O Pe. Raniero Cantalamessa,
pregador da Casa Pontifícia, assegurou nesta quarta-feira
que os próprios cristãos «precisam redescobrir o ideal
bíblico do matrimónio e da família», para poder propô-lo ao
mundo de hoje.
Na conferência inaugural
do Congresso Teológico Pastoral, o Pe. Cantalamessa indicou
que não se deve apenas «defender» a ideia cristã de
matrimónio e de família, mais importante é «a tarefa de
redescobri-la e vivê-la em plenitude de maneira a que se
volte a propô-la ao mundo com os actos mais do que com as
palavras».
O sacerdote dedicou a sua
intervenção, no primeiro dia do Congresso Teológico Pastoral
do VI Encontro Mundial da Família, a explicar que durante
séculos, o próprio pensamento cristão deixou em segundo
plano, frente à visão institucional, o significado esponsal
do matrimónio muito mais presente na Bíblia.
Por detrás das actuais
propostas «inaceitáveis» de «desconstrução relativista» da
família tradicional, há uma «instância positiva» que é
preciso acolher: a visão do matrimónio como união e doação
entre os cônjuges.
«Esta visão vai no sentido
original da Bíblia e não contra ela», advertiu o sacerdote
capuchinho. «O Concílio Vaticano II sublinhou este aspecto
quando reconheceu o amor mútuo e a ajuda entre os cônjuges
como bem igualmente primário do matrimónio ».
É necessário redescobrir a
união sexual como imagem do amor de Deus, explicou o Pe.
Cantalamessa.
«Duas pessoas que se amam
– e o caso do homem e da mulher no matrimónio é o exemplo
por excelência – reproduzem algo do que ocorre na Trindade –
explicou. Nesta luz se descobre o sentido profundo da
mensagem dos profetas acerca do matrimónio humano, que
portanto é símbolo e reflexo de outro amor, o de Deus por
seu povo.»
Isso supõe «revelar o
verdadeiro rosto e o objectivo último da criação do homem e
da mulher: o de sair do próprio isolamento e ‘egoísmo’,
abrir-se ao outro e, através do êxtase temporal da união
carnal, elevar-se ao desejo do amor e da alegria sem fim».
O pregador pontifício
assinalou, neste sentido, o acolhimento «insolitamente
positivo» que teve em todo o mundo a encíclica «Deus caritas
est», que insiste nesta visão do amor humano como reflexo do
amor de Deus.
Outra questão,
acrescentou, «é a igual dignidade da mulher no matrimónio
que está no próprio coração do projecto original de Deus e
do pensamento de Cristo, mas que quase sempre foi
desatendida».
Não rebater, mas propor
O Pe. Cantalamessa
explicou que diante da actual situação de «rejeição
aparentemente global do projecto bíblico sobre a
sexualidade, o matrimónio e família», é necessário «evitar o
erro de passar todo o tempo rebatendo as teorias
contrárias».
A estratégia não é
«combater o mundo», mas «dialogar com ele, tirando proveito
até das críticas de quem nos combate», afirmou.
Outro erro que se deve
evitar é «apostar tudo nas leis do Estado para defender os
valores cristãos».
«Os primeiros cristãos
mudaram as leis do Estado com seus costumes, não podemos
esperar hoje mudar os costumes com as leis do Estado»,
explicou.
Com relação à actual «deconstrução
da família», ou «gender revolution», o sacerdote explicou
que tem uma certa analogia com o marxismo e recordou que
frente a este a Igreja «aplicou o antigo método paulino de
examinar tudo e ficar com o que é bom», desenvolvendo «uma
doutrina social própria».
«Precisamente a escolha do
diálogo e da auto-crítica nos dá direito a denunciar os
projectos desencaixados do gender revolution como
desumanos, ou seja, contrários não só à vontade de Deus, mas
também ao bem da humanidade», acrescentou.
«Nossa única esperança é
que o senso comum das pessoas, unido ao ‘desejo’ do outro
sexo, à necessidade de maternidade e de paternidade que Deus
inscreveu na natureza humana, resistam a estes intentos de
substituir Deus, ditados mais por atrasados sentimentos de
culpa do que por um genuíno respeito e amor pela mulher»,
concluiu o Pe. Cantalamessa.