As
próximas eleições legislativas de 10 de Outubro serão mais um
importante momento da vida democrática do País.
Antes e
durante a campanha eleitoral, as diferentes forças
político-partidárias apresentam os seus programas de acção aos
portugueses e sucedem-se os debates em seu torno.
A Comissão Nacional Justiça e Paz que não pretende, como é
óbvio, imiscuir-se no plano estritamente eleitoral, considera,
porém, dever pronunciar-se sobre tão importante momento e
dirigir-se às pessoas e às forças políticas concorrentes,
procurando ser uma instância de consciência construtiva e
sensível às exigências do bem comum para os grandes desafios
políticos, sociais, económicos e éticos.
Esta
iniciativa parece tanto mais útil quanto é, por vezes, notória
a fuga dos debates democráticos para problemas menores,
epifenómenos meramente circunstanciais ou com alguma expressão
personalizada ou circunscrita a clientelas ou grupos,
esfumando-se o verdadeiro e profundo debate das questões
essenciais do futuro.
De um
modo que necessariamente não pretende ser exaustivo, a CNJP
pretende chamar a atenção para a abordagem de alguns
princípios que se reputam basilares:
- A
defesa inalienável de uma responsável cultura da vida que
promova o direito da criança a nascer, combata as causas do
aborto e proteja a maternidade, em vez de uma propagação
anódina de comportamentos indutores do aborto, da eutanásia,
da violência do quotidiano, da falta de sentido de vida para
alguns jovens.
- O
robustecimento do papel e importância da família na
transmissão da vida, na educação do carácter e na aprendizagem
de atitudes, prevenindo a banalização de factores de
debilitação ou desagregação dos laços familiares e de ataques
mais ou menos organizados à instituição familiar, e a
expressão incontrolável do individualismo e do hedonismo.
- A
criação de condições para uma consistente educação para a
cidadania como base e fundamento dos programas de ensino,
promotora de uma sólida cultura de valores, de direitos e
deveres humanos, que induza o generoso equilíbrio entre uma
ética da convicção e uma ética da responsabilidade e que dê
real valor às competências sociais, profissionais, morais e
afectivas.
- O
favorecimento de uma maior aproximação entre as decisões
políticas e as verdadeiras prioridades dos cidadãos aferida,
entre outros aspectos, por renovadas expressões de democracia
participativa, pelo direito não meramente formal de
iniciativas da sociedade civil, pela transparência e
visibilidade dos processos de criação das leis e por uma
Administração Pública ágil, eficiente e respeitadora dos
legítimos interesses dos cidadãos.
- Uma
ordenação da economia social de mercado que seja capaz de
encontrar o justo equilíbrio entre a busca do progresso
material e económico, a salvaguarda do estímulo e da
iniciativa, a garantia do sustento e dignidade das pessoas
mais vulneráveis, a defesa da igualdade de oportunidades, e a
primazia de princípios éticos e cívicos de vida em sociedade.
- A
assumida e não apenas tolerada expressão do princípio da
subsidiariedade como princípio de liberdade, de iniciativa e
de criação, através do reconhecimento do papel insubstituível
das pessoas, das famílias e dos diferentes membros do corpo
social nas vertentes económica, social, cultural, educacional
e cívica e através da contratualização de serviços
comunitários de proximidade.
- A
necessidade de uma aplicação mais equitativa do princípio da
solidariedade social e geracional, seja no domínio fiscal e da
protecção da poupança, seja quanto à definição das prioridades
sociais públicas que devem proteger os mais pobres, os mais
sós, os desempregados, os doentes crónicos, os portadores de
deficiências graves e os "sem-abrigo".
-
Neste contexto, é imperativo nacional o desenvolvimento
sustentado e justo dos sistemas de prestações sociais, de
saúde e de pensões de reforma que devolvam a dignidade a todos
sem excepção, promovam uma cultura previdencial partilhada e
não uma estigmática dependência e não venham a constituir um
ónus insustentável para as gerações vindouras
- A
consolidação de práticas e leis que previnam ou esbatam
situações de manifesta injustiça no mundo laboral e de
desajustamento entre o direito ao trabalho e o dever de
trabalhar, designadamente respeitando o valor da maternidade e
paternidade, a conciliação entre as responsabilidades
familiares, profissionais e educativas e a protecção dos
menores.
- O
propósito de aumentar as condições de segurança dos cidadãos
face à diluição das tradicionais redes de segurança, à
violência urbana, e à centrifugação para a margem da cidade,
bem como a necessidade de diminuir a morosidade do aparelho
judicial, de humanizar os estabelecimentos prisionais e de
apoiar as vítimas de crimes.
- A
criação de condições efectivas - e não meramente formais e
dilatórias - de combate, sem tréguas, ao fenómeno alastrante e
insidioso da corrupção que, preocupante e crescentemente, vem
minando a confiança nas regras sociais, económicas e éticas de
uma vida sã em sociedade, bem como a erradicação de situações
ilegítimas de sobreposição de interesses pessoais e de grupo
ao interesse geral e ao bem comum.
- O
respeito pela privacidade e o primado familiar da educação
exigem uma tomada de consciência colectiva sem preconceitos
sobre a onda de relativismo dos comportamentos sociais e o
indiferentismo ético que invadem progressivamente a sociedade
portuguesa em diferentes expressões públicas de comunicação
social, de publicidade e das chamadas indústrias dos tempos
livres.
- O
desenvolvimento cultural deve exprimir-se e orientar-se para o
bem da comunidade e de toda a sociedade, nas suas diferentes
vertentes social, racional, espiritual, etnológica e
ambiental, contribuindo para a libertação de todos quantos
suportam a miséria da ignorância, para o aperfeiçoamento
integral, harmonioso e pluridimensional da pessoa humana e
para o pleno respeito da natureza.
Os cidadãos eleitores terão à sua disposição os programas
apresentados pelos partidos concorrentes que darão a sua
resposta a muitas das questões aqui enunciadas.
A CNJP permite-se, porém, chamar a atenção para a necessidade
de a campanha eleitoral ser suficientemente esclarecedora
quanto a algumas matérias que muitos cidadãos considerarão
essenciais para a formulação da sua posição em 10 de Outubro.
A
título tão só exemplificativo, eis algumas dessas perguntas
que desejavelmente deverão ser directa e claramente
respondidas:
Que
posição assumem perante o aborto?
Que política familiar propõem ao País?
Quais as bases de uma reforma educativa para os jovens?
O que entendem apresentar em matéria de planeamento familiar e
educação sexual?
Qual o peso e alcance das consultas à população, seja pela via
referendária ou por outra forma de participação?
Que
rumo deve ser imprimido às reformas a encetar na saúde e nas
pensões?
Quais os traços dominantes da reforma fiscal, quanto à
equidade, simplicidade e eficácia?
Como reforçar a coesão social e quais as prioridades sociais
num contexto necessariamente limitado de recursos colectivos?
Qual
o papel que se entende reservar às empresas no domínio da
igualdade de oportunidades?
Que compromisso entre mercado e ética no domínio da
publicidade e da comunicação social?
Como diminuir o fosso entre a população urbana e rural, das
grandes cidades e do interior, da agricultura e dos serviços?
Que atitude perante a pobreza e como preveni-la pela inserção
social e combatê-la sem a instrumentalizar?
Como
dignificar o papel dos mais velhos numa sociedade utilitária e
geracionalmente mais egoísta?
Como conciliar o desenvolvimento económico com as preocupações
ecológicas, a limitação de alguns recursos naturais e a
qualidade de vida em particular nas zonas mais
industrializadas e deprimidas?
Como democratizar o acesso aos bens culturais no respeito
pelos valores fundamentais da pessoa humana?
Que meios se devem utilizar para uma consistente e preventiva
actuação contra todas as formas de corrupção?
Para a CNJP a ideia fundamental que deve estar no centro do
debate eleitoral é a de colocar a pessoa humana e a sua
dignidade como ponto de partida e de chegada de todo e
qualquer projecto e processo políticos.
Num
ano em que se encerra as comemorações do cinquentenário da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, é importante
aprofundar a dignidade imanente de todos os membros da família
humana e o reconhecimento de direitos iguais e inalienáveis
como fundamento da liberdade democrática, da justiça, da paz e
da segurança.
A
CNJP manifesta a esperança de uma campanha eleitoral
totalmente esclarecedora sobre os principais desafios que se
nos colocam, evitando-se, de uma vez por todas, a prática de
se apresentarem projectos legislativos sobre matérias vitais
para a sociedade portuguesa que pura e simplesmente são
ignorados ou menorizados nos programas e debates eleitorais.
Veja-se o caso do debate sobre o aborto na legislatura que
agora acaba.
A
CNJP espera, também, que do debate e dos resultados eleitorais
não sobressaiam apenas os aspectos tácticos, circunstanciais
ou de facilitismo e voluntarismo precipitados, mas, pelo
contrário, com crescente amadurecimento cívico e democrático,
se não perca de vista a dimensão de longo prazo, geracional e
estratégica das opções apresentadas.
A
CNJP apela à participação de todos os cidadãos nas eleições de
10 de Outubro na fundada esperança que este acto cívico seja
mais uma oportunidade ganha para o progresso social e o
desenvolvimento humano de Portugal, certo de que "a pessoa
humana é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as
instituições sociais (Gaudium et Spes).
A Comissão Nacional Justiça e Paz
21 de Setembro de 1999
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