só um ser semelhante a ele lhe possibilitaria uma resposta perfeita ao gesto criador.

E Deus apresentou-lho, tirado dele mesmo, carne de sua carne e ossos de seus ossos; por isso, porque tirado do homem, ficou a chamar-se mulher, e "por isso o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua mulher e serão uma só carne" (Gn 2,24)

É porque foi tirada dele, que o homem se une a ela, para ser completo, e é nessa união que o ser humano é.

É no desaparecimento de cada um, que acontece na doação que faz de si ao outro, que nasce essa terceira realidade o "nós" da comunhão, em que um e outro se encontram, em que cada um se constrói e se descobre na sua originalidade.

Mais tarde, a mesma realidade vai ser dita duma maneira menos "rude", menos "tosca", duma forma mais burilada, dum modo mais evoluído ou mais sublime, e significando um eventual avanço no campo da captação da realidade significada. Aqui o homem ainda é criado primeiro que a mulher.

 

"Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; ele os criou homem e mulher". (Gn 1, 17).

Aqui se diz que o ser humano acontece na complementaridade do masculino e feminino. Que, não sendo relação, é um ser relacional. Que é aí, e por aí, que ele se conhece, se encontra, vive e se realiza na sua originalidade.

Assim se diz que a imagem de Deus transparecerá da relação complementar vivida entre o homem e a mulher. É "conhecendo" a mulher que o homem conhece a Deus. Quer dizer que o conhecimento que Deus proporciona de si mesmo brota da estrutura do próprio ser humano como masculino/feminino. Do seu ser relacional.

Trata-se, como é claro duma relação entre distintos, que não é simplesmente a justaposição de um mais um, mas uma relação em que cada um dos dois é plenamente ele mesmo quando, e na medida em que, sai de si mesmo à procura do outro.

O ser humano é assim uma realidade dinâmica, a construir permanentemente na resposta amorosa ao Deus criador.

No conhecimento-doação mútuo revelam-se a si mesmos, conhecem a Deus, e são chamados a prolongar a obra criadora, uma vez que no pleno desse conhecimento, dessa entrega, nasce um terceiro, fruto do amor de ambos – o filho.

Então podemos dizer que é o "filho" o espaço do conhecimento perfeito e da realização do homem e a mulher; é aí que homem e mulher se descobrem na perfeição da sua resposta ao Deus criador.

Aqui fica expressa a igualdade entre o homem e a mulher, aqui o ser humano como multipessoal, aqui a pré-revelação, se assim podemos falar, e a abertura ao mistério dum Deus multipessoal, que em Jesus se revelará como Trindade.

Este conhecimento entre o homem e a mulher torna-se numa descoberta e, em certo sentido, numa revelação operada por aquele novo ser em que ambos, homem e mulher, se recebam a si mesmos na sua dignidade.

Dissemos que a este "princípio" o homem chegou numa já avançada etapa da sua história. Numa luta, pela verdade de si e de Deus, entre o regime patriarcal e o regime matriarcal, entre um matrimónio fruto de conveniências políticas e económicas, que o amor às vezes prejudicava, e um matrimónio igualitário, monogâmico e fruto da entrega dos esposos, que vamos depois encontrar, como desejo, como anelo no Cântico dos Cânticos, poderíamos dizer, como profecia. Aqui chega o homem no caminho de um Deus do trovão, terrível e poderoso, a um Deus amor, doação e misericórdia.

Foi para este "princípio" que Jesus remetera e do qual o pecado do homem veio afastando a instituição conjugal e familiar. E os desvios foram mesmo sancionados pela lei. Mas tudo isso por causa da cabeça dura do homem.

O "regresso" vai ser operado por Jesus em quem e por quem se vai revelar a verdade inteira de Deus e do homem, e vai ser dada a este, pelo Espírito, a capacidade de responder ao projecto inicial.

 

III

Em Jesus Cristo

 

Serviu esta relação esponsal entre o homem e mulher para significar, para pôr o homem no caminho da inteligência da relação amorosa entre Deus e o seu povo, da aliança, como aliança de amor. Mas o modelo era imperfeito. O homem tinha fugido da sua verdade. Por isso se complementava essa simbologia com outras tiradas igualmente da instituição familiar. Então, se Deus se dizia Esposo e o Povo esposa, se o pecado se significava como adultério e o povo, quando pecava, se assemelhava à mulher adúltera que se prostituía com outros falsos maridos, também se dizia Pai particularmente sensível às situações difíceis de seus filhos, Pai que ama com amor materno, namorado apaixonado pela sua donzela que corre por montes e vales na busca da sua amada.

 

Vai ser com Jesus que tudo vai regressar à verdade do "princípio", Ele é a Incarnação do Verbo que "Era no princípio".

Vai voltar à verdade aí escondida. Verdade absolutamente insuspeitada, que homem algum podia imaginar.

Efectivamente Jesus não vai simplesmente revelar a verdade inteira da aliança entre Deus e os homens. Ele mesmo é a Aliança, a Nova Aliança que a primeira prefigurava e para a qual apontava.

É como Aliança, como comunhão de amor, Deus dado aos homens e o Homem entregue a Deus, na força e pela força do Espírito, que Ele mesmo, Jesus, se constitui revelador final e definitivo de Deus, para o qual as instituições humanas, o homem na sua história, iam apontando, e modelo acabado do homem perfeito.

Efectivamente já o AT tinha podido pressentir que o amor, sendo o grande mandamento (Dt 6,5) e valor supremo da vida, deveria ser a mais exacta definição de Deus (cf. Ex 34,6). Mas aí tratava-se de uma linguagem criada pelo homem que era preciso transpor e descodificar. Agora, em Jesus Cristo, Deus provou inequivocamente, de maneira visível e incarnada, que aquela é a única "definição" que o diz, não em si mesmo, naturalmente, mas na sua relação com os homens e o mundo. Em Jesus, Deus revela-se-nos como um Pai que nos ama no mesmo amor com que ama e gera o seu Filho bem amado, e que, pelo dom do mesmo amor, o Espírito, nos capacita para amor idêntico.

É no mistério da sua Morte e Ressurreição, é no mistério da sua Cruz, trono à direita do Pai, donde envia o Espírito, que Jesus é verdade de Deus e do Homem. É aí que Ele é a Verdade.

Aquele Deus multipessoal é aí revelado como um mistério de amor em três pessoas – Pai, Filho, Espírito Santo – que se virão a definir como relação amorosa subsistente e eternamente fecunda.

É igualmente aí que Jesus revela o homem como um ser dado, dado por amor aos homens e aos irmãos, na constituição daquela unidade na qual e pela qual o ser humano é revelação do mistério de Deus.

É por referência a este mistério que o baptizado em Cristo, tendo sido criado por amor, responde à sua vocação ao amor, por força do Espírito Santo que o habita e que na Trindade é princípio de comunhão e distinção entre o Pai e o Filho.

E responde, como diz João Paulo II, no Matrimónio, e na Virgindade, por amor do reino (FC 16).

Aí e por aí se vê a dimensão teológica da vida dos esposos, da vida conjugal.

Une-os aquele Espírito que a cada um revela o outro com um dom de Deus, como oferta daquele que é puro Dom.

Desposando-se entre si, em Cristo (cf. ICor 7,36), isto é, no amor recíproco – "este é o meu mandamento que vos ameis como eu vos amei" (Jo 15) – os esposos têm Cristo no meio deles como realização e cumprimento da promessa feita pelo profeta "farei a minha morada no meio deles, serei o seu Deus e eles serão o meu povo" (Ex 37,27). A única condição para que tal aconteça é a recíproca entrega e submissão de um ao outro em Cristo (cf. Ef 5) levadas até a medida revelada na cruz: "ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida pelos seu amigos" (Jo 14,13).

Quer dizer que este Cristo que neles está presente é, ao mesmo tempo, o fruto e o espaço do seu próprio encontro. É ele, pelo seu Espírito, que torna possível esse amor, que o torna presente de maneira viva e activa.

Amados assim em Cristo, e à maneira de Cristo, fazem-se amigos daquele que revela os segredos do Pai e os faz penetrar na vida da Trindade com quem fazem "um só" e, ao mesmo tempo, fazem-se amigos um do outro, pondo tudo em comum, do que são ao que têm, do que sabem ao que podem, como expressão daquele amor ideal cantado na Cântico dos Cânticos (5, 2.16).

O "sereis uma só carne" do Génesis, atinge então uma significação muito mais profunda na medida em que agora, por força do Espírito enviado, se converte em "como tu Pai o és em mim e eu em ti, que eles sejam um só" (Jo 17,21). Por aqui, por esta unidade, se torna o casal humano testemunha de que o Pai enviou o Filho ao mundo.

Os cônjuges, desposados em Cristo, na sua comunhão são obra do Espírito. O seu amor é divino humano.

Tornar presente no mundo este mistério de amor que é Deus Trino, é a missão e vocação do casal e da família.

 

IV

A Família espelho da Trindade

 

Recebendo a sua vida como um dom de Deus, a Família torna-se na imagem mais perfeita de Deus na terra.

Comunhão de amor, presença ao mundo desse amor vivo e fecundo de Deus revelado em Jesus, a Família torna-se na imagem mais perfeita de Deus.

Até Jesus Cristo, os homens foram falando de Deus transcendente e invisível pela mediação de categorias humanas, e categorias familiares como dissemos.

Ora, em Jesus Cristo, esse Deus, transcendente e invisível, fez-se presente à história e aos homens, viu-se. Nele vemos agora aquilo para que antes se apontava. Agora é Ele que se torna o nosso modelo.

Foi Paulo que melhor apresentou as exigências e ao mesmo tempo a dignidade do matrimónio a partir do mistério de Cristo.

Para ele a protologia e a escatologia (que aconteceu já e há-de consumar-se) como alfa e ómega do desígnio de Deus sobre a humanidade em Cristo, revelam-se e realizam-se no acontecimento pascal em linguagem esponsal.

Aí de facto se realizam os esponsais de Cristo com a sua Igreja, que são o paradigma dos esponsais entre Adão e Eva e, por outro lado, o laço que une numa só carne o homem e a mulher em Cristo Crucificado e Ressuscitado (presença definitiva na história do Deus da origem que no Espírito se faz o nosso futuro escatológico) converte-se em paradigma eficaz dos novos céus e nova terra.

É nesta perspectiva e tensão escatológicas que se hão-de entender as palavras de Jesus "quem amar a esposa o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim" em que Ele aponta para a família escatológica, na qual já não haverá homem nem mulher.

O dom de si de Cristo à Igreja é, ao mesmo tempo, condição real e possibilidade, e modelo do dom recíproco dos esposos.

Mas que tipo de amor é esse? Sabemos que quando Jesus morreu, a Igreja ainda não existia. Esse amor é pois um amor constitutivo da mesma Igreja. Jesus amou e entregou-se todo por todos os homens. Na resposta a esse amor nasce a Igreja, limpa e purificada de todo o pecado. Assim também é o amor dos esposos que os constitui tais. Quer dizer, um rapaz ama uma rapariga e na resposta nasce uma realidade nova, a esposa. Um rapariga ama um rapaz e na resposta nasce um marido. Marido e esposa são portanto realidades a criar permanentemente pelo amor de ambos. São fruto desse amor. Sem ele temos justapostos uma mulher e um homem.

Mais, vimos já como a entrega, a doação dos esposos, na qual e pela qual se tornam eles mesmos, vai até ao aparecimento de um terceiro, o filho. Fruto daquele amor é o filho que os faz e revela como pai e mãe.

Como diz alguém, o nascimento do filho dá à família uma outra dimensão na simbologia da trindade: "A célebre fórmula de Blondel segundo a qual no casamento "dois seres não são mais que um e é quando são um que eles se tornam três", mostra bem o instante do milagre e da surpresa "trinitária", porque o terceiro não vem somente depois dos dois, mas aparece como um dom no instante em que os dois aceitam tornar-se um."

A família é, de facto, também ela um mistério de amor. A família é, de facto, a melhor imagem da Trindade Santíssima. Um amor entre distintos, recíproco e fecundo.

"A Igreja tem consciência de que o matrimónio e a família constituem um dos bens mais preciosos da humanidade" (FC 1)



BIBLIOGRAFIA

1 IGREJA CATÓLICA. Papa, 1978 (João Paulo II) Familiaris Consortio, (Exortação        Apostólica, de 22 de Novembro de 1981), Editorial A O, Braga, 1982

2 – IGREJA CATÓLICA. Papa, 1978 (João Paulo II), Carta às Famílias, 2 de Fevereiro de 1994, Secretariado Geral do Episcopado, Editora Rei dos Livros, 1994

3 – SEMANAS DE ESTUDIOS TRINITARIOS, XXIX, Salamanca, 1995, Misterio Trinitario y Familia Humana, Ed Secretariado Trinitario, Salamanca

4 – RAMOS, Frederico Pastor – A Família na Bíblia, Petropolis, Editora Vozes, 1999

5 – NUÑEZ, Angel Gonzalez, A Vida de Casal na Bíblia, Lisboa, Edições São Paulo, 1995

6 – BOROBIO, Familia, Sociedad, Iglesia, Identidad y mision de la familia cristiana, Bilbao, Desclée de Brouwer, 1994

7 – SICARI, Antonio, Des Symboles familliers, Comunio, 1986, XI, 6, p. 35-52

 

 

 

 

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