CELEBRAÇÃO DA PAIXÃO DO SENHOR - SEXTA FEIRA SANTA - SÉ NOVA DE COIMBRA, 2013

“Cristo obedeceu até à morte e morte de cruz”. Esta é a primeira parte da palavra dominante da liturgia da Sexta Feira Santa, que se completa com a segunda parte: “Por isso Deus O exaltou e Lhe deu o nome que está acima de todos os nomes”.

Trata-se da afirmação do mistério da morte de Cristo na cruz, do qual fazemos especial memória neste dia, mas cujo sentido somente se alcança na afirmação do mistério da exaltação do Senhor, ou seja, da Sua ressurreição gloriosa. A Sexta Feira da Paixão não é a última palavra de Deus, pois ela é sempre seguida pelo Domingo de Páscoa, que constitui, de facto, a resposta de Deus ao sofrimento, à paixão e à morte.

“Cristo obedeceu até à morte”. Fixemo-nos na sua obediência, enquanto sinal da sua humildade diante do Pai e diante de nós, sinal do seu despojamento, da Sua liberdade e da Sua entrega.

Como referia a Epístola aos Hebreus, “apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento”. Ao longo de toda a vida terrena, esteve sempre atento à vontade do Pai, submeteu-se continuamente, mesmo que humanamente sentisse a forte tentação de realizar a sua própria vontade. As tentações referidas pelos evangelhos são momento de luta interior, que somente a força do Espírito Santo ajuda a vencer. A agonia no Getsémani dá-nos a versão mais dura desse drama interior de Jesus que quer levar a obediência até ao fim, apesar de ela implicar beber o cálice da dor e da morte: “Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres” (Mc 14, 36).

Esta vontade determinada do Senhor tem por base a Sua comunhão pessoal com o Pai, a quem chama carinhosamente Abbá. Há um amor divino que perpassa todo o Seu ser de Filho na relação com o Pai. Há uma confiança que nada pode abalar, que é mais forte do que todas as outras forças, porque nasce do amor mais forte do que a própria morte.

A obediência de Jesus vai “até à morte e morte de cruz”, ou até à forma mais ignominiosa de morrer, segundo os padrões culturais e religiosos do Seu tempo. Significa que não somente aceita a morte por obediência, mas aceita inclusivamente ver conspurcado o seu nome, o bom nome a que tinha direito pelo facto de ser uma pessoa, um judeu e membro do Povo de Deus, um homem crente e cumpridor de todos os preceitos da Lei de Moisés.

A obediência de Jesus seria porventura gratuita e estéril, se não tivesse uma finalidade, isto é, se não significasse o seu amor à humanidade, se não se orientasse para a salvação dos homens seus irmãos. Nesta finalidade coincide a vontade do Filho com a vontade do Pai: o amor por nós e a nossa salvação. Por amor aos homens, o Pai entrega o Filho à morte; por amor aos homens, e na obediência, o Filho aceita a vontade do Pai.

Não se trata, por isso, de uma relação estreita, fechada no seio da Trindade, mas de uma relação aberta, transbordante, que alarga a nós e a todos, que é fonte de vida em abundância para todos.

A quem assim se humilha na obediência, o Pai responde com a exaltação, na cruz e na glória da ressurreição; a quem assim se viu privado do seu bom nome, Deus deu o nome que está acima de todos os nomes.

 

Ao celebrarmos a Paixão do Senhor, sentimos também nós, de novo, o apelo à obediência da fé. Numa atitude de humildade, deixamo-nos tocar pelo amor de Deus, abrimos os olhos para o ver, dispomo-nos a acredita nele com todas as nossas forças.

Aceitar fazer o caminho difícil da fé corresponde a um ato de obediência Àquele que se nos dá a conhecer, nos mostra os sinais para que acreditemos n’Ele e vem ao nosso encontro com as propostas ternas do seu coração.

A obediência da fé exige-nos a humildade de aceitar os nossos limites, fraquezas e pecados; leva-nos a reconhecer que somos criaturas que não decidem a sua existência, nem grande parte do que é o seu presente ou o seu futuro; faz-nos sentir nas mãos de Alguém que está em nós e fora de nós, que é santo e que é amor.

A condição fundamental para que caminhemos na obediência da fé é a aceitação da grandeza da razão humana, por um lado, mas também a consciência dos seus limites, por outro. Num tempo em que se endeusou a razão e se presta culto às suas potencialidades quase absolutas, acreditar em Deus, que ultrapassa aquilo que ela pode conhecer, tornou-se uma tarefa gigantesca, que só se vence pela obediência da fé enquanto confiança n’Aquele que nos amou e nos ama ao ponto de se entregar à morte e morte de cruz.

A obediência da fé leva-nos a confessar com temor e amor o Deus Santíssima Trindade, a adorá-l’O e louvá-l’O como o Senhor a quem confiamos a nossa vida, a rendermos-lhe graças por nos ter feito entrar na sua comunhão que nos salva; leva-nos a uma obediência evangélica que se concretiza no acolhimento do ensino da Igreja; leva-nos ainda a um discernimento fiel das opções de vida, que exige renúncia aos valores e propostas do mundo para aderir sem reservas e com o preço da própria vida a Cristo e ao caminho que nos deixou como herança.

Ao celebrarmos a Paixão do Senhor sentimos igualmente um novo apelo em ordem à obediência da caridade, que constitui a maior manifestação da autenticidade da fé. Sem obras, a fé é estéril e inútil, como se depreende da Epístola de Tiago quando diz: “mostra-me a tua fé sem obras que eu pelas minhas obras te mostrarei a minha fé.”

A obra de Deus realizada em Cristo é a concretização mais fiel da caridade de Deus, é o culminar do seu ser amor e agir como amor.

Contemplar a paixão de Cristo nesta Sexta Feira Santa impele toda a Igreja a envolver-se de forma decidida no exercício da caridade cristã como sua única segurança. A celebração dos mistérios da fé na liturgia, as tarefas de anúncio da Boa Nova e de evangelização, a construção da comunidade cristã alicerçada nos sacramentos, a ação social e a atenção aos pobres, são meios de concretização da obediência da caridade que o Senhor deixou à sua Igreja como tarefa que deve abraçar fielmente.

A mesma obediência da caridade impele cada um de nós a seguir os passos do Senhor, nas opções quotidianas ou no traçar das grandes linhas de rumo da nossa vida. O nosso distintivo cristão será a caridade como meio e como fim, nas relações familiares, sociais e laborais, na abordagem da economia, da cultura e da política, na nossa relação com a Igreja e com o mundo.

Ao entregar a sua vida à morte e ao tomar sobre si as culpas das multidões, como afirmava a profecia de Isaías, o Servo do Senhor antecipou a caridade como a característica que define Jesus, o Filho que se ofereceu até à morte e morte de cruz.

Possa cada um de nós, no seguimento de Jesus, eleger a caridade como a bandeira da sua vida e o sinal da sua fé, com o amparo de Nossa Senhora.

 

Coimbra, 29 de março de 2013

Virgílio do Nascimento Antunes

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