Quarta feira de Cinzas - Homilia de Dom Virgílio

MISSA DE QUARTA FEIRA DE CINZAS - 2020

SÉ NOVA DE COIMBRA

Caríssimos irmãos e irmãs!

Iniciamos o tempo santo da Quaresma conduzidos pela palavra do Apóstolo retomada pelo Papa Francisco e proposta de novo a toda a Igreja: “Nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus” (2 Cor 5, 20).

Os cristãos hão de ser pessoas que estão constantemente no caminho da reconciliação com Deus, pois sentem que essa é a sua primeira vocação. Vimos d’Ele e não repousaremos enquanto não permanecermos n’Ele, como nos disse de forma magistral S. Agostinho: “criastes-nos para vós, Senhor, e o nosso coração não repousará enquanto não estiver em Vós”.

Não está completo o caminho que nos propõe o Apóstolo quando nos diz: “aproximai-vos do Senhor” (1 Pd 2, 4). Ele aproximou-se de nós por meio de Seu Filho Jesus Cristo e viver a fé, consiste em estarmos sempre decididamente em caminho para nos aproximarmos d’Ele, para que os ramos estejam unidos à cepa e para que no nosso sangue vital circule a seiva do Seu amor.

Corremos sérios riscos de ser cristãos de nome ou de formalidades, podendo o nosso coração e as nossas mais profundas motivações andarem longe d’Ele. A união vital ou comunhão de inteligência de coração e de obras encontram a sua autenticidade no Senhor, em quem vivemos, nos movemos e existimos (cf At 17, 28).

O tempo da Quaresma é o especial tempo de graça que o Senhor nos concede para que nos aproximemos d’Ele com confiança, na amizade e no amor. A reconciliação com Deus é exigente e só se concretiza com o auxílio dos meios que a Igreja nos propõe, de modo especial a oração pessoal, o encontro com a Palavra da Escritura, a celebração da Eucaristia e o Sacramento da Penitência.

Os cristãos não podem permanecer na amizade com Deus sem oração pessoal, aquela que nos faz entrar num diálogo simples, cujo conteúdo é a vida que vivemos, as alegrias e dores que sentimos. Para isso é preciso ter o sentido da vida como oração, vivendo-a no coração de Deus, mas é igualmente necessário tirar tempos diários, mesmo que não sejam longos, para um encontro de exclusividade, no silêncio, na meditação e na contemplação, realidades ao mesmo tempo pacificadoras no meio do turbilhão das ocupações e perturbações quotidianas.

A leitura orante da Palavra de Deus (lectio divina) é meio adequado para nos reconciliarmos com Cristo, pois leva-nos a conhecer Cristo, como nos recordou S. Jerónimo ao dizer que a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo. Não podemos viver em Cristo, numa relação de amizade e confiança se não O conhecemos integralmente, tal como se revelou no encontro com as multidões e com cada pessoa durante a Sua vida pública. Ali, os que O conheceram sentiram-se amados por Ele e tornaram-se Seus discípulos, puseram-se a caminho, pois sentiram pulsar o desejo de estar com Ele, foram transformados, converteram-se, reconciliaram-se com Ele.

A participação na Eucaristia é o lugar maior da reconciliação com Deus porque nos leva ao centro do mistério pascal, nos torna participantes da Sua paixão, morte e ressurreição. Diante da facilidade com que os cristãos prescindem deste encontro semanal com o Senhor, precisamos de reafirmar a nossa certeza de que não há cristão sem Eucaristia, não há Igreja sem Eucaristia e não é possível identificarmo-nos com Cristo sem entrar na comunhão com os seus sofrimentos pela morte e com a sua glória na alegria da Sua ressurreição.

O Sacramento da Penitência é, por excelência, o sacramento da reconciliação do fiel pecador com Deus. Ao longo do caminho surgem inevitavelmente lugares de fraqueza, de desistência, de vitória do mal e de pecado. Como referimos tantas vezes na confissão, pecamos por pensamentos e palavras, atos e omissões. A partir da fé e da certeza do amor de Deus por nós, compreendemos que estar longe da casa do pai devido às nossas escolhas erradas, à debilidade da nossa vontade, à raiz de pecado que se instala nas nossas vidas, ficamos privados da graça da salvação que nos é oferecida. Retomar o caminho, reencontrar a graça, regressar à casa do pai é sempre possível, pois Ele nunca desiste de nós.

No Sacramento da Penitência, que inclui um sério exame de consciência, uma contrita confissão dos pecados e acolher o gesto de absolvição e perdão de Deus por meio da Igreja, além de nos libertar do pecado, fortalece-nos para continuarmos a aproximar-nos do Senhor. Quando os cristãos perdem o sentido do pecado e se habituam aos critérios da cultura reinante, morre no coração o desejo de reconciliarem com o Senhor, perdem a graça para ser sal, fermento e luz no meio do mundo.

A conversão a Deus leva sempre à caridade para com o próximo, que tem de manifestar-se em gestos concretos: estar com os irmãos em todas as situações da vida; ir ao encontro dos mais frágeis, dos pobres e até dos pecadores com um coração semelhante ao de Jesus; partilhar com eles tudo o que se é e algo do que se tem; manifestar, pela presença consoladora o rosto do Pai rico de misericórdia.

A reconciliação com Deus leva-nos a propor caminhos de reconciliação à humanidade dividida por motivos sociais, económicos, raciais ou religiosos.

A reconciliação com Deus leva-nos a estar ao lado dos que precisam de se reconciliar com a própria vida, sobretudo ao lado dos que sofrem e podem chegar à beira do desespero e desejar mesmo não querer continuar a viver.

Que esta Quaresma nos conduza a uma profunda reconciliação com Deus, com a Igreja, com os irmãos, com a vida, com o sofrimento; que ela nos conceda a graça de sermos arautos da conversão, por meio o Espírito que renova todas as coisas. Ámen.

Coimbra, 26 de fevereiro de 2020
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

 

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