Quarta feira de Cinzas 2022 - Homilia de Dom Virgílio

QUARTA-FEIRA DE CINZAS
HOMILIA DA MISSA NA SÉ NOVA
2022.03.02

 

Caríssimos irmãos e irmãs!

A Quaresma que hoje iniciamos é igual a toda as outras quanto aos apelos que Deus nos dirige ao dizer-nos: “convertei-vos a Mim de todo o coração”. É, no entanto, diferente de todas as outras porque estamos num tempo novo, que é o nosso tempo de graça e nos oferece a possibilidade de, com humildade, nos levantarmos e regressarmos a casa.

Não estamos diante de um convite genérico e indistintamente dirigido a todos, mas de um apelo que, sendo para todos, vai diretamente ao coração de cada um de nós. É um grito de Deus dirigido a toda a Igreja e à Igreja de todos os tempos como foi outrora dirigido aos que nos precederam pela pregação do profeta Joel. É um convite que tem em conta a nossa condição de Povo, a comunidade cristã, mas que não será relevante se não for acolhido e assumido em primeira pessoa, por mim e por ti, que a constituímos.

Sendo a Igreja um Povo de filhos nascidos do lado aberto de Cristo e unidos pela comunhão do Espírito Santo, não podemos refugiar-nos na nossa condição de seus membros para nos furtarmos à responsabilidade e à graça da conversão pessoal. Somos um Povo Santo porque estamos enraizados n’Aquele que é o único Santo, mas estamos no caminho da conversão porque somos pecadores e aceitamos o desafio de caminhar na realização da nossa vocação universal à santidade.

Ao iniciarmos a Quaresma, havemos de sentir que ela é uma caminho pessoal de conversão, de mudança de vida, que em nada diminui a dimensão comunitária da nossa fé, mas antes lhe dá uma maior verdade e um maior brilho, pois trata-se de buscar a santidade de cada um, na comunhão da santidade do corpo, que é a Igreja, participante da santidade de Cristo.

Vivemos esta Quaresma quando a Igreja nos indica a sinodalidade como “parte integrante da sua verdadeira natureza” (Vademecum para o Sínodo, 1.3) e nos convida a fazermos caminho juntos uns com os outros e com Cristo, que é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Também este fazermos caminho juntos é portador do grande desafio da responsabilidade de cada um e acentua a necessidade de conversão pessoal, que se há de repercutir no movimento ativo e dinâmico de toda a Igreja que se levanta e se põe a caminho para a casa do Pai, conduzida por Cristo e unida pela comunhão do Espírito.

A Igreja entra na Quaresma e cada um de nós entra com ela, manifestando desse modo que a sinodalidade não é um slogan, mas o nosso modo de ser e de estar no mundo: levantamo-nos e percorremos juntos as vias da conversão. Quando cada um se converte ao senhor de todo o coração tornamo-nos um povo de convertidos e um povo mais santo, um povo de homens e mulheres que dão a mão uns aos outros, que se amparam mutuamente dando a nossa própria mão aos mais frágeis e todos amparados pela poderosa mão de Jesus.

Irmãos e irmãs, entramos nesta Quaresma com um misto de sentimentos difíceis de conjugar, mas todos eles a exigirem que nos levantemos e empreendamos novos caminhos de vida. Alegres, por um lado, por vislumbrarmos uma nova fase da pandemia que assolou a humanidade e tantos sofrimentos tem causado aos doentes, aos seus familiares, aos que estão envolvidos nos serviços de saúde, aos que choram os seus mortos, aos que viram a sua economia pessoal e familiar gravemente atingida.

Tratando-se supostamente de uma questão proveniente dos insondáveis caminhos da natureza, conduziu-nos a situações dramáticas em que fizemos muito de bom, mas em que também se manifestaram os egoísmos sempre latentes em pessoas e povos. Enquanto choramos com os que choram, faz-nos bem olhar para a parte positiva e alegrarmo-nos com os que se alegram, ao tomarmos consciência das ondas de bondade, de solidariedade e de amor que se tornaram manifestas na ação individual e coletiva. A par com o que de melhor há no coração humano, ficou, no entanto, muitas vezes, também a nu o que nele há de pior e a reclamar conversão.

A marca mais densa da Quaresma que hoje iniciamos prende-se com a guerra que mata e faz sofrer os nossos irmãos diretamente envolvidos no conflito do Leste Europeu, os nossos irmãos da Rússia e da Ucrânia, mas também todos os outros que sentem como próprias as suas dores. Não é possível passarmos ao lado deste tempo sem considerarmos atentamente tudo o que se pode gerar no íntimo de cada pessoa, no íntimo de cada um de nós, a ponto de cegar e impossibilitar de ver os outros, sejam eles quem forem, como semelhantes e como irmãos.

A guerra, seja ela qual for, é fruto do mal e é portadora de grandes males. Viver a Quaresma em tempo de guerra não nos pode deixar insensíveis e há de levar-nos a reconhecer de forma mais humilde o pecado que mora ao nosso lado e que mora dentro de nós. Os apelos à conversão ganham, neste contexto, uma força maior, que não podemos ignorar, pois são apelos dirigidos a cada um de nós e aos outros, os de perto ou os de longe.

“Com humildade, levanta-te e regressa a casa”.

Aproxima-te do sacramento da reconciliação, reconcilia-te com Deus e com os homens cheio da humildade de filho que te levará a reconhecer o pecado que se gera dentro de ti, te arruína e mata a alegria no rosto dos outros.

Levanta-te, cheio de confiança no Senhor, e contigo levanta o teu próximo caído à beira do caminho, sem fé, sem esperança e sem amor, vítima de si mesmo ou presa dos sentimentos egoístas que nascem no coração.

Não tenhas medo de regressar à casa de Deus, à casa da tua família humana e cristã, à casa do amor e da paz pela qual anseias vivamente.

Esta é a Quaresma da conversão ao Senhor de todo o coração, é o tempo especial de graça que nos trará de volta a Ele e à sua Igreja, porque Cristo é a nossa paz e o único amor que nos salva e salva o mundo.

Coimbra, 2 de março de 2022
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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