Por uma Igreja Sinodal: Igreja que acompanha - Catequese Quaresmal de Dom Virgílio (27 de Março)

CATEQUESES QUARESMAIS DO BISPO DE COIMBRA
IGREJA DE SANTA CRUZ DE COIMBRA

 IV. POR UMA IGREJA SINODAL: IGREJA QUE ACOMPANHA

  1. Uma Igreja que acompanha a todos

O verbo “acompanhar” sobressai de entre os mais importantes quando desejamos edificar uma Igreja Sinodal, pois “Sínodo”, como evento eclesial ou como modo de ser e de estar da Igreja, significa sempre “caminhar juntos”. “Na Igreja e na sociedade, estamos lado a lado na mesma estrada” (Vademecum, 5.3)

Se uma parte da Igreja tem condições para caminhar apressada na realização da sua vocação e missão, outras há que caminham lentamente ou que estão mesmo paradas, sem fé e sem ânimo para empreender o caminho. É preciso acompanhar a todos, não aconteça que fiquem para trás ou se percam.

Há ainda a considerar todos aqueles que nem sequer ouviram o apelo da fé, os que não foram tocados pela graça da conversão e se situam nas margens ou mesmo muito distantes de Cristo e da sua Igreja. É preciso ir ao seu encontro e acompanhá-los no percurso da fé, que tem muitos ritmos e alguns deles muito lentos. Ninguém pode ser esquecido e todos hão de ter a possibilidade de se confrontar com a proposta de Deus para que se ponham a caminho e acolham a palavra salvadora de Jesus Cristo.

Como refere o documento orientador do sínodo “este processo sinodal tem uma dimensão profundamente missionária”. Destina-se a deixar que a Igreja testemunhe melhor o Evangelho, especialmente com aqueles que vivem nas periferias espirituais, sociais, económicas, políticas, geográficas e existenciais do nosso mundo” (Vademecum, 1.4). Numa sociedade com as caraterísticas da nossa, a missão de evangelizar exige que façamos caminho uns com os outros de forma simples e humilde, dispostos a tocar a sua carne ferida, e sempre bem enraizados em Cristo e na força da fé que nos move. O desabrochar para a fé realiza-se a partir da proximidade, do encontro, do diálogo, do testemunho, porventura acompanhados das palavras oportunas e necessárias.

Como humanidade temos uma vocação comum, que só se realiza quando estamos disponíveis para formar comunidade, para caminharmos juntos, na solidariedade e no amor. Como Igreja, temos a vocação de ser filhos no Filho, de ser irmãos que se levam uns aos outros pela mão, suportando as cargas uns dos outros. O acompanhamento nasce, por isso, de uma motivação humana e de uma motivação cristã, é uma exigência da fé, de acordo com a afirmação do Concílio Vaticano II: “aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente” (Lumen Gentium, 9).

  1. Jesus centra-se no acompanhamento das pessoas

Segundo as narrações evangélicas, Jesus centra a sua atividade no anúncio do Reino de Deus, por meio das palavras que dirige a pessoas de todas as condições e em todo o tipo de situações, mas sempre acompanhadas por gestos de amor, que as deixam maravilhadas e, ao mesmo tempo cheias de interrogações.

O Evangelho segundo S. Lucas é o que, de forma mais consistente e clara nos apresenta Jesus atento a cada pessoa e a todas as pessoas, Jesus a acompanhar as alegrias e dores de todos, a ser um verdadeiro companheiro de viagem. Não é por acaso que a perspetiva geográfica está tão presente no Evangelho de Lucas: organiza-se à volta da viagem de Jesus, de Nazaré para Jerusalém, mas de uma viagem em que não caminha só: caminha para os outros e caminha com os outros. Ao longo desse percurso que o conduzirá à sua Páscoa, à sua paixão, morte e ressurreição, Ele vai-se entregando em gestos de amor a cada um daqueles que encontra pelo caminho, faz caminho com eles e convida-os a fazerem caminho consigo.

Ao longo do caminho Jesus encontra muitas pessoas a quem se dirige e a quem manifesta a salvação de Deus que está a chegar também para elas. Numa expressão que a todos inclui, podemos dizer com S. Lucas que Jesus se dirige aos pobres e acompanha os pobres. Trata-se de todos os que confiam no Senhor e sentem necessidade da sua salvação, animados pela humildade e pelo reconhecimento da sua pobreza.

O ministério de Jesus orienta-se para os pobres e oprimidos, como se afirma no momento em que Ele inicia a sua atividade pública, na sinagoga de Nazaré, por meio da leitura do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor” (Lc 4, 18-20). A própria mensagem das bem-aventuranças (Lc 6, 20-26) dirige-se a todos os pobres que estão disponíveis para reconhecer a sua pobreza, e a missão junto dos pagãos pretende convidar a todos indistintamente a abrirem o coração à novidade que está já presente neste mundo.

O Evangelho de Lucas enumera sucessivamente as diversas categorias de pessoas a quem Jesus se dirige e que pretende acompanhar no caminho da salvação por meio da conversão e da adesão à fé. A título de exemplo, enumeramos alguns dos lugares mais significativos, de entre os muitos narrados por Lucas: os publicanos e pecadores, entre os quais se inclui a mulher pecadora (Lc 7, 36-50) e as três parábolas sobre do pecador perdido – a ovelha perdida, a dracma perdida e o filho perdido (ou do filho pródigo); as mulheres - num mundo cultural e religioso em que não gozavam dos mesmos direitos que os homens, Jesus envolve as mulheres no seu ministério e salienta a abertura de Maria à Palavra de Deus bem como o acolhimento de Marta e Maria; os doentes, que estão presentes em todo o percurso de Jesus e são curados dos seus males físicos e espirituais; os pobres e os ricos, onde se inclui Zaqueu que, sendo rico, também é destinatário da salvação de Deus e acolhe o acompanhamento de Jesus no seu caminho de conversão; os perseguidos referidos nas bem-aventuranças e noutros lugares, também têm a certeza de que Jesus os acompanha, os fortalece e os inspirará sobre o que dizer no meio das perseguições a que estão sujeitos; os oprimidos são também os samaritanos que não querem receber Jesus quando ia a caminho de Jerusalém (Lc 9, 51-56), o homem caído à beira do caminho (parábola do bom samaritano - Lc 10, 29-36), ou os adultos de grande posição social que impedem as crianças de se aproximarem d’Ele (Lc 18, 16-17).

  1. Os discípulos de Jesus centram-se no acompanhamento das pessoas

A segunda parte da obra de S. Lucas, o Livro dos Atos dos Apóstolos desenvolve a ação dos Apóstolos e Discípulos na Igreja nascente a partir da mensagem e dos gestos de Jesus. Eles assumem a missão de proclamar a mesma Boa Nova com o mesmo tipo de linguagem e pregação. Realizam os mesmos gestos e manifestam a mesma atenção às pessoas que viram fazer a Jesus, centrando-se do mesmo modo no acompanhamento de todos os que lhes saem ao caminho e são destinatários da proposta de salvação.

Há uma continuidade entre o anúncio feito pelos discípulos e o anúncio feito por Jesus. Aqueles são apresentados com os mesmos traços, realizam as mesmas ações, percorrem os mesmos lugares, sofrem as mesmas perseguições, pregam o mesmo Evangelho, dirigem-se a pessoas com as mesmas caraterísticas, libertam os pobres e oprimidos, acompanham todos os que encontram e sofrem uma morte semelhante à Sua.

Ser discípulo consiste em seguirem o Mestre, quando realizam milagres, curam os doentes, perdoam os pecados, ensinam, pregam, batizam e enviam em seu nome. Assim abrem as portas a toda a Igreja do futuro, que dá continuidade à Pessoa, às palavras e aos gestos de Jesus, tornando presente a sua salvação em todos os tempos da história, até aos dias de hoje. Os cristãos são chamados a imitar Jesus e dão continuidade à sua obra, têm-no por modelo na vida e devem tê-lo por modelo na morte.

O Livro dos Atos dos Apóstolos faz questão de apresentar a figura de Estêvão de modo semelhante à figura de Jesus, pois também ele dá testemunho cheio do Espírito Santo, realiza sinais e prodígios como o Mestre, cheio de sabedoria e de graça enfrenta os seus perseguidores até à morte. Do mesmo modo, Paulo é acusado, conduzido às autoridades porque fala com desassombro anunciando o Evangelho recebido e sofre a perseguição até à morte, depois de realizar os sinais que testemunham o que viu e ouviu.

Seguir Jesus significa acompanhá-l’O em todos os seus passos e em seu nome acompanhar todos aqueles a quem Ele foi enviado e que Ele quer continuar a acompanhar nas suas debilidades e pecados, na sua pobreza.

  1. Acompanhamento dos discípulos de Emaús

Lc 24, 13-35, o episódio dos discípulos de Emaús, oferece-nos o mais completo paradigma do que significa para Jesus acompanhar os seus discípulos e do que significa para eles acompanhar a humanidade enquanto Igreja, e do que significa deixarmo-nos acompanhar pela mesma Igreja ao longo de todos os tempos.

Durante a vida pública, Jesus já manifestara o seu modo de estar com aqueles que veio libertar e salvar da opressão do mal. Continua a fazê-lo depois da Páscoa e as aparições do Ressuscitado aos discípulos e à multidão mostram como está no mundo e o tom que há de ter a comunidade dos discípulos que continua no mundo após a ascensão.

O episódio dos Discípulos de Emaús situa-se dentro da mesma perspetiva geográfica do Evangelho de Lucas. Agora são dois discípulos que saem de Jerusalém, desanimados, após os acontecimentos da paixão e morte do Senhor e a desagregação da comunidade. Aqueles discípulos vão a caminho de Emaús e vão a caminho na estrada da sua vida. “Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus pôs-se com eles a caminho” (Lc 24, 15-16). Numa situação dramática para quem tinha posto n’Ele as suas esperanças, Jesus começa por acompanhar, por escutar e por dialogar, entra na sua conversa e sintoniza com eles.

Depois, Cristo Ressuscitado inicia o processo de revelação de Si mesmo a partir das Escrituras que eles conhecem. A Palavra revelada por meio dos profetas alcança progressivamente o seu pleno significado na pessoa de Jesus Cristo e os olhos começam a abrir-se para O reconhecer. Além da companhia de Jesus numa situação de desânimo e da iluminação das Escrituras, é no partir do Pão que reencontram a fé que está posta em causa pelos acontecimentos.

Jesus manifesta-se como o Messias prometido pelos profetas e leva-os a compreender que Ele é o mesmo que os acompanhara antes de morrer. Acompanha-os agora que está vivo, porque foi ressuscitado dos mortos pelo poder de Deus e é o Senhor.

A Eucaristia, a fração do Pão, continua a ser o lugar maior da presença de Cristo na comunidade cristã. Todos têm a possibilidade de O reconhecer na Eucaristia, iluminados pelo Espírito Santo prometido pelo Pai, pois Ele caminha com a comunidade dos discípulos até ao fim dos tempos.

O regresso dos discípulos a Jerusalém, onde encontram os doze com muitas outras pessoas, marca o início de uma nova etapa das suas vidas: a do anúncio do Senhor Ressuscitado. Deixam de ser simplesmente acompanhados e tornam-se eles mesmos acompanhantes; de buscadores da fé, tornam-se eles mesmos auxílio para todos os que anseiam pelo encontro com a fé no Deus Vivo.

  1. Acompanhados por Cristo, acompanhamos a humanidade

Toda a Igreja, Povo de Deus, comunidade dos discípulos de Jesus, é chamada a deixar-se acompanhar por Ele. Ninguém fica de fora deste processo, pois todos participamos da mesma pobreza referida no Evangelho e somos destinatários do encontro com o Ressuscitado, que nos liberta das nossas opressões interiores e externas.

Quem não segue o Mestre na resposta à sua vocação, fica desanimado, sem fé e entregue a si mesmo na debilidade da sua condição. Se nos recusamos a ir com Cristo que se aproxima de nós e faz caminho connosco, não encontramos a revelação, desconhecemos o significado das Escrituras e não temos acesso à fé libertadora.

Por sua vez, toda a Igreja é comunidade de discípulos que caminham para Jerusalém, disponíveis para anunciar o que viram e ouviram, para testemunhar a fé no Ressuscitado aos que encontram nas estradas da vida. Há muitos pobres em espírito que esperam pelo encontro e que alguém os acompanhe nas suas alegrias e dores, na sua vida quotidiana, verdadeiros lugares de revelação de Deus. A Eucaristia é o ponto alto deste encontro e fortalecimento na fé para os que, humildemente, esperam a libertação de Deus.

A Igreja de hoje, por meio dos seus membros, tem a missão de estar presente junto de todos e de cada um, disposta a acompanhar os seus processos de adesão a Cristo de várias maneiras: uma delas é a convivência pessoal a partir dos encontros que a vida nos oferece; a outra é a ação da evangelização e da catequese, a celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos, a prática da caridade individual e comunitária.

Esta missão do acompanhamento evangelizador é tarefa dos ministros ordenados, dos bispos, dos presbíteros, que receberam o dom da configuração com Cristo, Mestre e Pastor do seu povo. É igualmente tarefa dos diáconos que foram escolhidos para o serviço da caridade. Cabe aos consagrados, testemunhas privilegiadas do seguimento de Cristo pobre, puro e obediente à vontade do Pai. Entende-se, hoje, igualmente, como missão dos leigos, participantes do sacerdócio de Jesus Cristo, e que estão numa relação mais próxima e quotidiana com a humanidade pelo facto de se ocuparem das mesmas atividades.

As dioceses, as paróquias e outras instituições cristãs não podem entender-se como lugares seguros de vivência da fé, mas encontram na saída ao encontro de todos e no acompanhamento pessoal o meio mais adequado para ajudar a fazer caminho progressivo de encontro com Cristo na fé e de libertação humana e espiritual.

A sinodalidade encontra neste quadro a sua verdade: aceitamos que Cristo faça caminho connosco e fazemos caminho com os outros, proclamando alegremente a salvação de Deus, com humildade, com paciência, com perseverança e com amor.

Coimbra, 27 de março de 2022
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra


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