A vida, o pão, a paz e a
liberdade são os quatro desafios mais importantes que a
humanidade enfrenta nestes momentos, de acordo com João Paulo
II.
O pontífice expôs esses desafios na ampla análise que
apresentou esta segunda-feira no tradicional encontro de
início de ano que manteve com os embaixadores de 174 países
que mantêm plenas relações com a Santa Sé, e com os
representantes da União Europeia, Rússia, a Organização para a
Libertação da Palestina e da Ordem de Malta.
Vida e família
Antes de tudo, o pontífice mencionou no longo discurso que
preparou em francês «o desafio da vida», «primeiro dom de
Deus», cuja tutela e promoção é «tarefa primordial» do Estado.
«Nestes últimos anos, o desafio da vida está-se tornando cada
vez mais amplo e crucial -afirmou. Foi-se centrando
particularmente no início da vida humana, quando o homem é
mais frágil e deve ser protegido melhor».
«Concepções opostas se enfrentam sobre temas como o aborto, a
procriação assistida, o uso de células-tronco embrionárias
humanas com finalidades científicas, a clonagem», constatou.
«Apoiada na razão e na ciência, é clara a posição da Igreja
-recordou: o embrião humano é um sujeito idêntico à criança
que vai nascer e ao que nasceu a partir desse embrião.
Portanto, nada que viole sua integridade e dignidade é
eticamente admissível».
«Uma pesquisa científica que reduza o embrião a objecto de
laboratório não é digna do homem», afirmou.
«Há que incentivar e promover a pesquisa científica no campo
genético, mas, como qualquer outra actividade humana, esta
nunca se pode considerar isenta dos imperativos morais; por
outro lado, podem desenvolver-se soluções no campo das
células-tronco adultas com promissoras perspectivas de êxito»,
propôs.
O desafio de defender a vida, seguiu indicando, implica também
defender seu «santuário»: «a família».
«Em alguns países - assinalou - a família está ameaçada também
por uma legislação que atenta - às vezes inclusive
directamente - contra a sua estrutura natural, a qual é e só
pode ser a da união entre um homem e uma mulher, fundada no
matrimónio».
«A família é a fonte fecunda da vida, o pressuposto primordial
e irrepreensível da felicidade individual dos esposos, da
formação dos filhos e do bem-estar social, assim como da
própria prosperidade material da nação; não pode, pois,
admitir-se que a família se veja ameaçada por leis ditadas por
uma visão restritiva e antinatural», advertiu.
O pão
O segundo desafio exposto por João Paulo II é o «do pão», em
referência aos «milhões de seres humanos» que «sofrem
gravemente de desnutrição» e dos «milhões de menores» que a
cada ano «morrem de fome ou por suas consequências».
O pontífice reconhece que se tomam iniciativas alentadoras
neste sentido, tanto de organizações internacionais, de
Estados ou da sociedade civil. «Mas tudo isso não é
suficiente», afirma.
«Para responder a esta necessidade, que aumenta em magnitude e
urgência --explicou, requer-se uma vasta mobilização moral da
opinião pública e, mais ainda, dos homens responsáveis da
política, sobretudo naqueles países que alcançaram um nível de
vida satisfatório e próspero».
Fundamentou a sua proposta recordando «o princípio do destino
universal dos bens da terra», «princípio que não justifica
certas formas colectivas de política económica, mas que deve
motivar um compromisso radical para a justiça e um esforço de
solidariedade mais atento e determinado. Este é o bem que
poderá vencer o mal da fome e da pobreza injusta».
A paz
«A paz» foi o terceiro desafio enunciado pelo discurso papal.
«Quantas guerras e conflitos armados - entre Estados, entre
etnias, entre povos e grupos que vivem em um mesmo território
estatal - que de um extremo a outro do globo causam
inumeráveis vítimas inocentes e são origem de outros muitos
males!», afirmou com pesar.
Mencionou os conflitos no Oriente Médio, África, Ásia e
América Latina, «nos quais o recurso às armas e à violência
produz não só danos materiais incalculáveis, mas fomenta o
ódio e faz crescer as causas de discórdia».
«A estes trágicos males se acrescenta o fenómeno cruel e
desumano do terrorismo, flagelo que alcançou uma dimensão
planetária desconhecida pelas gerações anteriores», afirmou.
«Contra estes males, como enfrentar o grande desafio da paz?»,
perguntou aos embaixadores. «Eu seguirei intervindo para
indicar as vias da paz e para convidar a percorrê-las com
valentia e paciência - prometeu. À prepotência se deve opor a
razão; ao confronto da força, o confronto do diálogo; às armas
apontadas, a mão estendida: ao mal, o bem».
«Para construir a paz verdadeira e duradoura em nosso planeta
ensanguentado, é necessária uma força de paz que não retroceda
ante nenhuma dificuldade. É uma força que o homem por si só
não consegue alcançar nem conservar: é um dom de Deus»,
indicou.
Liberdade, em particular religiosa
Por último, mencionou o «desafio da liberdade», em particular
o da liberdade religiosa, depois de um ano que foi testemunha
em numerosos países de um animado debate em torno ao conceito
de laicidade.
«Não há que temer que a justa liberdade religiosa seja um
limite para as outras liberdades ou prejudique a convivência
civil», assinalou.
«Ao contrário, com a liberdade religiosa se desenvolve e
floresce também qualquer outra liberdade, porque a liberdade é
um bem indivisível e prerrogativa da própria pessoa humana e
de sua dignidade».
«Não há que temer que a liberdade religiosa - explicou o bispo
de Roma, uma vez reconhecida para a Igreja Católica, interfira
no campo da liberdade política e das competências próprias do
Estado».
«A Igreja sabe distinguir bem, como é seu dever, o que é de
César e o que é de Deus», concluiu, «quer somente liberdade
para poder oferecer um serviço válido de colaboração com cada
instância pública e privada, preocupada pelo bem do homem».
O Papa pronunciou os primeiros e últimos parágrafos de seu
longo discurso e permitiu que um de seus colaboradores lesse
as passagens centrais. Felicitou com cordialidade pessoalmente
pelo novo ano os embaixadores e seus cônjuges.
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