A
boa nova do amor divino deve ser proclamada a quantos vivem esta
fundamental experiência humana pessoal, de casal e de comunhão
aberta ao dom dos filhos, que é a comunidade familiar. A doutrina
da fé sobre o matrimónio deve ser apresentada de modo comunicativo
e eficaz, para ser capaz de alcançar os corações e de os
transformar segundo a vontade de Deus manifestada em Cristo Jesus.
A
propósito das fontes bíblicas sobre o matrimónio e a família,
nesta circunstância apresentamos somente as referências
essenciais. Também no que se refere aos documentos do Magistério,
parece oportuno limitar-se aos documentos do Magistério universal
da Igreja, integrando-os com alguns textos emanados pelo
Pontifício Conselho para a Família e atribuindo aos Bispos
participantes no Sínodo a tarefa de dar voz aos documentos dos
seus respetivos organismos episcopais.
Em todas as épocas e nas culturas mais diversificadas nunca faltou
o ensinamento claro dos Pastores, nem o testemunho concreto dos
fiéis, homens e mulheres que, em circunstâncias muito diversas,
viveram o Evangelho sobre a família como uma dádiva incomensurável
para a sua própria vida e para a vida dos seus filhos. O
compromisso a favor do próximo Sínodo Extraordinário é assumido e
sustentado pelo desejo de comunicar esta mensagem a todos, com
maior incisividade, esperando assim que «o tesouro da revelação
confiado à Igreja encha cada vez mais os corações dos homens»
(DV26).
O projeto de Deus Criador e Redentor
A
beleza da mensagem bíblica sobre a família tem a sua raiz na
criação do homem e da mulher, ambos criados à imagem e semelhança
de Deus (cf. Gn 1, 24-31; 2, 4b-25). Ligados por um vínculo
sacramental indissolúvel, os esposos vivem a beleza do amor, da
paternidade, da maternidade e da dignidade suprema de participar
deste modo na obra criadora de Deus.
No dom do fruto da sua união, eles assumem a responsabilidade do
crescimento e da educação de outras pessoas, para o futuro do
género humano.
Através da procriação, o homem e a mulher realizam na fé a vocação
de ser colaboradores de Deus na preservação da criação e no
desenvolvimento da família humana.
O
Beato João Paulo II comentou este aspecto na Familiaris consortio:
«Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26 s.):
chamando-o à existência por amor, chamou-o ao mesmo tempo ao amor.
Deus é amor (1 Jo 4, 8) e vive em si mesmo um mistério de comunhão
pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e conservando-a
continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do homem e da
mulher a vocação e, assim, a capacidade e a responsabilidade do
amor e da comunhão (cf. “Gaudium et spes”, 12). O amor é,
portanto, a fundamental e originária vocação de cada ser humano»
(FC11).
Este projeto de Deus Criador, que o pecado original deturpou (cf.
Gn 3, 1-24), manifestou-se na história através das vicissitudes do
povo eleito, até à plenitude dos tempos, pois mediante a
encarnação o Filho de Deus não apenas confirmou a vontade divina
de salvação, mas com a redenção ofereceu a graça de obedecer a
esta mesma vontade. O Filho de Deus, Palavra que se fez carne (cf.
Jo 1, 14) no seio da Virgem Mãe, viveu e cresceu na família de
Nazaré, e participou nas bodas de Caná, cuja festa foi por Ele
enriquecida com o primeiro dos seus “sinais” (cf. Jo 2, 1-11). Ele
aceitou com alegria o acolhimento familiar dos seus primeiros
discípulos (cf. Mc 1, 29-31; 2,13-17) e consolou o luto da família
dos seus amigos em Betânia (cf. Lc 10, 38-42; Jo 11, 1-44).
Jesus Cristo restabeleceu a beleza do matrimónio, voltando a
propor o projeto unitário de Deus, que tinha sido abandonado
devido à dureza do coração humano, até mesmo no interior da
tradição do povo de Israel (cf. Mt 5, 31-32; 19.3-12; Mc 10, 1-12;
Lc 16, 18). Voltando à origem, Jesus ensinou a unidade e a
fidelidade dos esposos, recusando o repúdio e o adultério.
Precisamente através da beleza extraordinária do amor humano – já
celebrada com contornos inspirados no Cântico dos Cânticos, e do
vínculo esponsal exigido e defendido por Profetas como Oseias (cf.
Os 1, 2-3,3) e Malaquias (cf. Ml 2, 13-16) – Jesus confirmou a
dignidade originária do amor entre o homem e a mulher.
O ensinamento da Igreja sobre a família
Também na comunidade cristã primitiva a família se manifestava
como “Igreja doméstica” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n.
1655): nos chamados “códigos familiares” das Cartas apostólicas
neotestamentárias, a grande família do mundo antigo é identificada
como o lugar da solidariedade mais profunda entre esposas e
maridos, entre pais e filhos, entre ricos e pobres (cf. Ef 5,
21-6, 9; Cl 3, 18-4, 1; 1 Tm 2, 8-15; Tt 2, 1-10; 1 Pd 2, 13-3, 7;
cf., além disso, também a Carta a Filémon). Em particular, a Carta
aos Efésios identificou no amor nupcial entre o homem e a mulher
«o grande mistério», que torna presente no mundo o amor de Cristo
e da Igreja (cf. Ef 5, 31-32).
Ao longo dos séculos, sobretudo na época moderna até aos nossos
dias, a Igreja não fez faltar um seu ensinamento constante e
crescente sobre a família e sobre o matrimónio que a fundamenta.
Uma das expressões mais excelsas foi a proposta do Concílio
Ecuménico Vaticano II, na Constituição pastoral Gaudium et spes
que, abordando algumas problemáticas mais urgentes, dedica um
capítulo inteiro à promoção da dignidade do matrimónio e da
família, como sobressai na descrição do seu valor para a
constituição da sociedade: «A família – na qual se congregam as
diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma
sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as
outras exigências da vida social – constitui assim o fundamento da
sociedade» (GS 52). Particularmente intenso é o apelo a uma
espiritualidade cristocêntrica dirigida aos esposos crentes: «Os
próprios esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa
ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afeto
e de pensamento e com mútua santidade, de modo que, seguindo a
Cristo, princípio da vida, se tornem pela fidelidade do seu amor,
através das alegrias e dos sacrifícios da sua vocação, testemunhas
daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte
e a sua ressurreição» (GS 52).
Também os Sucessores de Pedro, depois do Concílio Vaticano II,
enriqueceram mediante o seu Magistério a doutrina sobre o
matrimónio e a família, de modo especial Paulo VI com a Encíclica
Humanae vitae, que oferece ensinamentos específicos a níveis de
princípio e de prática. Sucessivamente, o Papa João Paulo II, na
Exortação Apostólica Familiaris consortio, quis insistir na
proposta do desígnio divino acerca da verdade originária do amor
esponsal e familiar: «O “lugar” único, que torna possível esta
doação segundo a sua verdade total, é o matrimónio, ou seja o
pacto de amor conjugal ou escolha consciente e livre, com a qual o
homem e a mulher recebem a comunidade íntima de vida e de amor,
querida pelo próprio Deus (cf. Gaudium et spes , 48), que só a
esta luz manifesta o seu verdadeiro significado. A instituição
matrimonial não é uma ingerência indevida da sociedade ou da
autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma
exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente se
afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a plena
fidelidade ao desígnio de Deus Criador. Longe de mortificar a
liberdade da pessoa, esta fidelidade põe-na em segurança em
relação ao subjetivismo e relativismo, tornando-a participante da
Sabedoria criadora» (FC 11).
O
Catecismo da Igreja Católica reúne estes dados fundamentais: «A
aliança matrimonial, pela qual um homem e uma mulher constituem
entre si uma comunidade íntima de vida e de amor; foi fundada e
dotada das suas leis próprias pelo Criador: pela sua natureza,
ordena-se ao bem dos cônjuges, bem como à procriação e educação
dos filhos. Entre os batizados, foi elevada por Cristo Senhor à
dignidade de sacramento [cf. Concílio Ecuménico Vaticano II,
Gaudium et spes, 48; Código de Direito Canónico, cân. 1055 § 1]»
(CCC, n. 1660).
A
doutrina exposta no Catecismo refere-se tanto aos princípios
teológicos como aos comportamentos morais, abordados sob dois
títulos distintos: O sacramento do matrimónio (nn. 1601-1658) e O
sexto mandamento (nn. 2331-2391). Uma leitura atenta destas partes
do Catecismo oferece uma compreensão atualizada da doutrina da fé,
em benefício da atividade da Igreja diante dos desafios
contemporâneos. A sua pastoral encontra inspiração na verdade do
matrimónio visto no desígnio de Deus, que criou varão e mulher, e
na plenitude dos tempos revelou em Jesus também a plenitude do
amor esponsal, elevado a sacramento. O matrimónio cristão,
fundamentado sobre o consenso, é dotado também de efeitos
próprios, e no entanto a tarefa dos cônjuges não é subtraída ao
regime do pecado (cf. Gn 3, 1-24), que pode provocar feridas
profundas e até ofensas contra a própria dignidade do sacramento.
«O primeiro âmbito da cidade dos homens iluminado pela fé é a
família; penso, antes de mais nada, na união estável do homem e da
mulher no matrimónio. Tal união nasce do seu amor, sinal e
presença do amor de Deus, nasce do reconhecimento e aceitação do
bem que é a diferença sexual, em virtude da qual os cônjuges se
podem unir numa só carne (cf. Gn 2, 24) e são capazes de gerar uma
nova vida, manifestação da bondade do Criador, da sua sabedoria e
do seu desígnio de amor. Fundados sobre este amor, homem e mulher
podem prometer-se amor mútuo com um gesto que compromete a vida
inteira e que lembra muitos traços da fé: prometer um amor que
dure para sempre é possível quando se descobre um desígnio maior
que os próprios projetos, que nos sustenta e permite doar o futuro
inteiro à pessoa amada» (LF 52). «A fé não é um refúgio para gente
sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir um grande
chamamento – a vocação ao amor – e assegura que este amor é
fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu fundamento
se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a
nossa fragilidade» (LF 53).
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