Vigília Pascal 2018 - Homilia de Dom Virgílio

Caríssimos irmãos e irmãs!

A celebração anual da Páscoa de Jesus permite que nos recentremos em realidades que frequentemente ficam no esquecimento.

Em primeiro lugar, leva-nos a considerarmos a nossa condição de criaturas limitadas, que passam por momentos altos e baixos, e que estão sujeitas à morte física e espiritual, apesar de não terem na morte o seu fim.

Em segundo lugar, aponta-nos a possibilidade da esperança de viver no tempo e na eternidade, mesmo quando humanamente parece já não haver esperança alguma.

A celebração da Páscoa, é muito necessária para que entremos seriamente no sentido da fé cristã e para que retiremos dela todas as consequências em ordem à compreensão do sentido da nossa vida e para que renovemos a alegria de estar com Jesus Ressuscitado.

Ouve-se frequentemente dizer aos batizados em Cristo que se desinteressaram da vivência da fé e da prática do culto eclesial porque não acham que lhes traga algum benefício. De fato, se pensamos em benefícios materiais ou mesmo na resolução dos problemas de caráter psicológico ou nas dificuldades de relacionamento com os outros, pode não trazer grandes diferenças, sobretudo se vividos sem fervor e entusiasmo. Se pensamos nas mais sérias questões do sentido para a vida, na compreensão do sofrimento, na esperança de ultrapassar as cadeias da morte que nos é oferecida, no amor divino como condição para sermos felizes, então começamos a entender que a fé é útil, é necessária e traz uma ajuda para a vida que mais nada nem ninguém nos podem dar com a mesma profundidade.

Podemos ainda descer a coisas mais simples e mais concretas. O mandamento novo do amor, o apelo a dar a vida em favor dos irmãos, a certeza de que Deus nos ama a ponto de oferecer o Seu Filho à morte por nós, a alegria do perdão divino, que não conhece fronteiras, a consideração do valor único de cada pessoa, a par com tantas outras realidades fundamentais do ensino de Jesus no Evangelho, constituem, sem sombra de dúvida, um imenso benefício para a humanidade.

O único caminho para que experimentemos a importância da fé cristã, alicerçada na paixão, morte e ressurreição do Senhor, que celebramos nesta Vigília Pascal, consiste em entrarmos, em nos deixarmos conduzir, em celebrarmos com humildade e com alegria este grande mistério. Quem fica ao lado a observar a fé dos outros e a sua prática cristã, quem fica de parte à procura dos erros e pecados dos membros da Igreja, quem não entra para não assumir compromisso consigo, com Deus e com a comunidade, quem não se entrega, nunca vê, nem sente, nem experimenta a importância e a alegria da fé em Jesus Cristo e da pertença à Sua Igreja. Quem não entra não sente a felicidade nem os benefícios da fé, que são testemunhados por tantos cristãos que, no meio das tribulações da vida, podem dizer com palavras de verdade e em primeira pessoa, a alegria, a esperança e a força de viver que viram nascer dentro de si.

A celebração da Vigília Pascal leva-nos, inevitavelmente, ao batismo que recebemos, pois, como dizia o Apóstolo, “fomos sepultados com Ele pelo Batismo na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova”.

O batismo é este dom de Deus que nos chama à sua família, a ser membros do Corpo de Jesus, irmãos uns dos outros e filhos no Filho; é a porta da fé que nasce de um encontro pessoal com o Cristo vivo e a que alimenta uma relação de amor tão profunda, que nada dela nos pode separar; dá início a uma vida nova, marcada por um novo ritmo, um novo estilo a partir do Evangelho, uma nova comunidade eclesial na qual louvamos a Deus e oferecemos o culto espiritual das nossas vidas.

Reconhecemos que somos uma Igreja muito grande quanto ao número de batizados e muito pequena, quanto à consciência viva da fé. Pelo sacramento do batismo muitos chegam à porta da fé, mas têm dificuldade de entrar por ela: não chegam, por isso, a saborear a grandeza de entrar e de estar dentro com Cristo e com a Igreja; ficam às portas de um banquete que não desejam saborear por não conhecerem a sua doçura. Muitos outros nem sequer compreendem o batismo a partir de uma fé esclarecida, mas ficam-se por um rito social, por uma tradição ancestral ou até por um desejo de proteção face ao desconhecido – um sentimento religioso quase natural, que não passa os umbrais da fé assumida e não é suficiente para transformar a mente, o oração e a vida.

Caríssimos irmãos, fomos sepultados com Cristo na morte, para com Ele ressuscitarmos para a vida. Esta realidade sacramental precisa de ser assumida, a fim de que a graça recebida não seja em vão, a fim de que o batismo possa produzir os seus frutos. Precisamos de passar a porta da fé pelo batismo e precisamos de viver a experiência de fé como encontro pessoal com Cristo e como membros vivos da comunidade cristã.

Neste sentido, a maior glória de um batizado, que entrou pela porta da fé, consiste em ser cristão. Significa isso muito, concretamente, dinamizar a totalidade da sua vida a partir de Cristo, fazer da fé a sua referência fundamental no que respeita aos valores e às atitudes; significa ainda sentir a Igreja como família que assumimos e ajudamos a crescer na santidade, deixar-se envolver na comunidade na qual celebramos e convivemos, sentir-se nela como a casa na qual nos sentimos em comunhão com Deus e com os outros.

Dizer-se cristão não praticante é uma das maiores contradições teológicas, doutrinais e existenciais. Podemos acreditar na graça sacramental própria do batismo, mas ela não age sem a nossa disponibilidade para a acolher, e muito menos contra  a nossa vontade e a nossa liberdade.

Ser cristão é sempre ser praticante, apesar da pobreza das nossas expressões e dos limites da nossa liberdade. Ser cristão é ser praticante porque é permanecer ativa e livremente em Cristo, é participar de uma vida que nos é dada, é acreditar e celebrar na liturgia a ação de graças ao Deus que nos chamou, é envolver-se na comunhão com os irmãos, é partilhar o Evangelho como Palavra transformadora, é estar no mundo com a missão de testemunhar a alegria e a esperança que nos invadem.

A celebração da Páscoa do Senhor há de levar-nos a incarnar a fé como graça que nos move na totalidade, sem que nada possa de nós possa ficar de fora; há de tornar-nos mais praticantes em sentido pleno: nas opções, nos valores, nas relações, na liturgia, na oração, na caridade, na evangelização.

Se o batismo opera em nós uma mudança, pois nos faz filhos de Deus e membros da Igreja, Corpo de Cristo, com a cooperação da nossa liberdade e vontade ele oferece-nos a possibilidade de caminharmos confiantes em ordem a uma identificação maior com aquilo que somos.

A ação pastoral da Igreja precisa, deste modo, de repensar-se. Ela tem de orientar-se mais para fazer novos filhos de Deus do que para preservar um estatuto adquirido no passado; tem de orientar-se mais para fazer cristãos do que para realizar ritos religiosos desprovidos de fé ou desejados por outras motivações; tem de proporcionar ocasiões e meios mais adequados para que os batizados entrem pela porta da fé e experimentem a sublimidade do encontro com Cristo.

Enquanto realizamos a liturgia batismal e fazemos a profissão de fé e a renovação das promessas do batismo, renovemos interiormente a nossa gratidão a Deus pelo dom que recebemos e comprometamo-nos a ser cristãos, filhos de Deus e filhos da Igreja disponíveis para transformar a vida e fazer dela sinal da esperança do Ressuscitado.

Ao acompanharmos o batismo deste jovem, peçamos ao Senhor que lhe abra os braços para que entre pela porta da fé com alegria. Rezemos para que o testemunho da Igreja seja sempre para ele e para todos os que são batizados um estímulo para uma renovada vida em Cristo.

Coimbra, 31 de março de 2018

Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

 

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