1. Ao País, atulhado de desafios, problemas e dificuldades, o
Parlamento acaba de lhe oferecer mais uma dita “reforma
fracturante”: a aprovação, por maioria, da lei que
disponibiliza, livre e em certas condições gratuitamente, a
chamada pílula do dia seguinte.
Este acto legislativo suscita-nos o mais vivo
repúdio.
Desde logo, porque configura mais um passo
estrategicamente delineado contra o primado da cultura da vida
e da responsabilidade na sociedade portuguesa.
A pílula do dia seguinte tem um de dois
efeitos: ou o de um medicamento tendencialmente perigoso
(sobretudo quando usado com frequência) se do acto sexual não
resultou uma gravidez, ou o de abortar uma gravidez na
sequência do acto sexual.
Por isso, chamar contraceptivo a um medicamento
que não é tomado para impedir a concepção, mas para “remediar”
a concepção é mais um eufemismo para enganar os incautos,
distraídos ou ignorantes.
No desenvolvimento da
vida só há dois momentos verdadeiramente determinantes e
qualificativos: a concepção e a morte. Entre estes dois
momentos, qualquer métrica da vida não passa de um artifício
assente em convenções jurídicas, sociais, económicas, mais ou
menos circunstanciais ou relativas.
Estamos, pois, perante mais um ataque à vida
nascente.
A ideia é bem visível: ganhar na secretaria
(leia-se: Assembleia da República), o que se perdeu no terreno
(leia-se: referendo popular).
A vida jamais poderá estar dependente de
ideologias.
A vida não é um conceito mais ou menos moldável
segundo as épocas. A vida não é um valor relativo. Pelo
contrário, a vida é um valor absoluto e inviolável.
O direito à vida (desde logo, à vida
nascente) não se pode confundir em caso algum com o direito
sobre a vida.
Por isso e coerentemente, temos afirmado a
nossa oposição a qualquer forma de ataque à vida, chame-se ele
aborto clínico, aborto químico, eutanásia, ou pena de morte.
2. A gravidade de mais este atentado aos
princípios traz consigo, por outro lado, um pressuposto de
legitimação comportamental que também repudiamos
veementemente.
De facto, na lei agora aprovada no Parlamento,
como de resto na lei sobre educação sexual (travestida de “lei
para o reforço das garantias do direito à saúde reprodutiva”),
faz-se, directa ou indirectamente, explícita ou
implicitamente, o incitamento ou o elogio da divulgação do
acto sexual como sendo neutro do ponto de vista pessoal,
moral, afectivo e social.
A educação sexual responsável e
responsabilizadora parece ser uma mera figura de retórica
nestes ditos avanços.
No âmbito de uma educação integral, a escola
deve actuar em nome dos pais e por sua delegação e não à
margem das famílias ou até contra elas.
É preciso dizer, frontalmente e sem sofismas,
que a família tem o direito e a responsabilidade de se assumir
como o primeiro e decisivo espaço de realização e
desenvolvimento harmonioso da personalidade dos filhos e como
o veículo mais estável e perene de transmissão de princípios
de vida, afectos e comportamentos.
Que educação sexual é esta que se revê em
embalagens de preservativos distribuídos pelas autoridades
públicas sanitárias (pagas por todos nós) que qualifica o acto
sexual avulso de “valoroso acto” (sic) e tem como principal
mensagem escrita a de que – e passa-se a citar - “Estás a um
preservativo do melhor momento da tua vida”?
A educação sexual é, indubitavelmente, um
imperativo dos dias de hoje.
Mas tal implica que assuma uma perspectiva
integral e não redutora, formativa e não desgarradamente
informativa, responsável e não permissiva, ancorada no
direito-dever e não baseada no indiferentismo e minimalismo
éticos, centrada na estabilidade e não no presentismo, no
relativo, no avulso e na poluição afectiva.
3. Mas não é só no plano dos valores que
repudiamos esta iniciativa.
É também no campo da
justiça social, porque ao mesmo tempo que tudo ou quase tudo
se oferece no domínio do “direito à saúde reprodutiva”, não há
dinheiro para ajudar muitos que sofrem as injustiças e a
ineficiência do serviço público de saúde, de que o exemplo
mais desesperante são as listas de espera nos hospitais.
Que equilíbrio é este num Serviço Nacional de
Saúde pago pelos contribuintes, que disponibiliza
gratuitamente a pílula do dia seguinte, mas que não tem o
mesmo tratamento em relação a medicamentos para proteger a
saúde, defender a vida ou aliviar a dor?
4. A discussão do diploma agora aprovado no
Parlamento ignorou os portugueses. É certo que foram ouvidas
algumas organizações da sociedade civil que maioritariamente
se pronunciaram contra a iniciativa. Mas, como de costume, fez
ouvidos de mercador. Tratou-se, tão só, de um ritual que
cumprisse uma discussão mínima garantida e pudesse ser
proclamada formalmente.
Ao mesmo tempo, jazem na inércia parlamentar
iniciativas que poderiam ajudar a melhorar as condições de
maternidade e a incentivar as acções de solidariedade e de
voluntariado no acolhimento e apoio às mães e crianças em
dificuldade, e são rejeitadas outras, no âmbito da política
fiscal, de apoio à família e à maternidade.
5. Em matérias como esta, a Comissão Nacional
Justiça e Paz, a Associação Juntos pela Vida e outros
movimentos pró-vida, exigem que seja dada voz efectiva e
espaço concreto às organizações da sociedade para que a sua
opinião e sobretudo a experiência solidária em favor
incondicional da vida possam ser justamente consideradas.
Os valores essenciais do país e dos portugueses
não podem estar à mercê da nova “ideologia” de sondagens
enganadoras que, de facto, não os retratam, nem de modas e
conjunturas mais ou menos irresponsáveis.
Como ainda recentemente os Bispos de Portugal
escreveram: “As nossas famílias e os nossos jovens mereciam
melhor”.
Continuaremos a lutar, com a mesma convicção e
determinação, pela primazia da vida, da responsabilidade e da
dignidade, como bases para a realização integral da pessoa
humana.
Lisboa, 28 de Março de 2001
A Comissão Nacional Justiça e Paz |