É conhecido e reconhecido que, em Portugal, as desigualdades continuam a aumentar.
De facto, são muitos os domínios em que, sem grande dificuldade, podemos identificar a existência de portugueses de primeira, de segunda e de vários outros escalões sucessivamente inferiores.
O nosso país acaba de sair de um penoso programa de austeridade negociado com a Troika que conduziu a um agravamento da qualidade de vida de vários milhões de portugueses. Apesar de haver indicadores que indiciam alguma recuperação económica, e a criação de emprego, não se sabe quantos anos vai demorar até que estes recuperem o nível de rendimentos que auferiam em 2007.
Como bem sabemos, a brutalidade dos efeitos das medidas tomadas não afectou os portugueses de igual forma. É indiscutível que uma parte significativa dos trabalhadores, a começar pelos que ficaram desempregados, sofreu de forma muito mais violenta os efeitos da crise, em comparação com o que sucedeu com os gestores e dirigentes de empresas públicas e privadas.
Nos últimos dias chegou ao conhecimento público que alguns ex-administradores da empresa Metro do Mondego usaram e abusaram do seu estatuto de dirigentes para utilizar dinheiro dessa empresa para fins pessoais e para outros absolutamente inacreditáveis. Como é que se pode compreender que só agora, ao fim de vários anos, tais desvarios tenham chegado ao conhecimento público? Creio ser justo também aqui perguntar o que andaram a fazer os que têm por função fiscalizar a actividade desenvolvida por esta empresa?
Um outro caso que considero digno de realce prende-se com a Portugal Telecom. A Alice acaba de tomar posse desta empresa após a ter comprado à OI. Em consequência desta situação, o Conselho de Administração foi substituído e cada um dos administradores que saiu, segundo informação publicada em vários órgãos de comunicação social, recebeu uma indemnização verdadeiramente principesca. Se tivermos em conta que foram estes os principais responsáveis pelo descrédito e o descalabro da empresa, que tanto dinheiro fez perder às muitas pessoas que nela acreditaram, trata-se de um “prémio” absolutamente inacreditável.
Porém, para os trabalhadores que ficaram na empresa, nada de bom se avizinha para os próximos tempos, dado que é intenção do actual dono proceder a cortes de despesa que poderão conduzir à retirada de regalias ou mesmo e até a despedimentos.
Também na Administração Pública continuam a aumentar os regimes especiais agravando as desigualdades, quer entre funcionários públicos, quer entre estes e os restantes trabalhadores portugueses.
Veio recentemente a público que os profissionais de polícia vão poder aceder mais cedo à reforma em comparação com o que sucede com a generalidade dos trabalhadores. Sabe-se, no entanto, que muitos destes profissionais de polícia exercem funções meramente administrativas. Face à insustentabilidade do sistema público de pensões, como se compreende esta medida? Não seria antes mais justo e mais equitativo que o término de algumas das funções exercidas, fosse sinónimo, não de acesso imediato à reforma, mas sim à sua transferência para outras funções de igual relevância pública e compatíveis com a sua idade?
Pego neste caso com o intuito de alertar para o facto de continuar a não serem tomadas medidas que tornem o funcionamento do Estado mais íntegro e digno, e não penalizar os mesmos de sempre.
A este propósito, ainda recentemente fiquei chocado com a quantidade de viaturas e de motoristas que transportaram representantes de entidades públicas para participarem numa cerimónia. Como se compreende tamanho desperdício de meios e de pessoas num país ainda designado em crise?
Há, de facto, um grande desaproveitamento de dinheiro na Administração Pública, e não só, e muito espaço para se proceder a reduções relevantes de despesa verdadeiramente supérflua de forma a não piorar ainda mais as condições de vida dos portugueses.
Também no campo da ética e da luta contra a impunidade há um longo caminho para percorrer no nosso país. Trata-se de uma causa a que seguramente não podemos ficar indiferentes.
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