CONFERÊNCIAS QUARESMAIS DA PARÓQUIA DE S. JOSÉ - 2012 - PARÓQUIA, SINAL DE ESPERANÇA

1. FIM DA CIVILIZAÇÃO PAROQUIAL

Pode parecer anacrónico falar de paróquia nos dias de hoje. Tanto o substantivo “paróquia” como o adjetivo “paroquial” são frequentemente usados com sentido pejorativo, para significar realidades sem horizontes, não profissionais nem científicas, duma religiosidade não esclarecida nem passada pelo crivo da racionalidade.

Por detrás está a ideia do campanário a dominar a aldeia ou a vila, à volta do qual tudo se passava, que era o centro da vida local, o ponto geográfico de encontro e o lugar de confluência de tudo o que a uma comunidade humana local dizia respeito.

Nesse sentido, a vida de hoje não é paroquial, nem nos pequenos aglomerados, nem nas vilas ou cidades, onde o campanário é uma marca cada vez menos significativa e onde a realidade já não gravita à sua sombra. De um ponto de vista arquitectónico é interessante visitar algumas das grandes metrópoles, onde o volume das igrejas ou a altura das suas torres foram completamente ultrapassados pelos grandes edifícios de todo o género e pelos arranha-céus.

Por outro lado, as igrejas modernas já não apresentam as marcas tão vincadas da arquitetura sagrada e confundem-se facilmente com outro tipo de construções públicas ou privadas. Há um certo complexo religioso que leva a procurar formas discretas, com a finalidade de não causar afronta aos ateístas militantes ou aos que professam outros credos religiosos. O som dos sinos deixou de se ouvir, por já não ser necessário de um ponto de vista prático, mas também por o seu sinal interessar apenas uma parte da população e, agora também, para evitar a poluição sonora, à qual são tão sensíveis os habitantes da cidade moderna.

A catedral de Colónia ou a Notre-Dame de Paris, no meio de cidades antigas, de casario relativamente baixo, espelham um tipo de relação entre a Igreja e a sociedade que corresponde em boa parte ao modelo do qual estamos a sair. A catedral de Nova Iorque, apesar de muito alta, circundada por arranha-céus, constitui uma das imagens visuais que melhor exprimem a mudança de paradigma de relação existente entre a Igreja ou a paróquia e a comunidade humana no nosso tempo. Se no primeiro caso, o templo religioso marca a paisagem e fala de um tempo em que o cristianismo ditava muito do que eram as linhas da cultura e da vida da cidade dos homens; no segundo caso, parece exatamente o contrário. Na cidade hodierna, os campanários são outros, os centros de influência têm outras marcas, a vida circula por outras artérias, a esperança está ancorada em outros portos e tem outros horizontes; a cidade dos homens sobrepôs-se à cidade de Deus.

Houve entre nós uma diminuição da importância dos dinamismos paroquiais na vida das pessoas, das famílias, da sociedade e da Igreja. O sinal mais evidente é a diminuição da prática religiosa, concretamente a diminuição da participação na missa dominical, mas também a diminuição do número de baptismos e matrimónios católicos, da frequência da catequese e das aulas de Educação Moral e Religiosa.

Para além destes índices objectivos e contabilizáveis, há uma outra área que não é calculável, embora com fortes indícios de mudança: os valores que orientam a vida das pessoas e das famílias não são, em grande parte, os representados pela comunidade paroquial – entenda-se, eclesial. As chamadas questões fraturantes, que dividem efetivamente a sociedade, constituem a parte mais visível dessa mudança de agulhas e da diminuição da influência da Igreja na conduta das famílias e da sociedade.

Há hoje uma clara distinção entre acreditar em Deus e, desse ponto de vista, professar a fé cristã, e identificar-se com a totalidade dos valores ético-morais que fazem parte da mundo-vidência cristã. Há, mais ainda, uma clara distinção entre professar a fé cristã e identificar-se com a totalidade dos valores defendidos pela Igreja.

Neste sentido, parece ser agora mais efetivo o axioma “Cristo sim, Igreja não”, que causou tanto mal-estar em tempos não muito distantes. Chegámos ao tempo da religião como algo do foro privado, que não diz respeito a mais ninguém senão a cada pessoa, na sua relação com Deus. A perda da dimensão social e comunitária remete a fé para o âmbito da consciência individual e as suas manifestações não passam pela chamada “prática cristã”. Noutros casos, perdeu-se a regularidade da mesma prática, que fica relegada para algumas especiais ocorrências da vida familiar.

Todos ficamos perplexos com a aprovação de algumas leis que exprimem a negação do pensamento cristão, num país que, continuamos a afirmar, é culturalmente cristão e conta com mais de 90% de batizados. De facto, a matriz cristã da cultura ocidental é uma realidade, mas os dinamismos daí provenientes encontram-se em acelerado processo de erosão. Se não houver uma viragem enérgica e a curto prazo, perdem-se irremediavelmente, com grande prejuízo não só para o Ocidente, mas também para o mundo.

Uma vez que mudaram os critérios do que é ser cristão e as formas de o manifestar e assumir, é muito difícil perceber em que sentido vão as tendências nesta matéria. Em 2002, uma investigação conduzida pela Universidade da Pennsylvania (PHILIP JENKINS, The Next Christendom, The Coming of Global Christianity, New York, Oxford University Press, 2002), procurou conhecer o fenómeno da adesão à fé cristã, tendo em conta o sentido de pertença às grandes igrejas tradicionais e as infinitas formas institucionais e não institucionais de se sentir vinculado ao cristianismo, e concluiu que a fé cristã não está em fase de decadência. Pelo contrário, os aderentes à fé cristã estão em rápido aumento no mundo, sobretudo na África e na Ásia. O estudo concluiu que este movimento de aumento vai muito para além seja da Igreja Católica, seja das grandes Igrejas da tradição, pois os sujeitos mais vivos e eficazes da evangelização não são mais as instituições missionárias das grandes Igrejas, mas os indivíduos, grupos e movimentos movidos pela fé entusiasta, com um fino caráter carismático e uma tendência doutrinal, pelo menos genericamente, fundamentalista. Por sua vez, as grandes Igrejas clássicas, bem estruturadas estão a perder fiéis em todas as partes do mundo, enquanto os movimentos espontâneos de tipo pentecostal e de expressão individual mais sensível e livre, de tom místico e apocalíptico, estão a aumentar.

Não é raro reconhecer-se em meios muito diferentes que, o cristianismo constitui o sistema integrado de valores mais completo e que maior contributo deu para a dignificação da humanidade. Mesmo em meios não confessionais, afirma-se que a civilização cristã levou a humanidade a um nível de desenvolvimento ímpar, se tivermos em conta alguns importantes fatores, como são: o sentido da dignidade humana, o respeito pela liberdade de cada pessoa, a cultura da vida, o sentido da justiça, a qualidade do amor como lugar da relação humana, a implementação da fraternidade e da paz entre pessoas e povos.

Face a estas conclusões, torna-se urgente que a paróquia assuma uma nova maneira de ser consciente de que a civilização paroquial terminou e de que há outros modelos de adesão à fé cristã e de pertença à comunidade eclesial. Mais do que fechar-se na sua dimensão institucional e numa maneira de ser própria da Igreja de cristandade, precisa de se propor como lugar de respeito pela pessoa em fases diferentes da descoberta da fé e em níveis igualmente distintos de relação com a comunidade cristã. Sem deixar de respeitar integralmente a doutrina e a disciplina eclesial, a paróquia tem e estar aberta a sensibilidades diferentes e à riqueza que constituem as inspirações provindas do Espírito de Deus por meio dos movimentos de espiritualidade e carismas de renovação da vida cristã. A paróquia há-de estar consciente de que é preciso manter vivo o espírito missionário e não basta ter as portas da igreja ou do serviço social aberto: é preciso sair par ir ao encontro dos que sentem alguma apetência para a fé, mas ainda não deram o passo no sentido do encontro pessoal com Cristo, que caracteriza toda a fé cristã.

 

2. A PARÓQUIA E A MOBILIDADE HUMANA

A globalização à escala nacional produziu uma sociedade portuguesa cada vez mais urbana. As vilas e aldeias, como as pequenas cidades têm agora um figurino muito idêntico, tanto do ponto de vista da organização urbanística como no que respeita à mentalidade, à cultura e ao modo de viver das populações. A perda das marcas da ruralidade é acentuada, a dependência do trabalho assalariado é generalizada, a influência da comunicação social na criação de hábitos de vida comuns e quase universais é incontornável.

A globalização à escala universal produziu uma sociedade cada vez menos diferenciada nos seus hábitos e nos seus valores; levou-nos à vivência em tempo real de todos os dramas e sucessos dos povos das mais diferentes latitudes.

O centro da vida, do ponto de vista da ocupação do tempo e dos interesses galvanizadores, passou a ser, em grande parte, o trabalho, a profissão; o centro da vida, do ponto de vista geográfico, deixou de ser o lugar de residência, para passar a ser o lugar de trabalho. O dia é passado no local de trabalho, a noite e os tempos de descanso e lazer, no local de residência. Trabalhar numa cidade ou localidade, por vezes bastante distante do local de residência, é fenómeno comum. Acresce ainda a extrema mobilidade de muitas famílias que se vêm na contingência de percorrer num escasso período de tempo uma série de locais de residência, exigência do trabalho que não podem perder: a casa, a família, as relações dependentes do trabalho.

Nestes casos, sofre-se de falta de raízes, de instabilidade a todos os níveis, do síndroma da mobilidade; fica-se refém do anonimato, de uma vida em que não se é conhecido nem se conhece mais do que a família nuclear, pois nem sequer há o tempo necessário para a criação de laços de familiaridade, proximidade ou vizinhança. Outras vezes, prevendo-se um curto período de tempo a residir num determinado lugar, as pessoas sentem que nem sequer vale a pena investir na relação com o local e com os seus habitantes, por saberem que será algo de efémero.

Conhecemos os chamados bairros tradicionais, semelhantes às aldeias, vilas e pequenas cidades onde as pessoas se conheciam e onde havia relações de vizinhança e proximidade. Tornam-se cada vez menos característicos. Conhecemos também os bairros novos, de maiores dimensões, habitados por famílias nucleares novas, por famílias monoparentais ou por indivíduos isolados, onde ninguém se conhece e onde as pessoas apresentam uma grande relutância de se dar a conhecer ou de estabelecer qualquer forma de laços mais profundos, evitando-se qualquer forma de dependência.

Mesmo as aldeias, que são hoje lugares de passagem, perderam as suas características em virtude da extrema mobilidade das pessoas. É frequente encontrar em pequenos povoados famílias desconhecidas, de formatos diversos, de línguas e países diferentes e sem ligações de qualquer espécie.

Para além das razões de ordem estrutural, que estão a transformar os níveis de relação entre as pessoas, nota-se um crescer do individualismo e do egocentrismo, que fecham as pessoas sobre si mesmas e as afastam dos outros. O mundo tornou-se um imenso arquipélago, constituído por muitas ilhas, todas elas de características diferentes, mas separadas umas das outras por mares profundos.

Este novo modo de relação entre as pessoas, característico das sociedades urbanas e modernas, veio alterar em grande parte o modo de ser paróquia e o rosto das comunidades cristãs locais. Fez sobretudo que a paróquia deixasse de coincidir com um território e a população nela residente, pois a residência deixou de ser o elemento preponderante no momento de congregar as pessoas.

Em meio urbano, o que conta quando se trata de congregar as pessoas é a capacidade de criar relação com base em algumas afinidades; a facilidade de aceder a um lugar tendo em conta as condições de mobilidade, os transportes e a facilidade das ligações; o estilo da comunidade cristã, marcado por alguns aspectos de significado mais profundo ou até superficial; a identificação com o modo de falar, de ser e de agir do pároco ou dos rostos mais visíveis da comunidade; o modo de celebrar mais vivo e dinâmico ou porventura monótono e rotineiro; o tipo de música usado nas celebrações, de sabor mais litúrgico e clássico ou ligeiro e jovial e até o horário das celebrações, da catequese ou das ações pastorais. Insistir nas fronteiras geográficas ou na perspectiva territorial da paróquia, sobretudo em meio urbano, tornou-se anacrónico.

Neste contexto ganhou pertinência e dinamismo um outro modo de ser Igreja, de caráter menos institucional, representado em muitas comunidades de tipo carismático. Surgiram também os muitos movimentos de espiritualidade que, situando-se fora da estrutura territorial e paroquial oferecem diversos tipo de relação com ela. Alguns procuram ter um enquadramento na paróquia e quase se integram nas estruturas paroquiais; outros, porém, estão completamente à margem dela e têm uma estrutura organizativa em parte semelhante à das Ordens Religiosas.

Nestas circunstâncias, é fundamental que a paróquia tenha a capacidade de proporcionar boas experiências de encontro e de relação humana, a fim de preencher uma lacuna sentida na civilização da mobilidade. Se noutras áreas não é fácil criar laços de amizade gratuita, a Igreja deve investir nessa tarefa, pois é condição para a criação da comunidade cristã, que nunca pode prescindir da comunidade humana.

A pastoral do acolhimento tão desenvolvida em muitas sociedades massificadas, torna-se prioritária também entre nós.

 

4. PARÓQUIA, SINAL DE ESPERANÇA EM TEMPO DE CRISE

Na história da Igreja, (ALPHONSE BORRAS/GILLES ROUTHIER, La nueva parroquia, Salterrae, Santander, 2009), “cada época teve de pensar a paróquia em função da sua inserção em diferentes contextos sociais e dos desafios pastorais que se foram apresentando ao longo dos séculos” (p. 23). Há alguns traços comuns da realidade paróquia tanto nas suas diversas realizações ao longo da história, como nos seus variados modelos situados nos distintos lugares geográficos: “uma comunidade particular de fiéis; exerce-se o ministério presbiteral em comunhão com o bispo e com a colaboração de fiéis leigos; anuncia-se o Evangelho com a força do Espírito Santo e celebram-se os sacramentos” (p. 24).

Como concluem os autores antes referidos, podemos chegar à conclusão que a paróquia não existe, existindo simplesmente paróquias, no sentido de diferentes formas de realização da comunidade cristã, estruturada e organizada à luz de alguns princípios, mas sempre a pensar-se, a definir o seu modo de estar e a sua identidade, para corresponder à realidade de cada tempo.

O Código de Direito Canónico, embora no cânone 518 diga que, regra geral, a paróquia é territorial, admite a possibilidade de, onde for conveniente, se erigirem paróquias pessoais. Admite, por isso, que o factor humano é preponderante, como aliás ressalta da definição apresentada no cânone 515: “a paróquia é uma certa comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, cuja cura pastoral, sob a autoridade do Bispo diocesano, está confiada ao pároco, como seu pastor próprio”.

A paróquia é uma realidade aberta a possibilidades de mudança, de acordo com o discernimento que se fizer em cada tempo e lugar. Está ao serviço da vida da comunidade cristã e, ao contrário do que se chegou a pensar quando se lhe deram os dias por contados com o emergir de novas formas de vida comunitária na Igreja, continua a ter pertinência, se souber situar-se no mundo em que nos encontramos.

Enquanto realidade aberta a múltiplas formas de realização, a paróquia é uma instituição continuamente em crise, no sentido de uma realidade que sempre se está a pôr em causa e a procurar corresponder melhor à pessoa humana cristã ou em fase de procura da fé. A paróquia é uma instituição que faz da crise uma contínua oportunidade na relação de proximidade com os cristãos. No dia em que se fixar numa forma de ser e assumir um caráter estável e fixista, perde a possibilidade de ser sinal de esperança, por deixar de ter uma linguagem capaz de a tornar interlocutor com as pessoas com maneiras de ser características de cada tempo e cultura.

A paróquia é, por excelência, a realidade eclesial que mais tem de estar constantemente a reformar-se, por estar numa relação de mais direta proximidade com o povo de Deus. Nota-se que as paróquias que cristalizaram num conjunto de práticas e ritmos, deixaram de interessar; outras, que conseguiram conjugar a novidade com a profundidade, mantêm grande vitalidade.

A questão que nos propomos pôr, é esta: pode a paróquia nesta fase de mudanças culturais e sociais, em tempos de crise, ser sinal de esperança?

Na tradução grega da Bíblia, chamada dos LXX, o termo paroikia e o verbo paroikeo, dos quais deriva a palavra paróquia, aparecem sempre ligados ao campo semântico de estrangeiro, permanência ou vida em terra estrangeira, habitar temporariamente num lugar sem adquirir o direito de cidadania.

Este verbo comparece no Segundo Livro dos Reis, 4, 3, para referir os estrangeiros que habitam em Israel, e no Livro do Génesis, 12, 10 e 19, 9, para referir-se aos israelitas que estão em terra estrangeira. Como refere a Epístola aso Hebreus a propósito da permanência de Abraão em terra estrangeira, em 11, 9, ele vive continuamente na esperança de poder entrar na Terra da Promessa, enquanto lugar de permanência ou na Jerusalém Celeste, bela imagem bíblica para simbolizar as realidades definitivas e a realização da esperança última.

Por sua vez, o substantivo indica igualmente na Escritura uma situação e um tempo transitório, como a permanência de Israel no Egito, em Act 13, 17, ou o nosso tempo de peregrinação neste mundo, igualmente limitado e transitório, em 1 Pd 1, 17.

A situação do cristão no mundo tem muito a ver com este significado bíblico do termo “paróquia”. Ele sente-se continuamente em trânsito, numa condição de peregrino, sempre em busca de uma terra prometida de abrigo. Quanto mais experimenta o caráter transitório da sua vida, mais reconhece que precisa de algum ponto seguro de apoio, de algum ponto de chegada ou de algum lugar de encontro.

Esta situação do homem de hoje fá-lo sentir-se necessitado de uma Igreja que o acolha, sem qualquer tipo de descriminação social, económica, nacional, linguística, nem de qualidade de fé ou de tipo de empenhamento na vivência cristã (cf. SEVERINO DIANICH; CARMELO TORCIVIA, Forme del popolo di Dio tra comunità e fraternità, San Paolo, Milano, 2012, p. 47).

Em França falou-se de uma nova forma relação dos cristãos com a Igreja o “cristianismo de conversão” (partindo de uma artigo de ÉTIENNE GRIEU, L’Église catholique et le “christianisme de conversion”, in Documents de l’Épiscopat, 8, citado por SEVERINO DIANICH; CARMELO TORCIVIA, Forme del popolo di Dio tra comunità e fraternità, San Paolo, Milano, 2012, p. 49). O cristão tem uma relação porventura mais débil com a comunidade cristã estruturada e organizada, mas procura uma relação forte com o grupo com o qual se identifica e dentro do qual descobriu a fé. Precisa, no entanto, de alguma forma de relação com a comunidade alargada, pois ela dá-lhe o enquadramento da universalidade. Sem esta relação com a paróquia e, por meio dela, com a Igreja Local, corre-se o risco de o grupo se encerrar em si mesmo e descambar para alguma forma de fundamentalismo.

Esta mesma situação exige da Igreja, concretamente da paróquia, rosto próximo da Igreja, uma atitude de abertura que vá muito para além da territorialidade; uma atitude de abertura franca das suas portas a todos os que a procuram; um dinamismo de propostas variadas aptas a acolher a grande variedade de experiências de procura e de caminhos já realizados; uma força missionária alicerçada no mandato de Jesus que envia os seus discípulos pelo mundo a anunciar a Boa Nova do Reino a todos os povos.

É precisamente em tempo de crise, seja ela qual for, que a paróquia tem a possibilidade de oferecer uma esperança diferente de todas as outras, que vá para além das esperanças humanas e terrenas, sempre falíveis.

Neste âmbito tem papel relevante a reflexão e programação feita por todas as instâncias ativas na paróquia, particularmente pelo Conselho Pastoral. Sem esta revisão contínua e crítica constante à ação pastoral que se desenvolve, a paróquia torna-se rapidamente ultrapassada, ficando à mercê da procura de serviços religiosos que possa vir a surgir de fora.

 

5. DE QUE ESPERANÇA É SINAL A PARÓQUIA?

Em tempos de crise, sente-se mais a urgência de sinais de esperança. Num mundo secularizado, importa clarificar o significado da palavra esperança, pois não parece tratar-se propriamente da virtude teologal da tríade da doutrina cristã.

Quando se fala de esperança em tempos de crise, acentua-se sobretudo a capacidade humana de resistir diante das tentações de desanimar face às grandes dificuldades que advêm da situação presente. Insiste-se, nessa altura, na urgência de unirmos esforços, abrindo-nos à fraternidade e à solidariedade, renunciando a egoísmos perniciosos para a prossecução do bem comum. Estamos diante de uma definição de esperança que se confina ao resultado dos esforços humanos, capazes de encontrar respostas adequadas para os problemas difíceis que se vivem.

A este nível a paróquia pode fazer alguma coisa, pois tem alguma capacidade para ajudar a despertar nas pessoas sentimentos de fraternidade, solidariedade e caridade. Consegue ajudar a resolver alguns pequenos problemas económicos, familiares, com o recurso à ação caritativa em pequena escala e da proximidade. Sente-se, no entanto, muito limitada pois não tem influência nas políticas económicas ou sociais determinantes da crise.

O papel da paróquia situa-se, portanto, a outro nível. Ela tem um lugar insubstituível no que respeita ao desenvolvimento de dinamismo de esperança teologal, que não é uma esperança desencarnada ou alheia às situações que agora vivemos sobre a terra que pisamos.

A esperança cristã é uma esperança teologal juntamente com a fé e a caridade. Ela parte da pregação do Evangelho e “não (é) só a esperança no que diz respeito às coisas penúltimas, mas também e sobretudo a esperança escatológica, que aguarda o tesouro da glória de Deus (cf. Ef 1, 18), que supera tudo quanto tenha já saboreado o coração do homem (cf. 1 Cor 2, 9) e que não tem comparação com os sofrimentos do tempo presente (cf. Rm 8, 18)” (Pastores Gregis, 3).

A paróquia tem a missão de ser profeta, serva e testemunha da esperança teologal, dando, como diz o apóstolo Pedro, as razões da esperança cristã (cf. 1 Ped 3, 15), “sobretudo nas situações onde maior é a pressão de uma cultura imanentista, que marginaliza qualquer abertura à transcendência. Onde falta a esperança, também a fé é posta em questão; e o amor enfraquece, quando começa a exaurir-se aquela virtude. Com efeito a esperança, especialmente em tempos de crescente incredulidade e indiferença, é firme apoio para a fé e incentivo eficaz para a caridade. Extrai a sua força da certeza da vontade salvífica universal de Deus (cf. 1 Tim 2, 3) e da presença constante do Senhor Jesus, o Emanuel, que está sempre connosco até ao fim do mundo (cf. Mt 28, 20), diz o Papa João Paulo II, na Exortação Pós-sinodal, Pastores Gregis, 3.

No fundo, a esperança de que a paróquia é protagonista é a esperança cristã, que radica em Cristo Ressuscitado, com o qual “não haverá mais morte, nem pranto, nem gritos, nem dor” (Ap 21, 4).

A esperança cristã mantém-se, mesmodiante da falência das esperanças humanas que, baseando-se em ideologias materialistas, imanentistas e economicistas, pretendem medir tudo em termos de eficiência e relações de poder e de mercado” (Pastores Gregis, 4).

A paróquia é sinal de esperança quando ajuda as pessoas a compreender que somente a luz do Ressuscitado e a força do Espírito Santo são autênticas fontes de esperança, que não desilude nem morre, porque ultrapassa as forças humanas para se enraizar no poder de Deus.

Um dos maiores problemas que enfrenta a paróquia do nosso tempo é a perda da centralidade da sua identidade enquanto rosto da comunidade cristã alicerçada na fé e ao serviço da comunhão do homem com Deus. Nessa altura não sabe de que esperança é portadora e corre o risco de se tornar uma simples realidade humana.

Apesar de incluir uma multiplicidade de serviços e atividades de promoção humana e social, a paróquia sabe que a sua missão é de caráter espiritual e que não é portadora de outra esperança senão a que se funda em Deus.

Paróquia de S. José, Coimbra, 29 de Março de 2012

Virgílio do Nascimento Antunes, Bispo de Coimbra

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