Homilia da Missa nos oito séculos da presença Franciscana em Portugal

MISSA NOS OITO SÉCULOS DA PRESENÇA FRANCISCANA EM PORTUGAL

IGREJA DE SANTO ANTÓNIO DOS OLIVAIS - COIMBRA

Leituras da sexta-feira da X Semana do Tempo Comum, anos ímpares

 

 

Caríssimos irmãos e irmãs!

A celebração dos oito séculos da presença franciscana em Portugal é um acontecimento memorável. Portugal não seria o mesmo sem este testemunho evangélico incarnado na vida de tantas pessoas e ao longo de tanto tempo. Em primeiro lugar, a fé em Jesus Cristo e a vivência eclesial, mas depois, também, a inegável dimensão cultural e civilizacional, que caldeou e transformou o povo que nós somos. Pode hoje dizer-se que o país que nós somos tem uma matriz cristã, em grande parte modelada pelo dinamismo franciscano. A própria vocação universalista e cosmopolita de Portugal e dos portugueses bebeu à saciedade de Francisco de Assis e dos seus mais fiéis seguidores.

Nesta Missa de ação de graças, o nosso louvor vai para o Deus inspirador de todos os carismas por meio do seu Espírito Santo. Agradecemos a Deus, particularmente pela pessoa e pelo testemunho de São Francisco de Assis, o homem e o cristão que irrompe na história da Europa como verdadeira novidade a desafiar o mundo adormecido à sombra de uma fé e de uma Igreja instaladas e sem capacidade de renovação.

A figura de Francisco de Assis foi sempre provocadora. De tal modo se configura com a Pessoa de Jesus e incarna o Seu Evangelho que, não deixa ninguém indiferente. Seduz pela profundidade da fé e pela entrega total, desinstala sempre os que se refugiam numa fé espiritualista, não permite concessões fáceis àqueles que querem ser fiéis ao mandamento do amor a Deus e ao próximo. Ele incarna o que há de mais original na fé cristã, a confiança inabalável em Jesus Cristo, e o que há de mais caraterístico na condição humana, o ser para os outros em doação e entrega, ou seja, no amor.

O despojamento de Francisco de Assis, que está disponível para livremente renunciar a tudo por amor do Reino dos Céus e por amor à humanidade, é, em primeiro lugar, cumprimento das palavras de Jesus que pede aos seus discípulos que renunciem a tudo por sua causa; é, em segundo lugar, uma imagem bem expressiva da atitude do próprio Jesus que, sendo Deus, se fez homem, sendo rico se fez pobre e sendo senhor se fez o servo de todos.

 

A Liturgia da Palavra conduziu-nos hoje à compreensão do mistério central da fé cristã, que somos chamados a viver e que foi de forma exemplar incarnada por Francisco de Assis.

Em primeiro lugar, a certeza de que o que somos e fazemos enquanto cristãos se deve ao dom de Deus que recebemos. O tesouro que transportamos nas nossas frágeis mãos vem de Deus e não de nós. Trata-se do primado absoluto da graça, trata-se da obra de Deus, por um lado, e da vocação a que somos chamados, por outro. Somos terreno que o Senhor criou e cultiva, somos barro e pó da terra, mas cheios dos dons d’Aquele que renova todas as coisas. Francisco de Assis assumiu-se como servo, apesar da sua ascendência de senhor, frágil apesar da nobreza e da fortaleza mundana dos seus atributos.

Em segundo lugar, levamos no nosso corpo os sofrimentos da morte de Jesus, para que também no nosso corpo, se manifeste a vida de Jesus. Ele é a vida que no batismo recebemos, Ele é a eternidade que já entrou em nós e que se consumará na feliz ressurreição. A nossa esperança tem um nome, o nome de Jesus morto e ressuscitado; nenhum outro nome nos salva e em nenhum outro encontramos a plenitude da vida. Francisco de Assis não se iludiu com o tempo e aspirou à eternidade, compreendeu que a vida é passagem e que as glórias do mundo são vãs.

Em terceiro lugar, acolhemos a missão, expressa nas palavras do Apóstolo: “acreditei; por isso falei”. O tesouro do Evangelho da esperança e da vida que na fé, recebemos, deve ser partilhado, em gestos e palavras de evangelização. Quando nos deixamos enraizar em Cristo, formamos sempre comunidades de discípulos para o anúncio do Evangelho. Francisco de Assis deixou-se encontrar e seduzir por Cristo, conheceu-O e nunca mais pôde deixar de anunciar.

Em quarto lugar, percebemos que, sempre que estamos em Cristo, sempre que O conhecemos e amamos, fazemos caminho de conversão de toda a nossa pessoa, de tudo o que somos e de tudo o que temos. Nessa altura, tudo é relativo e secundário, diante da grandeza do Senhor que habita em nós. Francisco de Assis esqueceu-se de si, pôs de parte os seus bens, ofereceu o seu corpo em sinal de despojamento das suas riquezas diante da pobreza livre do seu Senhor.

Durante dois mil anos de cristianismo, a Igreja passou por muitas vicissitudes. Viveu tempos e momentos de fidelidade ao Evangelho e outros de negações e pecados. Estamos num tempo cheio de contradições e marcado por grandezas e misérias, mas temos a graça de ver com mais clareza a frescura inesgotável do Evangelho, como tesouro, como caminho e como luz.

O Espírito Santo pôs no nosso caminho de fé e como sinal visível da caridade e da comunhão da Igreja o papa Francisco. Acreditamos que é um sinal providencial do Altíssimo que sempre assiste o seu Povo, para que volte à radicalidade do Evangelho.

Quando tantos homens e mulheres, de dentro e de fora, têm dificuldade de contemplar na Igreja o rosto de Jesus e do Evangelho, o Espírito suscita um profeta, alguém que vê na figura de Francisco de Assis um servo do mais genuíno modelo da mesma Igreja.

O Evangelho é sempre o mesmo, Jesus Cristo é de ontem, de hoje e de sempre, mas ninguém mais o vê exatamente da mesma maneira depois da revolução humilde e silenciosa de Francisco de Assis, como nenhum de nós o lê da mesma maneira diante da revolução despojada do papa Francisco. O Evangelho que proclama bem aventurados os pobres em espírito, o Evangelho do acolhimento e da misericórdia, o Evangelho do perdão e da inclusão de todos, o Evangelho da ecologia integral, o Evangelho do serviço e do amor... é o verdadeiro Evangelho de Jesus e só esse pode dar um rosto santo à sua Igreja.

Temos pela frente um enorme desafio, o de regressar ao Evangelho de Jesus com coração e espírito abertos. Temos, porventura, de sacudir muito do pó que a história colou aos nossos corações e às nossas instituições. Temos, com certeza, de erradicar muito espírito farisaico mascarado de religiosidade e espiritualidade. Temos um duro caminho de conversão pela frente, mas o Espírito nos há de guiar. Ajudar-nos-á o carisma sempre atual de Francisco de Assis e continuará a provocar-nos a palavra e o testemunho profético do Papa Francisco.

Que a Virgem Maria, a primeira a acolher na radicalidade da sua fé e da sua entrega a Boa Nova de Deus, nos conduza a ver o verdadeiro rosto de Jesus e a acolher, como Francisco de Assis, o convite: Vai, reconstrói a minha Igreja. Ámen.

 

Coimbra, 2017.06.16

Virgílio do Nascimento Antunes

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