Missa Vespertina da Ceia do Senhor 2018- Homilia de Dom Virgílio

Caríssimos irmãos e irmãs!

Esta noite tem um sabor muito especial para nós que celebramos o grande momento da instituição da Eucaristia, momento que resume toda a vida de Jesus e o eterno projeto de Deus. A oferta de Jesus ao Pai em favor da humanidade constitui o sinal maior da sua identidade divina e a revelação de quem Deus é, o que quer para nós e como nos trata: Deus dá-nos tudo sem nos exigir nada. A partir da fé sentimo-nos agradecidos e disponíveis para seguir pelo mesmo caminho de dar tudo sem exigir nada.

As narrações bíblicas, fruto da história da revelação de Deus ao povo de Israel, levam-nos ao conhecimento dos atributos de Deus, que é criador, Senhor, eterno e omnipotente. Em inúmeros experiências de encontro e no meio de uma história simples, quotidiana, com momentos de glória e de desilusão, aquele povo conhece mais do que um conjunto de atributos de Deus, conhece o seu modo de ser, os seus desejos mais profundos, vê como é tratado pelo próprio Deus, vislumbra a sua verdadeira identidade.

Pela experiência de convivência com Jesus e tendo em conta toda a história passada, os discípulos e o povo simples conhecem Deus como misericórdia, pois sentem-se acarinhados por ele no meio das tribulações da vida, acolhem o seu perdão libertador nas situações de pecado, ouvem as suas palavras reconfortantes e portadoras de vida quando o desânimo lhes bate à porta, acompanham o seu caminho para a morte e percebem que só o amor eterno pode estar na origem de tudo o que faz. Na sua conclusão de convertido, resumindo toda a experiência pessoal de encontro com Cristo, cheio de assombro e numa síntese magistral, Paulo confessa: “Deus é amor”.

 “Tomai e comei, isto é o Meu Corpo; tomai e bebei, este é o cálice do Meu Sangue”. Depois de oferecer o que tem, as suas palavras, os seus gestos de proximidade, de carinho e de perdão, Jesus vai ao extremo, pois há algo mais sério e mais pleno para oferecer: o seu Corpo e o seu Sangue, a sua pessoa. É este o Deus que conhecemos, é assim o Deus em quem acreditamos. Ali está o seu poder e a sua glória, ali está a razão de ser do seu dinâmico ato criador, ali está patente o sentido do seu desejo redentor.

Estamos reunidos a celebrar Missa da Ceia do Senhor porque tivemos a graça deste encontro, que nos comoveu interiormente, porque sentimos que o Senhor nunca nos deixou sozinhos no meio das nossas dores e no ocaso da esperança - Ele esteve sempre connosco.

Por duas vezes ouvimos, hoje, a exortação de Jesus que nos convida a assumir a vida na mesma perspetiva em que Ele assumiu a sua: depois de oferecer o pão e o vinho, Ele diz: “fazei isto em memória de Mim” – trata-se de um convite não só a realizarmos aquele gesto ritual e sacramental na celebração da Eucaristia, mas também a oferecermos a nossa própria vida em favor dos outros; depois do lava pés, gesto simbólico, que mostra o serviço como a sua atitude de vida, Ele diz: “dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também” – é um convite a passarmos dos gestos simbólicos aos gestos reais, a um modo de estar na vida como servos uns dos outros, atentos, solícitos, próximos, solidários, em fraternidade e amor.

A Eucaristia que celebramos gera sempre em nós um estilo de vida, que corresponde à nossa matriz fundamental de pessoas, criadas para amar e servir a Deus e aos outros. Ao apresentar o Filho de Deus a lavar os pés aos filhos dos homens, o Evangelista leva-nos ao conhecimento de como é Deus e de qual é a primeira vocação da pessoa humana: ser para os outros por meio do serviço.

Nesta celebração da Missa da Ceia do Senhor, queremos acolher os desafios que nos chegam por meio da Palavra da Escritura, mas queremos também dar graças a Deus pelos homens e mulheres de todas as condições que vemos a dar passos significativos de resposta à sua vocação primeira, a de ser para os outros e a de viver como servos da alegria, da consolação, do bem estar e da felicidade uns dos outros.

No meio da tragédia sem precedentes que assolou as nossas terras e as nossas gentes - os incêndios que devastaram florestas, bens, casas e famílias - emergiu também de forma eloquente o que de melhor carateriza as pessoas que somos. Vimos o luto e a dor bater à porta de muitos, mas vimos também a solidariedade, a justiça e a caridade brotar dos corações e elevarem-se no meio dos escombros materiais e humanos.

Ouvimos repetidamente dizer que os portugueses são assim... que nos momentos decisivos nunca deixam de estar presentes e de dar largas à solidariedade e ao amor, estão prontos a sacrificar-se em favor dos irmãos. Gostaríamos de sentir que este modo de ser não é ocasional, de determinados momentos ou circunstâncias especiais, mas algo de estrutural na nossa condição de pessoas e de cristãos, algo de sempre, como realidade essencial do nosso ser e conviver de todos os dias e de todas as horas.

Ao longo destes meses manifestámos de diversas formas a nossa solidariedade e caridade para com os pobres, os que choram, os mansos, os aflitos, os que têm fome e sede de justiça, ajudámo-los a encontrar alguma paz e consolação; procurámos ser uma presença amiga para que voltassem a vislumbrar os caminhos da felicidade ou da bem-aventurança. Consideramos que tudo o que fazemos é muito pouco diante das feridas abertas no corpo e na alma dos que se confrontam com o mais profundo sentimento de perda. Tudo o que temos feito, é, no entanto, uma tentativa sincera de estarmos presentes, porventura silenciosamente, a manifestar que temos um coração de carne, que nos comovemos até às entranhas com os nossos irmãos que e gostaríamos de aliviar muito mais a sua dor.

Acreditamos que Deus está bem próximo dos nossos irmãos que estão de luto ou privados de pessoas e bens, daqueles que têm impressos na memória dos sentidos e do coração as aflições que não se apagam. Também nós queremos continuar presentes e próximos, de pé, ao seu lado, em sinal de esperança.

Nesta noite da vitória do amor de Deus por nós, bem expressa na oferta de Jesus ao Pai, queremos manifestar o nosso maior apreço aos que estiveram mais perto dos aflitos na hora da tragédia, aos que ofereceram o seu trabalho, aos que puseram a sua vida em risco para salvar a vida dos irmãos. Refiro-me em primeiro lugar aos bombeiros, e depois a muitos outros homens e mulheres que, movidos pela voz dos laços de sangue ou simplesmente pela força do dever a cumprir, ofereceram o seu corpo e o seu sangue para salvar alguns. Estamos certos de que com os seus gestos se adentraram mais plenamente na comunhão de Cristo que se ofereceu para salvar a todos, realizaram o ato humano mais excelente, que consiste em dar a vida, e incarnaram na sua fragilidade a força do amor divino.

“Se Eu que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros”. Obrigado, caríssimos irmãos bombeiros, porque, porventura sem o saberdes, cumpristes o mandato do Senhor, pusestes a toalha à cintura, ajoelhastes-vos diante dos irmãos, lavastes os seus pés e enxugastes as suas lágrimas de dor; fostes verdadeiro rosto e autênticas mãos de Jesus que lavou os pés ao mais pequenino dos seus irmãos.

Em nome do Senhor e desta sua Igreja Diocesana de Coimbra, quero, hoje, inclinar-me diante de vós e lavar os vossos pés, porque também a vossa fragilidade precisa de fortaleza, a vossa memória sofrida precisa de consolação e a vossa determinação em servir precisa de sentir que não estais sós: nós estamos convosco e Deus está convosco. Peço-vos a humildade de reconhecer que pelas mãos deste seu servo, Jesus lava os vossos pés e implora-vos que continueis a tomar o seu exemplo como medida do vosso serviço à comunidade e a cada um dos seus membros mais pequeninos.

Irmãos e irmãs, agradeçamos ao Senhor Jesus, o nosso Mestre, que nos deu a única lição importante: a da vida que se recebe para se dar, do amor que se sente para se comunicar. Agradeçamos-lhe a Eucaristia, esse memorial da sua oferta por nós, que nos recorda sempre que sem caridade nada somos.

O desafio desta noite é grande, porque pede uma autêntica revolução dentro de nós, pede-nos que organizemos a nossa vida e a nossa sociedade a partir do critério maior: dar a vida pelos homens nossos irmãos, seguindo a Jesus que, sendo Filho de Deus, deu a sua vida por nós.

Coimbra, 29 de março de 2018

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

 

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