Transmitir e viver a fé - Acompanhar em todas as idades :: Carta Pastoral de Dom Virgílio para o ano pastoral 2022-2023

DIOCESE DE COIMBRA | 2022-2023
NOTA PASTORAL

“TRANSMITIR E VIVER A FÉ - ACOMPANHAR EM TODAS AS IDADES”

 

INTRODUÇÃO

No ano pastoral de 2022-2023 damos continuidade ao desenvolvimento do plano pastoral diocesano, que tem por lema: “Jovem, levanta-te! Cristo vive”.

A atenção da Igreja aos jovens pedida pela Exortação Apostólica do Papa Francisco “Cristo vive” e o grande evento da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, motivam a Diocese de Coimbra para dar novos passos na edificação do seu rosto mais jovem.

Por sua vez, o processo de preparação do Sínodo da Igreja Universal sobre a sinodalidade terá continuidade entre nós e marcará as comunidades na procura de maior “comunhão, participação e missão”.

Reconhecemos que, felizmente, o ano que passou, trouxe à nossa Diocese bons sinais de esperança fundada na fé e nos dons que o Espírito Santo oferece à Igreja que somos. Sem esquecer que a vida da Igreja é muito mais do que um dos seus anos e que há uma corrente de ação e de graça que atravessa as gerações, recordo três áreas específicas que nos foram propostas e nas quais muitos irmãos e irmãs trabalharam com grande entusiasmo e dedicação:

- as atividades organizadas nas comunidades e protagonizadas pelos jovens ou a eles dirigidas, destinadas a proporcionar-lhes meios concretos de encontro com Jesus Cristo, na fé, e a abrir-lhes caminhos de envolvência direta e pessoal na vida da Igreja;

- os dinamismos gerados à volta da Jornada Mundial da Juventude, conduzidos pelo Comité Organizador Diocesano (COD) e pelos Comités Organizadores Locais (COT), que suscitaram alegria no serviço de pessoas e instituições e motivaram disponibilidade para a missão que se aproxima;

- a participação de pessoas e grupos diversificados no processo de escuta e discernimento de todo o Povo de Deus proposto pela organização do Sínodo da Igreja, cuja síntese, cheia de desafios, foi oportunamente apresentada em assembleia diocesana e deverá ser retomada para que demos continuidade ao que humildemente discernimos.

Queremos dar graças a Deus por todos os que acolheram de coração estas propostas diocesanas e locais como desafios da Igreja; rezamos para que sejam fortalecidos na fé e gozem desde já da alegria de ser pedras vivas da edificação da Igreja de Coimbra, em que procuramos caminhar juntos em atitude de comunhão, participação e missão.

 

TRANSMITIR E VIVER A FÉ

Ao desenvolvermos todos os projetos concretos e pontuais que temos entre mãos na nossa Igreja Diocesana, reconhecemos que eles têm de assentar num plano mais vasto e abrangente voltado para a transmissão e vivência da fé cristã.

O nosso tempo exige-nos tomar consciência de que já não somos a antiga cristandade do ponto de vista da cultura influente no dia a dia e não somos em grande parte um povo evangelizado. Estamos, por isso, diante do desafio atual de olhar para a humanidade como o povo a quem Deus se quer revelar e que, por Jesus Cristo, quer salvar.

A mudança de atitude que nos é pedida e que fará a diferença nas propostas evangelizadoras da Igreja, vai no sentido do que nos disse o Papa Francisco na Exortação Apostólica “A alegria do Evangelho”: “a acção missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja” (nº 15). Fazendo referência ao Sínodo dos Bispos de 2012 sobre o tema “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”, fala dos diferentes tipos de destinatários do anúncio que a Igreja é chamada a fazer (nº 14):

- “os fiéis que frequentam regularmente a comunidade” e “os fiéis que conservam uma fé católica intensa e sincera (...) embora não participem frequentemente no culto”;

- “as «pessoas batizadas que, porém, não vivem as exigências do Batismo», não sentem uma pertença cordial à Igreja e já não experimentam a consolação da fé”;

- “aqueles que não conhecem Jesus Cristo ou que sempre O recusaram”.

O Papa Francisco conclui que “todos têm o direito de receber o Evangelho” e que “os cristãos têm o dever de o anunciar”.

Na nossa tradição teológica, as palavras “missão” e “evangelização” utilizavam-se mais diretamente para falar do anúncio do Evangelho aos não crentes e nas terras distantes onde o nome de Jesus Cristo ainda não tinha chegado. Temos vindo a recuperar o seu sentido bíblico e a usá-las cada vez mais para falar do anúncio a todos os povos da terra, embora, como antes referimos, tendo em conta a diversidade de situações em que se encontram os seus destinatários.

Reconhecemos na nossa Diocese de Coimbra que a situação presente nos impele a uma pastoral plenamente orientada para a transmissão da fé. Esta é a mudança de atitude mais relevante a que é chamada a Igreja de Deus, em todos os seus membros, comunidades e estruturas.

 

ACOMPANHAR EM TODAS AS IDADES

A transmissão da fé é uma realidade bem complexa, que não pode resumir-se a um meio, a uma fórmula, a uma estratégia ou a uma dimensão. O Evangelho oferece-nos a pedagogia de Jesus que, também ela, tem matizes diversos e tem em conta cada pessoa e as suas circunstâncias.

A transmissão da fé supõe sempre o primado da graça, a iniciativa de Deus que vem ao nosso encontro e conta com a mediação da Igreja, que já vive a fé, já está motivada para a transmitir aos outros. Este Povo de Deus, comunidade que vive a fé, realiza a missão de a transmitir seguindo os passos de Jesus, que acompanha as multidões que O procuram, os pequenos grupos de quem se aproxima e cada um dos que acolhem a sua palavra, a sua pessoa e a sua companhia ao longo da estrada da vida.

O Papa Francisco, consciente de que não basta dirigir a palavra ao mundo, mesmo que cheia de autoridade e de verdade, salienta a importância do acompanhamento na ação de transmissão da fé e sublinha fortemente o seu lugar nos dias de hoje: “... a comunidade evangelizadora dispõe-se a «acompanhar». Acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam. Conhece as longas esperas e a suportação apostólica. A evangelização patenteia muita paciência, e evita deter-se a considerar as limitações” (A Alegria do Evangelho, nº 24).

Dadas as caraterísticas da sociedade em que vivemos, estamos, hoje, convencidos de que a Igreja precisa de preparar-se melhor para esses processos de acompanhamento das pessoas em todas as idades e situações, em ordem à transmissão e crescimento na fé. Quando pensamos como se realizará esta missão e quem a assumirá em primeira pessoa, sentimos as muitas debilidades do corpo eclesial e como é escasso o número de homens e mulheres preparados interiormente e pedagogicamente para o acompanhamento de outros no seu percurso de fé.

Como Igreja e como discípulos-missionários, temos diante de nós o desafio de acompanhar com paciência, com amor e com fé viva, aqueles que Deus põe no nosso caminho e precisam de encontrar-se com Ele na fé. Esta é também uma mudança de perspetiva que precisamos de adotar no processo de transmissão da fé.

 

OLHAR A MULTIDÃO COM MISERICÓRDIA

Recordamos as palavras do Evangelho segundo as quais Jesus contempla a multidão, se enche de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor, e confidencia aos seus discípulos: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe»” (Mt 9, 35-38).

Este trecho leva-nos a pensar noutra mudança que deve operar-se em nós para que se realize este processo de transmissão da fé: havemos de olhar a multidão, o pequeno grupo e cada pessoa como um destinatário do anúncio do Evangelho e nunca como um problema.

A misericórdia de Jesus significa a comoção do seu coração diante daqueles que vê perdidos e como ovelhas sem pastor. Ele pensa somente em cada pessoa como alguém a quem há de levar a palavra e o gesto de salvação, sem discutir se está ou não preparada, se virá ou não a acolher a proposta de amor que lhe faz, se aceita a sua companhia ao longo do caminho ou se virá a rejeitá-la. Cada pessoa, com as suas caraterísticas próprias, é um potencial destinatário no processo de transmissão da fé, que a Igreja lhe deve apresentar como proposta e que ela pode acolher livremente.

De um ponto de vista muito concreto e prático, esta mudança de atitude leva-nos a ponderar de modo diferente muitas das relações pastorais que nos perturbam dentro das comunidades e que podem matar potenciais percursos de transmissão da fé e de evangelização.

Todo aquele que procura a Igreja, mesmo com as motivações mais erradas, é um candidato a uma proposta de caminho na fé e tem direito ao acompanhamento da comunidade cristã. A título de exemplo, podemos referir os noivos que pedem o matrimónio sem clareza do que ele significa; os pais que pedem o batismo por motivos sociais ou culturais; os que se apresentam para ser padrinhos e madrinhas sem as condições requeridas; os que mandam os filhos à catequese sem assumirem a sua responsabilidade na educação da fé; os que pedem os serviços da Igreja sem sentido de fé, segundo os seus critérios pessoais e sem respeitar as regras estabelecidas.

Por sua vez, esta mudança de atitude leva a Igreja a sair de si e a ir à procura dos que não conhecem Jesus Cristo, nunca acolheram o Evangelho nem fizeram parte da Igreja. É preciso olhar para o mundo como realidade que Deus quer salvar por meio do Evangelho de Jesus Cristo.

“Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém” (A Alegria do Evangelho, nº 23).

Reconhecemos que, se a ação voltada para o interior da comunidade cristã é complexa, mais ainda quando pensamos em sair para ajudar a encontrar a fé aos que estão à margem, desinteressados ou até lhe são contrários. Como Igreja enviada aos quatro cantos do mundo, cabe-nos preparar homens e mulheres de fé provada para sair, disponíveis para acompanhar esses viajantes da vida, na esperança de que sejam alcançados por Cristo, qual Saulo na estrada de Damasco.

 

DESAFIOS À DIOCESE DE COIMBRA

Transmitir e viver a fé – acompanhar em todas as idades, é um objetivo que vai ao coração da missão dos cristãos, que, além de procurarem viver a sua própria fé com amor e fidelidade, se sentem responsáveis pela fé dos outros: crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos.

Este objetivo nascido do mandato Evangélico não é, em primeiro lugar, uma questão de caráter organizativo e burocrático da Igreja, mas uma questão de pessoas, de cristãos formados na fé e na doutrina, que se assumem como discípulos na Igreja e aceitam a sua vocação missionária.

Estamos diante da urgência de cristãos, homens e mulheres, jovens e adultos, que, movidos pela graça, acolham o convite para se dedicarem, ativamente e em nome da Igreja, à missão de transmitir a fé e de acompanhar os irmãos no caminho de fé, tanto no interior das comunidades cristãs como no meio do mundo.

Cada uma das idades supõe uma realidade pessoal, social, cultural e religiosa com contornos diferentes, a reclamar um perfil próprio de evangelizadores, catequistas, acompanhadores, animadores. Precisamos, por isso, de comunidades cristãs com coragem para chamar, com capacidade para formar e com confiança para enviar alguns dos seus membros designados para este serviço central na vida da Igreja.

Estamos no tempo da urgência da renovação e do alargamento quanto às pessoas, pois frequentemente temos um quadro relativamente envelhecido e cansado pelo muito trabalho e muitos anos de feliz e frutuoso serviço à Igreja. Não queremos dispensar os que já servem as comunidades e mantêm as condições adequadas, mas queremos chamar mais, formar mais e enviar mais, sobretudo das gerações mais jovens.

Estamos no tempo da urgência de dispor de mais e melhores meios de formação, adaptada às diferentes funções, idades e circunstâncias.

A Escola de Teologia e Ministérios, com o seu plano formativo dirigido a alguns setores eclesiais, tem uma missão particularmente importante no âmbito da Diocese e tem ajudado a consolidar adequadamente os principais animadores das comunidades, como são os Diáconos Permanentes, os Animadores das Celebrações Dominicais na Ausência de Presbítero, os Ministros Extraordinários da Comunhão, os Animadores das Exéquias e de outros serviços. Desejamos que continue a alargar as suas propostas formativas e que elas sejam bem acolhidas pelas unidades pastorais, tão necessitadas estão de leigos conhecedores da sua fé e capazes de dar as razões da sua esperança.

A Escola Diocesana de Música Sacra, dentro da sua especificidade, presta um valioso contributo à qualidade das celebrações litúrgicas, uma vez que a formação nesta área é indispensável para que o louvor a Deus seja mais belo e toque os corações dos participantes. Pela via da formação técnica, teológica e espiritual poderemos cumprir melhor o que a Igreja nos pede acerca do lugar, do estilo e da qualidade da música na liturgia.

A catequese constitui uma das maiores possibilidades que as comunidades cristãs têm ao seu alcance e, ao mesmo tempo, uma das realidades que precisam de maior renovação.

Acompanhar as famílias, as crianças e os adolescentes, os jovens e os adultos nos processos de encontro pessoal com Cristo, no crescimento da fé, na inserção ativa na Igreja e no testemunho no meio do mundo, é uma graça e uma responsabilidade partilhada por tantos cristãos, em nome da Igreja.

A renovação esperada pede-nos planos de formação de catequistas, animadores e acompanhadores, bem refletidos e adequados do ponto de vista doutrinal e pedagógico, pois neste campo não se pode viver simplesmente do improviso aliado à boa vontade.

Esperamos que os secretariados diocesanos que se ocupam da catequese destas faixas etárias abracem a tarefa de oferecer esses planos de formação diocesana, arciprestal e local, bem alicerçados nas linhas orientadoras da Igreja Universal (Diretório para a Catequese, 2020) e da Igreja em Portugal.

A Igreja acaba de abrir-se a uma maior riqueza dos dons do Espírito, facultando aos fiéis, homens e mulheres, a possibilidade de receberem o ministério dos leitores, dos acólitos e dos catequistas.

A par dos serviços para os quais já vinham a ser nomeados homens e mulheres desde longa data na nossa Diocese de Coimbra, queremos, desde já, abrir as portas de acesso a esses ministérios, seguindo as linhas orientadoras elaboradas e aprovadas pela Conferência Episcopal Portuguesa. A Escola de Teologia e Ministérios tem já à disposição, a partir deste ano, um currículo em que podem inscrever-se os futuros candidatos.

Na sociedade em que vivemos, tem particular relevância o chamado primeiro anúncio ou a pré-evangelização, dirigido aos que ainda não conhecem Cristo nem o seu Evangelho. Na maior parte dos casos, no nosso contexto, não se trata de um primeiro anúncio do ponto de vista cronológico, mas do anúncio principal, em sentido qualitativo, orientado para a adesão pessoal a Jesus Cristo (cf. Diretório para a Catequese, 66-68).

Embora este primeiro anúncio possa ter muitas modalidades, é importante que as comunidades cristãs incluam no seu programa pastoral alguma metodologia e percurso explicitamente voltado para a evangelização dos não crentes ou dos que não vivem o encontro com Cristo e a Igreja de forma marcante.

A formação de cristãos para esta missão é também necessária, porventura partindo da experiência de pessoas, grupos, comunidades e movimentos já com uma longa história de reflexão e ação.

 

PROPOSTA OPERATIVA

Uma vez que não basta fazer diagnósticos da realidade ou das necessidades que enfrentamos na Igreja, proponho que aceitemos com coragem e confiança a tarefa de passar à ação refletida e rezada.

Peço aos presbíteros e diáconos, às organizações diocesanas, aos conselhos pastorais, às equipas de animação pastoral, aos movimentos e grupos que se debrucem sobre esta questão crucial da transmissão da fé e do acompanhamento dos que estão em caminho, em todas as idades, e que elaborem o respetivo plano, que preveja:

- o chamamento das pessoas mais aptas humana e espiritualmente;

- a formação dessas pessoas, recorrendo às propostas disponíveis;

- o envio, em nome da Igreja, para a realização da missão.

 

CONCLUSÃO

O ano pastoral de 2022-2023 tem a marca inconfundível e única da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa. Estamos confiantes e cheios de esperança de que tocará os jovens e levará Cristo Vivo às novas gerações, àquelas que têm nas mãos o presente e o futuro da sociedade, que poderão ser as pedras vivas da edificação da Igreja de Cristo.

Convido os jovens da nossa Diocese a porem-se a caminho nesta grande aventura, para que não passe em vão esta oportunidade única das suas vidas. A Jornada Mundial da Juventude pode ser um ponto de partida e a abertura de uma experiência de encontro com Cristo que os levará muito longe.

Convido ainda os jovens a envolverem-se na vida da Igreja, em cada uma das comunidades pequenas ou grandes a que pertencem, a serem protagonistas de uma Igreja com o rosto jovem, que é o seu, configurado a partir do rosto de Cristo, vivo e sempre jovem.

Os jovens precisam do testemunho vivo dos adultos, das comunidades cristãs a que pertencem; precisam de catequistas, animadores e acompanhadores que, juntamente com as famílias, lhes transmitam a fé como dom que dá sentido e transforma as suas vidas.

Enquanto comunidades cristãs, não podemos ficar-nos pelas críticas ou pelos apelos aos jovens, para que venham, caminhem, participem; precisamos de lhes dar lugar, de os fazer sentir-se bem na Igreja e felizes por conhecerem pessoalmente o Cristo que os chama e os ama.

Confiamos o nosso ano pastoral à proteção de Santo Agostinho, Santa Isabel, São Teotónio e Santo António, os patronos da Jornada Mundial da Juventude na nossa Diocese.

A Virgem Maria, Santa Maria de Coimbra, vele por nós!

Coimbra, 01 de setembro de 2022
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

 


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