O trabalho e a vida

O trabalho e a vida

Somos crianças feitas para grandes férias, proclama Ruy Belo, em Orla marítima, não animais feitos para trabalhar.  Mas, perdido o paraíso, trabalhamos. Muito. De modo penoso. E comemos o pão, quase todos, com o suor do nosso rosto. 

(Alguns, as pessoas sensíveis de Sophia, ganham o pão com o suor dos outros).

Ser animal laborans não é a marca da natureza humana.  Mas é a marca da condição humana. 

Domesticadas as bestas selvagens em animais de carga, disciplinado pelo sedentarismo o mundo vegetal, faltava reificar o semelhante, usá-lo como coisa inorgânica, situá-lo no universo dos objetos e dos animais servis, despojá-lo de uma igual divindade herdada de uma idêntica filiação transcendental.

A cisão grega com a humana filiação divina, proclamando o homem (leia-se, o homem que pode, aquele, e apenas aquele, que tem o poder, em especial o poder de submeter o seu igual), no lugar de Deus, como medida de todas as coisas, longe de fundar um celebrado humanismo, é, antes, raiz de um anti-humanismo inigualitário e uma justificação perfeita de todos os estados de servidão humana (ou, usando léxico marxista, de todos os estados de  exploração do homem pelo homem).

Daí, a legitimação ética da escravatura, por Aristóteles, e a coexistência na democrática pólis, sem sobressaltos de maior, de ociosos e reflexivos cidadãos (menos de 30% da população, atento que as mulheres e as crianças estavam privados dos direitos cívicos e políticos da democracia ateniense) com laboriosos escravos e servos da gleba (metecos).

Daí que, séculos depois, na América do Norte, a atualização racional-iluminista do humanismo grego, encarnada por Thomas Jefferson, lograsse a harmónica conjugação dos direitos de liberdade com os direitos de propriedade de escravos.

Daí que, em tempos mais recentes, a “libertação” pelo trabalho (arbeit macht frei) tenha constituído o sinal da queda em condição de infra-humanidade.

Nos tempos atuais, a teologia dos mercados suavizou as asperezas semânticas: o animal laborans já não dá pelo nome formal de servo ou de escravo. Responde pela neutro identificador de capital humano, recurso humano ou fator de produção. 

Revogada a lei divina pelas leis racionais dos mercados livres, o animal laborans é objeto de negociação em tenazes feiras invisíveis. As grilhetas que o degradam não são agora de ferro, mas a submissão normativa a hábeis regras laborais e tributárias.

E a submissão existencial a uma feérica sociedade e civilização de consumo. Onde o descanso, como raro tempo de não trabalho, é, ele mesmo, um bem de consumo, e o lazer uma modalidade de vida activa.

Precisamos de domingos. E de, com José Régio, voltar a dar grandes passeios aos domingos.

Manuel Castelo Branco
Comissão Diocesana Justiça e Paz

















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