Celebração da Paixão do Senhor 2018 - Homilia de Dom Virgílio

Caríssimos irmãos e irmãs!

Este é o dia que não deixa ninguém indiferente, crentes ou não crentes, justos ou pecadores, de todas as condições, pois todos nos identificamos com a dureza do sofrimento e da morte e todos nos queremos identificar com a esperança da vida. Este é o dia que não deixa ninguém de fora e que tem uma palavra a dizer a todos, porque não há ninguém que não passe pelas cadeias do fracasso, do desencanto, do sofrimento e das dúvidas mais dramáticas – fazem parte da nossa condição e nunca nos resignamos a ficar presos nas suas teias enredadas.

Se a Boa Nova de Deus contemplasse apenas os dias de alegria, de glória e de vitória, seria porventura apenas para alguns privilegiados pelas circunstâncias felizes da vida, mas não para os deserdados e impedidos de participar dos seus bens. No sofrimento não há vencedores e vencidos, grandes e pequenos, ricos ou pobres, privilegiados ou deserdados. A dor, o medo e a morte são como que um denominador comum, assumido pela paixão do Senhor, que se fez em tudo igual a nós, exceto no pecado, para nos abrir o caminho da confiança, da esperança e da bem-aventurança.

A narração da paixão do Senhor perpassa todas as gerações e tem uma palavra a dizer a toda a humanidade, mesmo neste tempo em que se julgava estarem perto os novos céus e a nova terra, sem dor, ser luto e sem morte; a paixão do Senhor encerra uma Boa Nova para a humanidade iludida com o sonho de vencer todos os temores e de edificar sobre esta terra um mundo a todos os títulos feliz.

Esconder a cruz de Cristo ou eliminar da vista os sinais do sofrimento e da morte, como se tem pretendido fazer frequentemente, não significa que eles não continuem bem presentes em nós. Não precisamos de exaltar a cruz, o sofrimento ou a morte, porque eles se impõem por si mesmos, e seria doentio e desumano fazê-lo. Precisamos, sim, de os enfrentar com realismo e de nos munir de fortes razões para os acolher e ultrapassar com esperança.

A questão da vida é a primeira questão humana. Não se trata de uma questão religiosa, como frequentemente se apresenta nos diferentes fóruns em que se discute a legislação relativa à sua interrupção no princípio, no fim ou quando as circunstâncias a tornam mais difícil.

Preservar a vida constitui o sinal maior do progresso de uma civilização. As ciências e a medicina, aliadas a todo o tipo de cuidados, cumprem a sua missão quando fazem tudo o que está ao seu alcance para que ninguém se veja em situações de debilidade e sofrimento que o leve a pensar em desistir de viver.

O Estado enquanto servidor da comunidade e de todos os seus membros cumpre a sua missão sempre que promove os meios adequados para que a vida seja estimulada em toda e qualquer circunstância, pois não podem ser as circunstâncias mais favoráveis ou mais adversas que hão de determinar o valor de uma vida humana. A vida humana vale por si mesma. Nesse sentido, são relevantes as condições económicas das famílias, a qualidade da educação, as condições de acesso à saúde, à habitação, à inserção social.

Igualmente relevante é a promoção dos valores humanos fundamentais, que obste à tendência de um relativismo que chegue ao ponto de considerar a vida como uma escolha pessoal, como um beco sem saída ou como uma realidade descartável. O trabalho em favor da harmonia interior, da construção da esperança, do fortalecimento da vontade, do enraizamento de relações humanas marcadas pela amizade, dos laços familiares informados pelo compromisso de amor, constitui auxílio indispensável para a edificação de uma cultura que promove e fortalece o desejo de viver.

Caríssimos irmãos, temos todos muito a fazer, tanto individualmente como nas instituições públicas e privadas para que a vida seja um valor cuidado, preservado e promovido em todas as suas fases mas, sobretudo, quando está em situação de maior debilidade. Crianças e jovens, idosos e doentes, pobres e marginalizados nas famílias, na escola, na Igreja ou na sociedade em geral, encontram-se entre os que mais precisam de apoio, de carinho e de alguém que, estando verdadeiramente próximo, os ajude a encontrar o sentido para as suas fragilidades materiais, emocionais ou relacionais.

Há alguns dias ouvi um adolescente dizer-me com as lágrimas nos olhos: a minha vida é muito difícil. Frequentemente encontro idosos, particularmente nos lares ou outras instituições, onde têm todas as condições materiais para uma vida digna, dizerem: tenho tudo o que preciso, mas não tenho ninguém. Não raro, em casa ou nos hospitais nos deparamos com doentes que podem ter os cuidados médicos adequados, mas sentem com angústia a falta do carinho da família ou da sociedade. Conhecemos também o fenómeno triste de pessoas que morrem e são sepultadas na mais crua solidão, que não têm ninguém ou que não se sentem queridas nem amadas por ninguém.

De fato, investimos muito nas condições materiais, mas demasiado pouco na relação humana, na presença, na proximidade, no acompanhamento personalizado, que acaba por marcar mais a qualidade de vida do que tudo o resto.

Enquanto comunidades cristãs disseminadas por todas as geografias físicas, humanas e sociais, havemos de estar na linha da frente na defesa da vida, da vida e com qualidade. Não nos bastam as palavras, mas urge uma atitude de proximidade, uma aposta na relação de caridade, uma identificação com todos os que estão em situação de morte.

Se outras instituições públicas e privadas têm mais capacidade para se ocupar com as questões do desenvolvimento económico que proporcione a todos condições de vida dignas, a comunidade cristã, a partir da fé e movida por ela, tem uma missão especial a cumprir: o fortalecimento espiritual, o qual, afinal, determina mais seriamente o que se passa no interior de cada pessoa e, por isso, favorece de modo mais completo a confiança e o aconchego para olhar o futuro com  esperança.

Caríssimos irmãos e irmãs, como nos disse o Papa Francisco há poucos dias, a cruz de Cristo é um fortíssimo sinal para os cristãos e para a humanidade. É importante que esteja presente e visível nas nossas casas, mas não pode ser simplesmente um objeto de adorno. Pode ser bela sob o ponto de vista artístico e estético ou pode ser tosca e sem harmonia de forma, mas há de ser sempre apta para inspirar a meditação espiritual e nos abrir ao mistério que nos envolve. A sua contemplação pode mudar o rumo de uma vida, mas pode também tornar-se verdadeiramente estéril se não nos leva a estarmos junto das cruzes dos nossos irmãos com comoção e amor.

Nesta celebração da Paixão gostaria de deixar-vos uma radical provocação: se passamos ao lado das cruzes dos nosso irmãos, débeis, sem saúde, sem alegria, sem esperança e sem amor, desprezamos e negamos a cruz de Cristo. Proponho, por isso, irmãos e irmãs, que, na nossa vida pessoal de leigos, consagrados ou sacerdotes, no nosso programa familiar, na organização da ação pastoral das paróquias e das comunidades, incluamos em lugar cimeiro a presença junto dos mais débeis, particularmente dos idosos, dos doentes, de todos os sofredores.

Adoremos, hoje, solenemente a cruz de Cristo, a cruz do Redentor; contemplemo-l’O desfigurado, sem aparência de um ser humano, sem distinção nem beleza para atrair o olhar, desprezado e repelido pelos homens, homem de dores e acostumado ao sofrimento como quem está às portas da morte, de acordo com a profecia de Isaías; peçamos-lhe que nos ensine a estar de pé, como Maria e João, junto à Sua cruz e junto a todas as cruzes dos nossos irmãos.

Coimbra, 30 de março de 2018

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

 

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