MISSA NA MORTE DO PAPA FRANCISCO
Caríssimos irmãos e irmãs!
Em profunda comunhão com a Igreja de Cristo, celebramos a missa de ação de graças pela vida e missão do Papa Francisco e para pedir a Deus que o acolha na glória da eternidade.
Somos agradecidos a Deus pelo dom que ofereceu à Igreja e à humanidade no Papa Francisco. Estávamos num tempo de grande perturbação na Igreja, com muita dificuldade de erguer a cabeça no meio de escândalos, afastamentos, dificuldades internas e externas que dificultavam a tarefa de levar por diante o projeto de Deus, o de sermos como Igreja peregrina unida a Cristo, o sinal da salvação de Deus para todos os povos da terra. Deus mostrou-nos de novo que não esquece o Seu povo e que nunca o deixa abandonado ou entregue às suas provações.
A novidade que irrompe com a pessoa, a palavra e a ação do Papa Francisco, precisa de ser lida à luz da fé na assistência contínua do Espírito Santo à Igreja. Não significa que tenham acabado as provações, mas temos a confiança necessária para continuar o caminho, animados pelo pastor que nos foi dado.
Rezamos pelo Papa Francisco, agora que terminou a sua peregrinação sobre a terra, porque acreditamos que toda a criatura humana só pode alcançar a vida eterna pela fé e pela misericórdia de Deus. Jesus Cristo ofereceu-se à morte de cruz para salvar todos os que estavam sujeitos ao pecado e à morte, e o Papa Francisco tinha plena consciência desse mistério da fé que nos envolve.
A nossa oração pelo Papa é, ao mesmo tempo, um sinal do nosso amor por ele, da comunhão que nos une e da obediência generosa e disponível que manifestamos em relação à sua pessoa e missão. O pedido mais frequente do Papa aos fiéis, tanto nas grandes assembleias como nos encontros pessoais, é este: rezem por mim; não vos esqueçais de rezar por mim. Não se tratava de uma fórmula ou de um refrão que se usam de ânimo leve ou por hábito adquirido; tratava-se de uma convicção, aliás manifestada logo quando compareceu no balcão da basílica de S. Pedro após a eleição e pediu à assembleia de fiéis que implorasse para ele a bênção de Deus. Significava a consciência de estar nas mãos de Deus, a disponibilidade para realizar exclusivamente a obra de Deus, a certeza de que não poderia realizar a sua missão sem a força de Deus.
Assim como rezámos por ele durante a vida, rezemos também por ele na morte; manifestamos o nosso amor filial, a nossa obediência ao seu magistério e a nossa fé segundo a qual a salvação da humanidade é a obra mais maravilhosa de Deus.
Além de agradecermos a Deus, agradecemos ao Papa Francisco porque nos deu um grande testemunho de submissão aos desígnios de Deus e nos ensina a incarnar o Evangelho na vida à maneira dos apóstolos e discípulos do Senhor.
A leitura do Livro dos Atos dos Apóstolos, que escutámos, levam-nos a fazer uma releitura do Papa Francisco em chave bíblica e a ver nele a continuidade dos apóstolos do Senhor de quem é sucessor pela vocação a que foi chamado, mas também pelo modo como a viveu com a totalidade das suas forças.
A figura do coxo de nascença que pede esmola à Porta Formosa do Templo, leva-nos a evocar todos os pobres que se sentiram nomeados, queridos e amados pelo Papa Francisco. Como Pedro e João, ou seja, como fizera Jesus, olhou fixamente para eles, cruzou o seu olhar com eles que o fixavam atentamente, e ofereceu-lhes o que tinha para dar: a força do amor e da esperança que veem de Deus e fazem refazer a vida para o caminho.
Nesse cruzar de olhares e nessa relação nascida da misericórdia e da compaixão, Francisco gerou corações novos, vidas novas, esperanças novas em tantos homens e mulheres, que se reergueram nas situações difíceis em que se encontravam.
Muitos viram por meio dele o olhar de Jesus, que cura, que perdoa, que acolhe, que dá esperança, que salva. A admiração e o assombro diante da sua profunda humanidade e da sua imensa piedade foram caminho de encontro com Jesus, proclamado e acolhido na eloquência simples dos gestos, mais do que na arquitetura sumptuosa dos discursos. O Evangelho foi anunciado a todos por meio da força do testemunho autêntico: “não tenho ouro nem prata, mas dou-te o que tenho: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda”, pois queremos fazer caminho juntos, a única forma bela e feliz de caminhar – juntos.
No gesto de Pedro, que toma a mão direita do coxo de nascença e o ajuda a levantar-se, vemos a atitude de Jesus que se curva diante de todo o homem que ajuda a erguer-se e ouvimos o eco das palavras de Francisco: a única vez que podemos olhar alguém de cima para baixo é quando nos curvamos para lhe dar a mão e o ajudar a erguer-se. Estas palavras ficarão a ressoar dentro de nós e a marcar para sempre o ritmo da nossa vida de discípulos de Jesus.
Em nome de toda a humanidade, queremos ainda agradecer ao Papa Francisco por nos ter ajudado a nós e a tantos outros a reconhecer Jesus nos caminhos desta vida.
O texto do Evangelista Lucas, intitulado “os discípulos de Emaús”, teve um significado muito particular no ensino do Papa Francisco e no modo como viu a Igreja e a humanidade.
Jesus abriu os olhos do entendimento aos discípulos de Emaús que peregrinavam sem ânimo à procura de esperança no meio das suas desilusões. Como discípulo e como pastor, o Papa levou a muitos a alegria de acreditar, o ardor do encontro com o Senhor, a possibilidade de renascer por meio da água e do Espírito, a força da fé, da esperança e do amor.
O convite a caminharmos juntos uns com os outros e com Cristo, na Igreja, a que chamou caminho de sinodalidade, fica para nós como proposta consistente, profundamente evangélica, que traz a força de renovação comunitária de que precisamos. Ao mesmo tempo, define a atitude a que é chamada a Igreja neste mundo – caminhar com todos os homens no meio das suas tristezas para os ajudar a reconhecer Cristo que caminha com eles.
“Caminhar juntos” é ainda um desafio para todos os povos, como único caminho para o encontro, a fraternidade e a paz – causas que o Papa Francisco trouxe no coração até ao fim, porque são causas da humanidade que Deus ama.
Nesta Páscoa, em que celebramos o triunfo de Jesus Cristo sobre a morte, o último inimigo a ser vencido, renovemos a esperança que o Papa Francisco nos incentivou a viver.
Renovemos a esperança com gestos sinceros de acolhimento da fé viva como dom de Deus, de enraizamento no Evangelho como Palavra que nos guia, de vivência em comunidade cristã onde todos são chamados a caminhar juntos.
Renovemos a esperança também no encontro fraterno com os irmãos e irmãs que Deus pôs no nosso caminho, no cuidado com os mais pobres e excluídos, no acolhimento de todos os que lutam na pobreza, na doença, na solidão e sem esperança – todos os que o Papa Francisco amou de verdade por serem os prediletos de Jesus.
Renovemos a esperança que o Papa Francisco proclamou entre nós na Jornada Mundial da Juventude, um momento de graça que nem nós nem os jovens de todo o mundo poderão esquecer.
Obrigado, Papa Francisco!
Coimbra 23 de abril de 2025
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra







