MISSA DA SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO 2012 - CAPELA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

A Solenidade da Imaculada Conceição volta a reunir-nos nesta Capela da Universidade de Coimbra, lugar emblemático da nossa cultura, enraizada num comum património humanista de cariz universalista e cristão, que define a nossa matriz mais original. O cristianismo, na sua dimensão cultural, como sistema de valores, enquanto religião e na qualidade de fé sobrenatural, é incontornável no nosso mundo ocidental, no contexto cultural da nossa cidade e na Academia.

Estamos hoje num regime de laicidade, geralmente de uma laicidade positiva, própria de quem reconhece os outros e conhece as muitas diferenças existentes entre o mundo assumidamente religioso e crente e o mundo não religioso e porventura descrente, mas ambos ativos na proposição de caminhos de realização do ser humano que não se excluem.

O Concílio Vaticano II iniciado há cinquenta anos, constituiu uma viragem epocal definitiva na Igreja Católica, caraterizada pela abertura ao diálogo, pelo desejo de conhecimento de outras mundividências e pela ânsia incontida de busca da verdade pela via do encontro entre a fé e a razão.

Do lado do mundo não crente, há igualmente sinais de abertura ao diálogo e à consideração da fé e da religião como elementos fundamentais para a construção do mundo. Temos hoje consciência de que não se faz caminho quando se ignora uma parte da realidade, pois essa seria uma atitude não consentânea com o espírito de abertura que supostamente carateriza a cultura moderna. Não deixa de ser inquietante o facto de existirem também hoje, pessoas com iguais capacidades humanas e intelectuais que professando ou não a fé cristã, fazem o seu percurso racional, científico, espiritual, de procura séria do sentido para a sua existência.

O papa Bento XVI referiu-se recentemente a este tema central do diálogo e do reconhecimento na mútuo na sua Mensagem para a Celebração do Dia mundial da Paz de 1 de janeiro de 2011: “No respeito da laicidade positiva das instituições estatais, a dimensão pública da religião deve ser sempre reconhecida. Para isso, um diálogo sadio entre as instituições civis e as religiosas é fundamental para o desenvolvimento integral da pessoa humana e da harmonia da sociedade”.

O texto do livro do Génesis, que escutámos, constitui uma reflexão teológica sobre estas questões mais exigentes que se põem à mente humana.

“Onde estás?” é a solene pergunta posta por Deus ao homem que, de facto, pode ser a pergunta do próprio homem a si mesmo: Onde estou? Sucedem-se as respostas elaboradas de todas as formas e utilizando todos os recursos de que dispõe, mas tem sempre a sensação de estar nu, de não encontrar o agasalho suficiente para se cobrir, ou seja, para sentir o seu espírito confortado e pacificado.

A árvore da ciência ou do conhecimento do bem e do mal, segundo a linguagem da Bíblia, pode entender-se como símbolo das incessantes procuras de respostas para o mistério que somos e que nos envolve. Não bastam as respostas coladas à terra, sugere o texto, referindo-se ao fruto da árvore e ao rastejar da serpente pela superfície da terra, mas abrem-se outras perspetivas, figuradas na mulher, Eva, a mãe de todos os viventes.

A teologia cristã, por meio dos textos do Novo Testamento, transporta-nos a outra chave de leitura, a outra mulher, a quem os Padres da Igreja chamaram a nova Eva, a Maria, a Mãe de Jesus Cristo, o Filho de Deus e o Vivente, por quem todos vivemos. A narração da anunciação a Maria escrita por Lucas, retirada do chamado Evangelho da Infância, põe-nos diante o acontecimento que consuma a esperança prometida: “conceberás e darás à luz um Filho”.

A fé cristã centra-nos, por isso, em Jesus Cristo no qual se realiza o mistério do sentido que procuramos, tal como conclui o texto da Epístola aos Gálatas no hino cristológico que escutámos. N’Ele encontramos o sentido de toda a criação e da humanidade: Deus abençoou-nos com todas as bênçãos espirituais em Cristo; predestinou-nos para sermos seus filhos adoptivos; constituiu-nos herdeiros de todos os bens; fez de nós um hino de louvor da sua glória.

A Igreja é portadora de uma doutrina na qual acredita, que procura viver e que propõe, tal como referiu o Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes, nº 10: “A Igreja... acredita (também) que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e mestre. E afirma, além disso, que, subjacentes a todas as transformações, há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje, e para sempre”.

Como conclui o Papa Bento XVI na Carta O Ano da Fé, “também o homem contemporâneo pode sentir de novo a necessidade de ir como a Samaritana ao poço, para ouvir Jesus, que convida a crer nele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva (cf. Jo 4, 14) (A Porta da fé, 3). O mesmo é dizer: a fé cristã abre-se como uma porta por onde o homem de hoje pode entrar no seu desejo incontido de encontrar as razões para a sua existência ou como o poço onde pode saciar as mais profundas ânsias do seu viver.

A tarefa é árdua, pois “enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje, parece que já não é assim em grandes sectores da sociedade, devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas” (A Porta da Fé, 2), conclui Bento XVI.

No respeito absoluto pelos outros, temos não somente o direito, mas também o dever de assumir a fé cristã, com todas as suas implicações, e de a dar a conhecer enquanto portadora de sentido e fundamento da nossa vida.

Em Nossa Senhora, a Imaculada Conceição, encontramos a atitude fundamental que orientará a nossa postura de crentes, no momento de darmos o nosso contributo à humanidade que procura e se interroga: Eis a escrava do Senhor. Trata-se de nos situarmos no mundo como servos/escravos da verdade, sempre disponíveis para darmos as razões da nossa esperança, pelo recurso aos argumentos da razão, ancorados na inteligência da fé e suportados pela evidência da caridade.

 

Coimbra, 8 de dezembro de 2012

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

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