Vigília Pascal 2024 - Homilia de Dom Virgílio

VIGÍLIA PASCAL – 2024

Caríssimos irmãos e irmãs!

Escutamos, nesta noite, o novo anúncio pascal, o anúncio da ressurreição de Jesus: “Ressuscitou: não está aqui”, proclama o jovem vestido com uma túnica branca, sentado do lado direito do sepulcro. É uma notícia sempre inesperada e sempre nova, a desafiar a fé das mulheres que foram de manhã cedo ao sepulcro de Jesus, a desafiar a fé dos discípulos e a fé de todos os que acreditaram ao longo dos séculos, entre os quais nos incluímos.

A notícia da morte do Senhor tinha-nos surgido como uma realidade espectável. Mais tarde ou mais cedo, por uma morte natural ou por condenação, haveria de acontecer, pois conhecemos bem a regra da finitude desta vida terrena e sabemos que todo o que nasceu, envelhece e morre. O nome de Jesus ter-se-ia perdido na bruma dos tempos, se a sua peregrinação sobre a terra, mesmo que visivelmente extraordinária nas suas ações, tivesse acabado como a de tantos outros famosos, cuja memória desapareceu ou ficou somente nas páginas de algum livro como acontecimento de historicidade fiável ou duvidosa.

O nome de Jesus continua presente na história porque a notícia da Sua Ressurreição irrompeu no mundo como absoluta novidade. As mulheres, os discípulos, os apóstolos e, depois, uma multidão incontável de homens e mulheres ouviram esse anúncio e acreditaram nele. A própria narração dos evangelhos, praticamente o único lugar a preservar a memória escrita acerca de Jesus, só nasceu porque os discípulos acreditaram que o Seu Mestre ressuscitou. As outras fontes históricas da mesma época ignoram a Sua pessoa, a sua obra, a sua morte e a sua ressurreição. Quando muito fazem algumas escassas referências ao movimento desencadeado pelos seus discípulos.

Nos dias de hoje, marcados por alguma indiferença religiosa, que pode ter a marca do agnosticismo ou da secularização, discute-se pouco o significado da ressurreição de Jesus, por ser, nesse contexto cultural, um acontecimento irrelevante. No ambiente em que vivemos, as atenções centram-se mais nos discípulos de Jesus do que no próprio Jesus. Custa muito a aceitar e parece a muitos rondar a insensatez, por um lado que alguém possa acreditar que Jesus ressuscitou e está vivo, por outro, que alguém possa conduzir a sua vida com base nesta certeza de fé.

E, no entanto, grande obra da graça de Deus, nós e muitos outros de todas as latitudes, cidadãos deste mesmo mundo, participantes da vida desta sociedade do conhecimento, da tecnologia e do progresso, continuamos a acreditar que Jesus ressuscitou e que Ele está vivo; continuamos também a acolhê-l’O como o Senhor da nossa vida, o nosso Mestre e Senhor, continuamos a viver a partir da fé pascal.

Se, porventura noutros períodos da história, a fé cristã podia fazer parte de um húmus cultural de que todos participavam, de facto, hoje, ser cristão, acreditar na ressurreição de Jesus e viver da fé, sendo sempre um dom, é também sempre fruto de uma decisão pessoal.

Entre nós, é frequente haver estupefação geral quando alguém cultural ou socialmente considerado, publicamente se declara crente; mais ainda quando se declara cristão, e a estupefação é agravada se se declara praticante.

Damos graças a Deus pela perseverança dos que nasceram numa Igreja de cristandade maioritária e seguiram em frente com humildade e decisão pelo caminho da fé; damos graças a Deus de modo especial pelos eleitos que nesta Vigília vão fazer a sua profissão de fé, vão celebrar a sua entrada na Igreja e querem ser fiéis à graça de se tornar discípulos de Jesus Cristo.

Este é, caríssimos irmãos e irmãs, o tempo da fé, que é compromisso de vida. É o tempo de saborearmos a alegria de estar com o Senhor ressuscitado, de deixarmos que a sua vida nos preencha e dê sentido à nossa existência, de nos entregarmos à sua misericórdia infinita, que nos ampara em todos os momentos.

Este é, caríssimos irmãos e irmãs, o tempo da fé humilde, que não se apresenta com outros argumentos nem com outros sinais senão o da morte e ressurreição do Senhor, que não oferece outra sabedoria senão a de Deus, que parece insensatez aos olhos do mundo.

Quando estamos perdidos, Ele procura-nos; quando sofremos, Ele alivia-nos com a Sua paixão; quando estamos desanimados, Ele faz-nos arder de esperança o coração; quando somos pecadores, Ele perdoa os nossos pecados; quando estamos à beira da morte, Ele oferece-nos a vida.

A celebração da Páscoa do Senhor traz-nos, de novo, o convite á vivência de uma fé viva, ativa, comprometida com o dom que recebemos. Esta é a condição humana para a nossa perseverança e, ao mesmo tempo, para que colhamos a felicidade que ela nos dá e demos ao mundo as razões da nossa esperança.

Na leitura do livro do Êxodo que transmite a experiência da Páscoa antiga, Deus diz a Moisés que convoque os filhos de Israel para que se ponham a caminho. Ele vai á sua frente a abrir os caminhos da sua libertação e a transformar as águas de morte em águas de vida. Eles acolheram o convite e tornaram-se um povo em caminho, passaram por perseguições e tribulações, mas sentiram sempre a presença amorosa de Deus ao longo dos desertos pelos quais tiveram de passar.

O Novo Povo de Deus, nascido da água-viva do batismo na morte e ressurreição do Senhor, recebeu também a vocação de se tornar um povo em caminho, um povo de peregrinos: “Ide dizer aos seus discípulos e a Pedro que Ele vai adiante de vós para a Galileia. Lá O vereis”, escutavam as mulheres pela voz do mensageiro do sepulcro, segundo a narração do Evangelho de S. Marcos.

Esta é a nossa condição desde aquele dia feliz do batismo: como pessoas e como povo, como Igreja, somos peregrinos da fé, sempre em construção e sempre vivida na esperança e no amor. Na tarde daquele primeiro dia da semana, o Senhor ilustra essa nossa vocação, quando se aproxima dos discípulos de Emaús, lhes narra as Escrituras e conta o que lhe aconteceu em Jerusalém. Quando se lhes revela ao partir do Pão também eles se põem a caminho, primeiro para Jerusalém, a fim de beberem do testemunho dos apóstolos, e depois, em direção aos lugares onde cada um pode continuar a sentir a presença reconfortante do Ressuscitado.

O acontecimento fundador tem lugar em Jerusalém, mas o caminho da fé estende-se a uma longa peregrinação sempre em direção à Galileia, aos lugares onde se passam os nossos dias. Aí, com tudo o que acontece, continua a nossa peregrinação com Cristo, aí vivemos da fé, aí damos testemunho da esperança a que fomos chamados.

Começámos um caminho com Cristo no batismo. Se tomámos essa decisão inicial, havemos de ser perseverantes, como é o vosso caso, caríssimos eleitos nesta Páscoa; se fomos levados ao batismo ainda antes de termos o discernimento da nossa vontade, é sempre tempo de nos deixarmos enraizar em Cristo por meio de uma decisão consciente e livre em cada um dos nossos dias. Havemos de ser igualmente perseverantes com a força do Espírito que nos anima.

Irmãos e irmãs, a Páscoa da Ressurreição é o hino à vida que nos é, hoje, de novo anunciado. Acolhemo-lo como o compromisso de trabalhar incansavelmente em favor de toda a vida, em favor de toda a criação redimida por Cristo. Que a Páscoa seja a inspiração de vida de que precisa o mundo em que vivemos envolto nas mais densas trevas da morte: nas guerras que aniquilam multidões indefesas, nas culturas de matam seres humanos indefesos, nos comportamentos perniciosos que destroem esperanças legítimas, nas perseguições étnicas e religiosas que impedem as pessoas de serem livres e felizes.

Alegremo-nos com Cristo Ressuscitado e peçamos-lhe a graça da perseverança no caminho da fé batismal, fonte da nossa vida e de vida para o mundo.

Coimbra, 31 de março de 2024
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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