Por uma Igreja Sinodal: em permanente estado de conversão - Catequese de Dom Virgílio (10 de Abril)

CATEQUESES QUARESMAIS DO BISPO DE COIMBRA
IGREJA DE SANTA CRUZ DE COIMBRA

VI. POR UMA IGREJA SINODAL: EM PERMANENTE ESTADO DE CONVERSÃO

  1. Conversão - coragem e liberdade para caminhar juntos”

 “Para “caminhar juntos”, é necessário que nos deixemos educar pelo Espírito em ordem a uma mentalidade verdadeiramente sinodal, entrando com coragem e liberdade num processo de conversão, sem o qual não será possível aquela «reforma perene da qual ela (a Igreja) como instituição humana e terrena, necessita perpetuamente» (UR, n.6; EG, n. 26)” (Documento Preparatório, nº 9).

Esta declaração vem ao encontro da pregação de João Batista, da pregação de Jesus e do convite que a Igreja de todos os tempos é chamada a fazer: a conversão de cada fiel e de toda a comunidade cristã. Trata-se da condição essencial para que caminhemos juntos na docilidade à vontade de Deus e relativizando as nossas intuições ou desejos pessoais. Se não assentar na conversão, qualquer percurso de renovação pode ser um equívoco e partir das ideologias múltiplas que nascem e crescem de acordo com os pontos de vista de pessoas ou de grupos que procuram influenciar a Igreja.

O grande objetivo é que todos nos ponhamos a caminho com a coragem e a liberdade que Deus constrói em nós por meio da conversão pessoal e comunitária. Aqui se distingue entre o que pode ser a vontade humana de renovar a Igreja e a abertura para uma renovação que nasça da vontade divina. Na coragem e liberdade de pessoas em caminho de conversão se manifestam os traços essenciais da reforma perene da Igreja a que o Concílio Vaticano II fez alusão e na qual somos chamados a colaborar.

O caminho da conversão pessoal e comunitária é essencial no caminho da sinodalidade que a Igreja está a fazer, em resposta ao convite do Papa Francisco. Sem este dinamismo do Espírito não haverá a reforma ou a renovação que Deus quer e que havemos de realizar com a coragem e com a liberdade própria dos filhos de Deus. Procurar a realização da nossa vontade em nós e na Igreja é ato de egocentrismo e nasce de uma visão humana; procurar a vontade do Pai é ato de fé e confiança em Deus, é entrar na escola de Jesus que não pediu que se cumprisse a sua vontade, mas a do Pai.

  1. O apelo de João Batista à conversão

De acordo com as narrações evangélicas, João Batista, o Precursor, centrou a sua mensagem profética no convite à conversão de todos os que acorriam para o ouvir, no deserto e junto às margens do rio Jordão onde se desenvolveu o seu ministério.

“Convertei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt 3, 2). Esta é a condição prévia que João apresenta a todos os que querem preparar-se para a vinda do Senhor que, como dizia, está próxima. Muitos aproximavam-se dele e recebiam o batismo da penitência em sinal de conversão da mente e do coração, a fim de iniciarem a caminhada proposta pela chegada do Messias, que, afinal, já está no meio deles.

João Batista, as suas palavras e o seu anúncio manifestam que ele se centra completamente na pessoa de Jesus, n’Aquele que os profetas esperavam e que o povo desejava encontrar como o enviado de Deus, o que viria para libertar e salvar do pecado e de todas as prisões que afastavam de Deus e dos irmãos. Considerando-se insignificante e simples voz que brada no deserto, João assegura que se orienta para Jesus e quer conduzir todos os que ouvem a sua pregação para Ele: “Eu batizo-vos com água para vos mover à conversão; mas Aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu e não sou digno de lhe descalçar as sandálias” (Mt 3, 11). O próprio Jesus confirmará a verdade do discurso de João quando lhe vêm perguntar “És Tu aquele que há de vir ou devemos esperar outros?” (Mt 11, 3). Manda os mensageiros relatar o que estão a ver e a ouvir, pois as suas obras manifestam a sua identidade enquanto Messias que esperavam, tal como fora anunciado por João (cf Mt 11, 4-5).

Mais adiante, no mesmo Evangelho de Mateus, quando Jesus inicia o seu ministério na Galileia, retoma precisamente as palavras de João Batista e assume o convite à conversão como central no seu anúncio e como condição para acolher o Reino dos Céus: “Jesus começou a pregar, dizendo: «convertei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus»” (Mt 4, 17).

Do mesmo modo, Jesus assume a pregação de João Batista relativa ao julgamento que está a chegar e que exprimiu por meio da imagem do machado que está à raiz das árvores, dizendo: “toda a árvore que não dá bom fruto e cortada e lançada ao fogo” (Mt 3, 10). Recordamos que Jesus usa precisamente os mesmos termos na sua pregação, quando diz: “Toda a árvore que não dá bons frutos é cortada e seca.” (Mt 7, 19).

O convite à conversão feito por João Batista aponta para o arrependimento e para o batismo como sinal de um caminho que as multidões estão dispostas a iniciar e que há de dar bons frutos. A conversão significa o reconhecimento de Deus de uma maneira totalmente nova, que supera as perspetivas anunciadas pelos profetas do Antigo Testamento centradas na Lei que, às vezes e quando mal compreendida, mata. A conversão a Deus, por sua vez, leva a produzir bons frutos.

De tal modo é nova a proposta, que exige que se passe pelo deserto onde se reorientará toda a vida para Deus e onde se aprende a relativizar e ordenar adequadamente todas as coisas que antes dominavam o pensamento e a vida. O Reino dos Céus supera tudo o que era antigo, pois, agora, está no meio deles o Messias a dar novo sentido e novo conteúdo salvífico a tudo o que antes era promessa.

João aponta para Jesus e submete-se a Jesus, o batismo que realiza com água aponta para o batismo no Espírito e no fogo, para o batismo cristão, sinal da vida nova em Cristo morto e ressuscitado, para o batismo na Igreja que situa cada crente na esfera da salvação de Deus.

O significado da conversão pregada por João Batista será explicado por Jesus nas suas palavras e obras ao longo da sua vida pública e terá a sua realização plena no mistério pascal, de acordo com a expressão de Paulo na Epístola aos Romanos: “Pelo batismo fomos, pois, sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo, foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova” (Rm 6, 4).

  1. O apelo de Jesus à conversão

Jesus inicia o seu ministério público com o convite à conversão, que se prolongará por todo o seu percurso terreno: “A partir desse momento, Jesus começou a pregar, dizendo: “Convertei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt 4, 17).

Esta pregação recolhe a que fora feita por João Batista quando O anunciou presente no meio dos homens e antecipa a que a Igreja fará mais tarde segundo o mandato dado aos discípulos que envia e a quem diz: “Pelo caminho proclamai que o Reino dos Céus está perto. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demónios” (Mt 10, 7).

Podemos dizer que a proclamação do Evangelho de Jesus tem por conteúdo o Reino dos Céus e a única exigência para o acolher é a conversão como início da vida cristã, mas também como dinamismo sempre presente a marcar o seu crescimento. A partir desse momento inicial de conversão e resposta ao chamamento de Jesus, ela será uma atitude que nunca mais pode morrer, sob pena de se interromper o caminho da vida cristã gerada em cada crente e na comunidade que constituem.

No texto do Evangelho de Mateus que se segue, todos os momentos de chamamento dos discípulos se inserem neste contexto: a sua vocação é o primeiro momento desse percurso de conversão e a primeira das suas exigências. Por sua vez, as outras pregações de Jesus continuam a explicitar as condições para acolher o Reino dos Céus e exigem a conversão da mente e do coração por parte dos que passam a ser discípulos ou seguidores do Mestre.

O sinal maior da conversão é a fé, a aceitação de Jesus como presença do Reino de Deus entre os homens, mas há também um conjunto de exortações à pobreza, ao serviço, à humildade e a ouvir a Palavra de Deus e a pô-la em prática. De forma explícita nas narrações evangélicas, faz apelo ao acolhimento do Reino a secção das parábolas, onde se inclui a parábola do semeador, do trigo e do joio, do grão de mostarda, do fermento na massa, do tesouro escondido no campo e da rede lançada ao mar (cf Mt 13).

Em qualquer dos casos, o chamamento de Jesus a segui-l’O implica sempre a conversão pessoal, o que significa mudar a orientação da vida que se tinha até ali e a obediência da vontade, que não é mais uma inclinação individual, mas uma obediência confiante à Pessoa d’Aquele que chama. O seguimento de Jesus implica, inclusivamente, percorrer o seu caminho até à cruz numa submissão total à vontade do Pai e sentir-se membro de uma comunidade de irmãos, de uma família espiritual que vive e testemunha os valores do Reino dos Céus.

No Sermão da Montanha, o Evangelho segundo S. Mateus apresenta Jesus a pronunciar as Bem-aventuranças (cf Mt 5), que constituem a maior formulação do que significa a conversão para acolher o Reino dos Céus. Elas começam por fazer uma forte exigência de mudança de atitude e de vida que se distingue dos critérios do mundo, para depois oferecerem a promessa de felicidade e salvação, que só de Deus vêm. São, por sua vez, a regra de vida dos cristãos, as suas marcas caraterísticas e o centro nevrálgico do Reino dos Céus oferecido a todos os que aceitarem, na fé em Jesus, os caminhos da conversão.

  1. O apelo da Igreja à conversão

Os Apóstolos foram enviados a pregar a conversão, dando assim continuidade à pregação de João e de Jesus: “ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado” (Mt 28, 19). Essa pregação inclui o apelo à penitência, à fé e ao batismo, bem como a promessa da remissão dos pecados, da salvação e da vida.

Afastar-se do pecado e voltar-se para Deus é o conteúdo da conversão, bem expresso no Livro dos Atos dos Apóstolos: na Samaria, diante da tentativa de suborno por parte de Simão, Pedro responde: “Arrepende-te, portanto, da tua má intenção e roga a Deus que te perdoe – se for possível – o projeto do teu coração” (At 8, 22); por sua vez, na despedida dos anciãos de Éfeso, Paulo recorda-lhes: “Preguei e instruí-vos, tanto publicamente, como nas vossas casas, afirmando a judeus e gregos e necessidade de se converterem a Deus e de acreditarem em Nosso Senhor «Jesus»” (At 20, 21).

No fundo, a conversão, como explicará Paulo, é um estar em Cristo, revestir-se do homem novo e alcançar a vida nova em Cristo, que passou da morte à vida e faz passar das trevas para a luz por meio da fé. Esta conversão não é algo que seja possível às forças humanas, mas é sempre um dom de Deus, que toma a iniciativa e nos dá a possibilidade de uma resposta à sua graça. Exige, no entanto, uma decisão humana e um voltar-se para Deus que já se voltou para nós e já nos alcançou pelo amor do Espírito Santo.

A Igreja é, no tempo presente, a comunidade dos crentes e discípulos de Jesus que estão em caminho de arrependimento e de conversão. Este é um movimento que não pode cessar e que constantemente devemos pedir a Deus para nós e para os outros, pois é obra sua, mas realiza-se em nós com a cooperação da nossa vontade humilde.

Podemos considerar três âmbitos da conversão a que a Igreja hoje nos chama e que são condição para entrarmos numa verdadeira via de sinodalidade.

Em primeiro lugar a conversão pessoal da mente, do coração e da vida ao Deus vivo. Como recorda o Papa Bento XVI, ela começa sempre no “encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus caritas est, 217). É este encontro de amizade que nos faz sair de nós mesmos para acolhermos o amor de Deus e iniciarmos um caminho de desprendimento da nossa vontade para darmos lugar à vontade de Deus.

A conversão pessoal é o início do percurso da santidade a que Deus chama cada um de nós, seguindo cada um pelo seu caminho ou pela sua vocação. As pedras vivas e membros do Corpo de Cristo dão o seu maior contributo para a edificação da Igreja quando vivem na esfera de Deus, quando realizam mais plenamente o seu batismo e seguem Jesus na obediência da fé.

Em segundo lugar, a conversão comunitária à santidade, que “é o rosto mais belo da Igreja” (Alegrai-vos e exultai, 9). Quanto mais somos Povo Santo de Deus, mais estamos disponíveis para discernir os meios e modos de agir no meio do mundo e para dar o testemunho que espera de nós.

No arrependimento, na conversão e na santidade de vida, a Igreja manifesta a sua alegria e a sua vontade de se renovar, tal como lhe é constantemente pedido, o mesmo é dizer, a sua vontade para querer aquilo que Deus quer. É urgente, por isso, afastarmos das estruturas eclesiais as raízes do pecado, deixar que o Espírito purifique a Igreja e permitir que ela faça resplandecer a luz de Cristo, o Santo de Deus

Em terceiro lugar, a conversão pastoral e missionária. O Papa Francisco atualizou para o nosso tempo esta vocação de cada cristão e de toda a Igreja, quando nos ofereceu a Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho.

O peso da história deixou ofuscada a eterna novidade do Evangelho, que é preciso apresentar de forma renovada, aberta e feliz aos homens de hoje. Também isso exige compreendermos que “a verdadeira novidade é aquela que o próprio Deus misteriosamente quer produzir, aquela que Ele inspira, aquela que Ele provoca, aquela que Ele orienta e acompanha de mil e uma maneiras” (A Alegria do Evangelho, 12).

De facto, a conversão pastoral e missionária pede-nos que nos centremos em Deus e deixemos que seja Ele a inspirar-nos os meios, os modos e os percursos a propor aos homens para que se encontrem com o Evangelho que salva.

Igreja Sinodal é, portanto, uma Igreja que escuta, com fé, o Deus que inspira e que olha com amor para a realidade humana que quer salvar. Igreja Sinodal é uma Igreja em permanente estado de conversão.

Coimbra, 10 de abril de 2022
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra


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