Este é o tempo!
Começo pelas palavras magistrais do livro de Eclesiastes.
" ... tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou ..."
São princípios basilares, que atravessam os séculos e são perfilhados por todas as religiões e culturas. Como contrariar a sabedoria que as inspira? Há um tempo para tudo. E não há dúvidas de que este é o tempo. Não há outro para além daquele que nos é dado viver aqui e agora. Posso gostar ou não gostar. Mas ainda assim, este é o nosso tempo.
Não é esta a ocasião para enumerar e aprofundar as causas do gosto ou do desgosto que possamos experimentar a nível individual ou coletivo. Cada um terá a sua lista de razões para identificar e qualificar o belo e o feio que este tempo concreto contém. E com certeza, como sempre sucede, em face de cada tempo, formulam-se algumas interrogações que dizem respeito ao futuro: E agora, para onde vamos? Ou ainda, para onde queremos ir?
Há duas semanas, o Professor João César das Neves veio a Coimbra apresentar o seu último livro. Intitula-se A Economia de Francisco, e nele se sustenta que nunca como antes um protagonista à escala global colocou um desafio tão interpelativo e transformador à regulação económica e social. O que nesse desafio se acentua são as bases de mais justiça e mais entreajuda. O motivo é evangélico ("Amai-vos uns aos outros") mas não sofre contestação em nenhum outro alinhamento religioso. Para quem pensava que um líder religioso apenas se ocupava da organização eclesial e das questões teológicas mais profundas e afastadas da vida quotidiana das pessoas, este livro representa uma surpresa e um belo desmentido. Não. O papa preocupa-se com o mundo e com as injustiças que nele prevalecem. Denúncia, com uma clareza e uma insistência novas, as desigualdades que crescem, a indiferença dos poderosos e o egoísmo. Proclama, em concreto, as ideias de que os ideais cristãos da proximidade não podem ser levados à prática sem o acolhimento do irmão, sem justiça social e económica.
A proposta de César das Neves, contudo, não deixa de ser surpreendente. No âmbito da economia, as transformações necessárias só podem operar-se no âmbito dos milagres
Temos de pedir, temos de 'nos pôr de joelhos'. Confiar e pedir. O milagre é Deus que o faz. Ele confia absolutamente em nós e no esforço que colocamos no que fazemos. Sim, trata-se aqui de nos colocarmos na dimensão da fé, assumindo a nossa condição de fragilidade e humildade. Só o nosso esforço empenhado possibilita o milagre.
César das Neves não está sozinho neste diagnóstico. Michael Sandel na obra intitulada A tirania do Mérito também aponta a humildade e a solidariedade como critérios centrais nas mudanças que considera inadiáveis para evitar catástrofes de âmbito global.
Os desafios deste tempo requerem humildade. Que humildade é esta para estes tempos tão 'fartos' e tão 'esgotantes'? De que humildade precisamos para olhar para o tempo presente? O que nos está a escapar que nos impede de ver outras cores no horizonte?
O calendário diz-nos que está a chegar um tempo particularmente encantador. Refiro-me ao Advento que é, porventura, o tempo em que a humildade divina mais desafia a humildade dos homens.
Maria 'pega-nos pela mão' e percorre connosco 'montanhas e vales'.
Precisamos de caminhar com esta mulher. Precisamos de beneficiar do calor e da firmeza desta mulher humilde e plenamente encontrada no seu tempo. Este será o braço certo e seguro. E o quanto é desejado o colo desta nossa Mãe.
Em tempos de notícias tumultuosas e mortíferas, é curioso notar a ausência quase total de mulheres nos centros de decisão geopolítica. Não terá chegado o tempo histórico de valorizarmos mais a segurança do braço feminino? Parece haver sinais de que assim venha ser no futuro muito próximo. Tem sido justamente notada a presença das mulheres no Sínodo que tem decorrido em Roma. Nele, 54 mulheres puderam manifestar-se e votar. Nunca tinha acontecido.
Este é o tempo. E é certo que o advento equivale a esperança.
Madalena Abreu
Comissão Diocesana Justiça e Paz