Volta a estar na ordem do dia a polémica da redefinição do
conceito jurídico do casamento e da admissibilidade do
casamento entre pessoas do mesmo sexo. Parece que a polémica
perdurará até à próxima legislatura...
Ao contrário do que, muitas vezes, se pretende fazer crer,
não está em causa o reconhecimento público de desejos ou
preferências individuais, mas o relevo social da instituição
familiar, a sua importância na perspectiva do bem comum e da
harmonia social.
Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos se refere
à família como "núcleo natural e fundamental da sociedade",
é esse relevo social que tem em consideração. Quando Tony
Blair afirmou, numa conferência do Labour Party, que "uma
nação que pretende ser forte não pode ser neutral em relação
à família", também era esse relevo social que tinha em
conta. E isso significará que a família deve ser promovida,
porque das diferentes formas de convivência só ela estrutura
a sociedade como seu alicerce e núcleo fundamental.
É claro que a família não pode ser promovida
quando começa por ser descaracterizada, concebida como um
conceito vazio onde cabe tudo. A primeira forma de promoção
da família é o reconhecimento público da sua identidade
própria e, consequentemente, do seu imprescindível papel
social.
Este reconhecimento fica comprometido com a
equiparação das uniões homossexuais à família. Só a união
estável entre homem e mulher pode estruturar a vida social
como seu alicerce fundamental, pois só ela garante a
renovação das gerações e um ambiente onde a formação destas
se dá de um modo completo e harmonioso, com o contributo
insubstituível das dimensões masculina e feminina, as quais
só em conjunto compõem a riqueza integral do humano.
Já se adivinha a contra-argumentação
recorrente: nunca ninguém discutiu a admissibilidade do
casamento de casais estéreis.
Há que dizer, por um lado, que estas uniões
são acidentalmente estéreis, quando a união entre pessoas do
mesmo sexo é estruturalmente estéril (é estéril por
definição, precisamente por ser uma união entre pessoas do
mesmo sexo, não por outros motivos).
De qualquer modo, mesmo nos casos de casais sem filhos o
reconhecimento social do casamento desempenha uma função
social que não pode ser desempenhada por uniões entre
pessoas do mesmo sexo. Esse reconhecimento não diz respeito,
primordialmente, à atribuição de um conjunto de direitos e
deveres, mas ao quadro simbólico de referência da sociedade;
a ele está associada uma mensagem cultural. Através desse
reconhecimento, de algum modo se "presta homenagem" à
riqueza da dualidade sexual na perspectiva social do bem
comum.
A sociedade estrutura-se a partir dessa dualidade, como
salientou o político socialista francês Lionel Jospin quando
afirmou a evidência de que a sociedade "se divide entre
homens e mulheres, não entre homossexuais e heterossexuais".
Muito antes, já o tinha afirmado o Génesis ("Deus os criou
Homem e Mulher"), evidenciando não só uma intuição
característica da cultura judaico--cristã onde nos
integramos, mas uma realidade natural que também está
presente nos relatos fundadores das culturas mais
diversificadas. A diferença estrutural entre homem e mulher
corresponde a um desígnio natural que faz dessa diferença
uma ocasião de enriquecimento recíproco, que apela à unidade
e comunhão a partir da diversidade. É isto mesmo que exprime
a instituição do casamento, que as diferenças entre homem e
mulher não são uma ocasião de conflito, mas de colaboração e
enriquecimento recíprocos. E é assim em todos os domínios da
vida social, onde a dualidade sexual deve ser sempre
encarada como uma riqueza, uma ocasião não de conflito, mas
de colaboração. É esta "unidade na diversidade" que a
instituição do casamento, pelo simples facto de existir,
"proclama".
E não é assim por opção do Estado. O casamento não é uma
criação do Estado. Este limita-se a reconhecer uma
instituição que lhe é anterior, que alguém correctamente
qualificou como a mais perene das instituições. E não pode
deixar de revelar um pendor totalitário a pretensão do
Estado de (numa operação ideológica de "engenharia social")
redefinir em dois tempos essa instituição.