Igualdade é tratamento igual de realidades
iguais e tratamento desigual de realidades desiguais
1. O art. 13.º da Constituição proclama que
todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais
perante a lei, acrescentando que ninguém pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência,
sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica,
condição social ou orientação sexual.
Os factores de desigualdade assim apresentados
são-no a título enunciativo, e não taxativo. Eles equivalem
aos mais flagrantemente reconhecidos pelo legislador
constitucional; não os únicos susceptíveis de gerar
privilégios ou discriminações e, portanto, não os únicos
rejeitados.
Já era assim antes da revisão constitucional de 2004 no
tocante à orientação sexual. O ser ela agora mencionada no
art. 13.º (por cópia da Carta de Direitos Fundamentais da
União Europeia) representa apenas uma explicitação.
2. A proibição de discriminações significa, à
partida, que ninguém possa deixar de ter acesso a qualquer
direito ou bem jurídico atribuído pela Constituição ou pela
lei em termos gerais. Mas o princípio tem de ser entendido no
contexto da Constituição, com as implicações decorrentes de
outros princípios. E isso porque o princípio da igualdade não
funciona por forma geral e abstracta, mas perante situações ou
termos de comparação que devam reputar-se concretamente iguais
- e, antes de tudo, à luz de padrões valorativos ou da ordem
axiológica constitucional (parecer n.º 32/82 da Comissão
Constitucional).
Enquanto conceito relacional, a medida do que é
igual e deva ser tratado como igual depende da matéria a
tratar e do ponto de vista de quem estabelece a comparação, em
termos de determinar quais são os elementos essenciais e os
não-essenciais num juízo acerca da admissibilidade ou
inadmissibilidade de soluções jurídicas dissemelhantes e
eventualmente mesmo discriminatórias. Ou seja, quando é que
duas situações reais da vida são equiparáveis, quando as
similitudes entre elas sobrelevam das diferenças e, por isso,
o juízo de valor sobre a materialidade que lhes serve de
suporte conduz à necessidade de um igual tratamento jurídico
(acórdão n.º 231/94 do Tribunal Constitucional).
É a esta luz que deve ser encarado o problema do casamento de
homossexuais.
3. Igualdade é tratamento igual de realidades
iguais e tratamento desigual de realidades desiguais. Por
isso, diferenciar não é discriminar. Não diferenciar é que é
(ou pode ser) discriminar.
Reduzir o casamento à finalidade de procriação,
como alguns sustentam, não se afigura correcto. Simplesmente,
apenas o casamento de pessoas de sexos diferentes comporta a
potencialidade de procriação, com tudo quanto isto envolve de
direitos e deveres em relação aos filhos e à função de
assegurar a subsistência (quer biológica, quer no plano da
sustentabilidade da segurança social) e a renovação da
comunidade. Não por acaso a Constituição qualifica a
maternidade e a paternidade como "valores sociais eminentes"
(art. 68.º, n.º 2).
Não admitir o casamento de dois homens ou de
duas mulheres não viola o princípio da igualdade. O que o
infringiria seria, sim, admiti-lo, por colocar em paridade
realidade inconfundíveis.
4. A Lei Fundamental distingue o direito de
constituir família e o direito de casar (art. 36.º, n.º 1) e
hoje aparece à vista desarmada a pluralidade de formações
familiares, designadamente, as uniões de facto, tanto
heterossexuais como homossexuais (com direitos consagrados na
Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, e que bem poderão vir a ser
alargados). Em contrapartida, é não menos patente, na
Constituição, o enlace incindível entre filiação e casamento,
necessariamente heterossexual. "Os cônjuges têm iguais
direitos e deveres quanto à capacidade civil e à manutenção e
educação de filhos (art. 36.º, n.º 3)." "Os filhos nascidos
fora do casamento não podem ser objecto de qualquer
discriminação" (art. 36.º, n.º 4). "Os pais têm o direito e o
dever de educação e manutenção dos filhos" (art. 36.º, n.º 5).
"Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando
estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e
sempre mediante decisão judicial (art. 36.º, n.º 6). À
pluralidade de formações familiares hão-de corresponder
adequados regimes jurídicos.
5. Ainda mais claro se mostra a Declaração
Universal dos Direitos do Homem: "A partir da idade núbil, o
homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir
família, sem restrição alguma de raça ou religião (art. 16.º,
n.º 1).
Ora, os preceitos constitucionais e legais
relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e
integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos
do Homem" (art. 16.º, n.º 2 da Constituição).
Logo, em face do nosso ordenamento
constitucional, não só não se faz discriminação por se
estabelecer diferenças entre o regime do casamento e o regime
(ou qualquer regime) da união homossexual como o casamento é
concebido exclusivamente como união heterossexual. Logo, uma
lei que permitisse casamentos entre pessoas do mesmo sexo
seria inconstitucional.
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